Projecto de lei nº 503/IX - Lei de Organização
e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos
Intervenção de Bernardino Soares
20 de Outubro de 2004
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
A discussão que hoje fazemos é apenas um episódio que teve os seus capítulos principais na aprovação das leis dos Partidos Políticos e do Financiamento dos Partidos em 2003. Aliás lembre-se que essas leis, aprovadas pelo bloco PSD, PS e CDS-PP, viram os seus textos finais concretizados em singelas 48 horas, de forma a poderem ser aprovadas antes do dia 25 de Abril.
As novas leis aprovadas violam de forma grotesca princípios constitucionais e democráticos que herdámos da Revolução de Abril, de onde se destacam os princípios do “pluralismo de expressão e organização política democráticas” e da liberdade de associação. A constituição diz mesmo que “As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas”, o que se aplica na plenitude aos partidos políticos.
Trata-se da tentativa de imposição de um modelo único de organização e funcionamento dos partidos, à medida e à imagem dos partidos que aprovaram estas leis.
Estas leis e as suas abusivas regras sobre a organização interna dos partidos, configuram uma inaceitável ingerência, questionando os direitos de todos aqueles que livremente militam em cada partido e que têm o direito de se auto-organizarem com independência.
O projecto de lei que hoje discutimos decorre directamente da lei do financiamento dos partidos aprovada em 2003 e é a essa luz, isto é, dos princípios que enformam essa lei inicial, que analisamos este debate.
A lei do financiamento visa limitar a actividade e a intervenção dos partidos que, como o PCP, têm fontes de financiamento assentes no fundamental no esforço dos seus militantes.
Mas tem também outros objectivos, designadamente o de, em tempos de crise e dificuldades, se aumentarem as subvenções públicas de forma escandalosa. PSD e PS recebem mais de um milhão de contos já a partir de 2005 e vêm aumentados os limites de despesas das campanhas eleitorais. A lei está embebida de um inaceitável princípio de penalização dos que se financiam com o esforço da militância, para beneficiar os que o fazem com os dinheiros públicos.
E o que é mais extraordinário é que são os que, ao contrário do PCP, até agora não apresentam contas consolidadas a nível nacional, limitando-se praticamente a apresentar as contas da estrutura central, que exigem mais e mais constrangimentos legais, provavelmente porque não tencionam cumpri-los.
Sempre estivemos na primeira linha na defesa da transparência e da fiscalização das contas dos partidos; sempre propusemos a limitação do financiamento por empresas, que agora está consagrado na lei. Mas tudo isso não pode confundir-se com inaceitáveis condutas de ingerência, de limitação concreta da actividade que a actual legislação configura.
Para além do mais a lei inclui várias disposições manifestamente aberrantes, desproporcionadas e até inaplicáveis.
Alguns exemplos:
- a obrigação de as quotas e outras contribuições dos militantes, dos eleitos e outras receitas resultantes de iniciativas de angariação de fundos, serem pagas por cheque ou outro meio bancário, excluindo-se apenas um montante anual de 50 salários mínimos; o que significa que basta que 300 militantes paguem 1 euro de quota ou que 60 militantes paguem 5 euros de quotas por mês para que este limite seja ultrapassado.
- a eliminação da norma que autonomizava as iniciativas especiais de angariação de fundos, aliás obrigadas a contabilidade própria, pretendendo limitar a capacidade de angariação de fundos em iniciativas próprias. Aliás seria curioso saber se a festa do Chão da Lagoa alguma vez apresentou as contas.
O projecto que hoje analisamos, assumido pelos mesmos três partidos que aprovaram a lei é a continuação deste processo. Sabemos que o projecto tem origem numa proposta proveniente do Tribunal Constitucional, procurando dar resposta às novas obrigações que a lei lhe impõe. Note-se aliás que os partidos proponentes deixaram cair as referências preambulares do texto inicial, designadamente aquelas que chamavam a atenção para a inconstitucionalidade da lei do financiamento.
É um projecto de desenvolvimento da lei anterior, que recupera boa parte do seu injusto normativo, mas que introduz também normas que ultrapassam as atribuições previstas naquele diploma para a entidade a criar. Lembre-se que a entidade das contas deve apenas coadjuvar o TC nas suas competências nesta matéria e não ter uma intervenção de moto próprio e autónomo, o que nada tem a ver com a independência dos membros que a constituem. Por isso não é aceitável a atribuição de competências de regulação e regulamentação previstas neste projecto e que não têm cobertura na lei originária. Por outro lado incluem-se mais algumas disposições de manifesta inaplicabilidade.
Estaremos contra este projecto da maioria PS, PSD e CDS-PP, porque ele é a continuação de um processo que lesa direitos democráticos dos partidos e dos seus militantes. É um processo que contestamos, que combatemos e que tem de ser interrompido e alterado, pela alteração das normas em vigor, pela revogação destas inaceitáveis leis e pela sua recondução aos princípios democráticos essenciais da nossa constituição.
Disse.