Intervenção de Carlos Carvalhas,
Secretário-geral do PCP,
no seminário
“Segurança Social:
Perigos e desafios do tempo presente”

Lisboa, 23 de Novembro de 2002

Quero começar em nome do PCP por agradecer a todos e muito especialmente aos que não pertencendo ao nosso Partido muito têm contribuído com as suas críticas, propostas e sugestões para o aprofundamento da reflexão e o aperfeiçoamento do Sistema da Segurança Social.

O que temos pela frente não é uma reforma mas sim uma contra reforma, retrógrada e reaccionária ao serviço dos grandes interesses.

Ainda recentemente o Instituto de Seguros de Portugal, afirmava que as reformas “estruturais dos sistemas públicos de repartição (leia-se Sistema Público de Segurança Social) serão decisivas para a renovação do mercado português de fundos de pensões” e que, de acordo com os estudos do Instituto, poderá suportar pelo menos 4,2 mil milhões de contos de volume potencial de negócios. Mais claro não se poderia ser.

E não é uma mera casualidade o facto de o Ministro da Segurança Social, António Bagão Félix, ser um antigo administrador da Companhia de Seguros Bonança, subsidiária do Banco Comercial Português, centrada na “PensãoGere”, que detém cerca de 25% da quota de mercado, liderando o ranking, com um volume de activos de cerca de 700 milhões de contos e que estão em risco de passar para as mãos do capital estrangeiro.

O que está em causa não é a melhoria da protecção e da segurança social dos portugueses, nem o aumento das pensões dos mais desfavorecidos, ainda agora recusado no Orçamento de Estado, pela maioria de direita face a propostas do PCP. O que está em causa são os largos milhões de contos das contribuições dos trabalhadores. O que está em causa são os 3 000 milhões de contos/ano de desconto e os reservas do Fundo de Estabilização Financeira que se aproximam dos 2 000 mil milhões de contos que se quer o mais depressa possível jogar na roleta bolsista. E esta é que é a questão e não o aumento progressivo das pensões até atingir o salário mínimo ou a falsa liberdade de escolha, com os estímulos fiscais aos fundos de pensões feitos com o dinheiro dos contribuintes...

Aliás é bom sublinhar que a Lei de bases da Segurança Social já consagrava essa progressão e até em termos mais favoráveis e foi saudada como um importante avanço na «coesão social» e na nossa vida democrática.

Apenas dois anos após a promulgação da Lei 17/2000, o Governo de direita rasga esta reforma estrutural e de novo o Presidente da República é chamado a pronunciar-se – o que não é coisa pequena – sobre uma nova proposta de lei relativa à Segurança Social, cujo conteúdo geral visa proceder a uma profunda e progressiva alteração dos alicerces fundamentais do Sistema Público de Solidariedade e de Segurança Social em Portugal.

Neste preciso momento não é de mais sublinhar que este Sistema Público, constituindo um direito fundamental e uma conquista civilizacional, é uma conquista recente, implementada após o 25 de Abril.

Importante frisar ainda que o Sistema Público de Segurança Social permitiu passos muito importantes na realização de dois princípios essenciais:

– o da universalidade dos direitos. Ou seja, todos têm direito à segurança social;

– o da solidariedade. Ou seja, a responsabilidade colectiva dos cidadãos entre si na realização das finalidades do sistema, envolvendo o concurso do Estado no seu financiamento. E é isto que se quer pôr em causa.

Num quadro de persistente desemprego, de precariedade de trabalho, de baixos salários e pensões, de aumento das desigualdades sociais, de fenómenos de pobreza e exclusão social, as alterações para as quais o Governo pretende ter as mãos livres para as levar por diante visam concretizar uma progressiva destruição dos alicerces da Segurança Social em Portugal como direito universal e seu contributo como instrumento “reparador” da desigual distribuição de riqueza.

O Primeiro Ministro costuma dizer que as suas medidas são o melhor para Portugal e para os portugueses.

Mas aqui queremos contrariar tal afirmação e dizer que o respeito e o cumprimento da Lei de Bases de Solidariedade e de Segurança Social, de Agosto de 2000, é o que melhor serve Portugal e os portugueses.

A enorme operação de mistificação da opinião pública, tem visado esconder as verdadeiras razões políticas e ideológicas de tal proposta. O que move a maioria PSD/CDS-PP é dar corpo, nas leis, às concepções neoliberais em matéria de segurança social visando, progressivamente, a adaptação do sistema público a uma lógica “assistencialista” em detrimento dos direitos.

Reafirmamos que, o que está em causa não é uma melhor protecção social aos que mais precisam, porque não é conciliável a privatização de parte do Sistema de Segurança Social com a salvaguarda do direito de todos à segurança social e o aprofundamento das suas garantias e valores das prestações sociais.

A introdução dos tectos contributivos é um primeiro passo numa linha de transferências das contribuições dos trabalhadores que vierem a ser visados para as sociedades gestoras de fundos de pensões ( bancos e seguradoras). Imposta a obrigatoriedade de descontos é lhes imposta a troca de reformas certas pagas pelo Sistema Público, pelas reformas incertas dos fundos de pensões privados. Esta medida visa, exclusivamente, transformar a velhice numa fonte de incalculáveis lucros para o grande capital financeiro, à custa das contribuições de uma vida de trabalho das gerações trabalhadoras mais jovens.

Mas a introdução dos tectos contributivos levará a quebras de receitas para o Sistema Público, promovendo a progressiva destruição da universalidade dos direitos e de uma cultura de solidariedade – entre gerações, entre os trabalhadores, incluindo os que têm salários mais altos, as empresas e o Estado. É o caminho para degradar o sistema e justificar mais adiante que se institua apenas um sistema público assistencial para os pobrezinhos.

Mais claro e transparente do que o Sr. Primeiro-Ministro e o Ministro da Segurança Social, fala a Associação das Empresas Gestoras de Fundos de Pensões que se manifesta claramente a favor da introdução dos tectos contributivos que libertem contribuições para os sistemas complementares visando, segundo as suas palavras, a “oxigenação” do sector.

Pela nossa parte, temos desenvolvido todos os esforços e todos os meios ao nosso alcance para denunciar os perigos que resultam dos objectivos e das iniciativas do Governo, para o presente e futuro do Sistema Público de Segurança Social, e para os direitos que este consubstancia.

Temos procurado, através do contacto com os trabalhadores e com os beneficiários do Sistema, promover o esclarecimento e a denúncia do que está em causa. Consideramos essencial, e desde a primeira hora o afirmamos, que é indispensável desenvolver um movimento de resistência em defesa do Sistema Público de Segurança Social e contra a alteração da Lei de Bases de 2000.

Mas é necessário ir mais além neste combate à proposta de lei do Governo que está nas mãos do Presidente da República e que visa proceder a uma profunda alteração da arquitectura do Sistema de Segurança Social, pondo em causa alicerces fundamentais da coesão social. É necessário que nesta grave questão, no plano institucional, cada um assuma as suas responsabilidades com coragem e sem jogos de espelhos.

A política neoliberal e reaccionária do governo de direita está a desencadear um cada vez maior descontentamento mesmo naqueles que apoiaram os partidos da maioria. E isto porque a população em geral e os assalariados mais especificamente vão sentindo cada vez mais as consequências negativas desta política para a sua vida.

Na sua postura angelical, o Sr. Primeiro-Ministro continua a afirmar que compreende as reivindicações dos trabalhadores, dos estudantes, dos autarcas, mas que a situação das finanças do país não permite ir ao seu encontro.

Com esta postura o Primeiro-ministro, procura passar a ideia que os cortes são para todos, que todos têm que fazer sacrifícios. Só que, como a política do Governo mostra e o Orçamento agora aprovado o evidencia, enquanto o Governo aperta o cinto aos mesmos de sempre, continua a alargá-lo às actividades financeiras e especulativas.

O Sr. Primeiro-Ministro sabe bem que, a actualização dos escalões do IRS em somente 2% bem como, os abatimentos e deduções quando o próprio orçamento prevê uma inflação de 2,5% vai penalizar os assalariados com destaque para os pequenos rendimentos. O Sr. Primeiro-Ministro sabe também que, o aumento do IVA é de grande injustiça. E se não sabe o Dr. Paulo Portas pode explicar-lhe, pois esta questão foi um dos grandes temas da sua campanha.

O Sr. Primeiro-Ministro sabe ainda que o Orçamento para o ano 2003 isenta de imposto as SGPS; sabe que os dividendos de acções de empresas sujeitas a processos de privatização passam a ser tributados apenas por metade dos lucros atribuídos; sabe que concede benefícios fiscais às Sociedades Gestoras de Fundos de Pensões e que as contribuições para os Fundos de Pensões passam a poder ser deduzidos à colecta do IRS. Tudo isto para facilitar o plafonamento e a privatização da Segurança Social.

Como se vê, os sacrifícios não são para todos. E é preciso que se saiba que este Governo que diz que não há dinheiro para o investimento produtivo, para a saúde e o ensino é o mesmo que aumenta em 3,2% em relação ao Orçamento anterior os benefícios fiscais elevando-os à bonita soma de 326 milhões de contos!

Aperta o cinto aos trabalhadores e aos micro, pequenos e médios empresários e alarga-o aos banqueiros e aos grandes senhores do dinheiro.

Esta política, como é natural, está a causar grande apreensão, descontentamento e indignação em largos sectores da sociedade e o protesto em várias camadas da população.

Face ao justo protesto dos trabalhadores o Sr. Primeiro-ministro, ao mesmo tempo que proclamava a necessidade de o Governo ser humilde (procurando tirar lições do governo Cavaco Silva) afirmava que não se afastará um milímetro do caminho traçado.

É uma atitude arrogante mesmo que disfarçada pela patine da humildade.

Ora a verdade é que este Primeiro-ministro é o mesmo Durão Barroso que em campanha eleitoral, nos comícios e em folheto afirmava que “a mudança chega pelo correio”, se comprometia a “reduzir os impostos que pesam sobre quem trabalha”. É o que se vê! O afastamento não foi de milímetros, mas de largos metros. O mesmo em relação ao chamado choque fiscal e a outras promessas.

Também em relação à proposta do novo Código Laboral, a luta dos trabalhadores já obrigou o Governo a alguns recuos. Não foi ainda de metros mas também com a luta confiamos que não fique pelos milímetros.

Para nós é uma evidência que a derrota desta política e deste Governo passa pela intervenção, pela denúncia, pela luta de massas e pela convergência na acção das diversas forças democráticas. E também por isso, daqui saudamos a corajosa decisão da CGTP-IN de convocar para o dia 10 de Dezembro a greve geral.

A reflexão e as propostas deste “Debate”, estamos certos, serão também de grande utilidade para a nossa luta comum e para a construção de uma alternativa ao serviço do nosso povo e do nosso país.

Desejo-vos a continuação de bons trabalhos!