Áreas urbanas de génese ilegal
Intervenção do deputado Joaquim Matias
28 de Abril de 1999

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados:

As áreas urbanas de génese ilegal, "AUGI", constituem, pela sua dimensão, diversidade, complexidade e antiguidade, um grave problema nas periferias dos principais centros populacionais.

Remonta ao início da década de sessenta, isto é: há quase 40 anos a origem da construção de um número significativo de habitações efectuadas sem licença em terrenos não urbanizados e não raras vezes completamente inadequados para o destino que lhes deram. Com a concentração populacional nos grandes centros urbanos que então se verificou, sem um planeamento e uma política de habitação adequadas, face ao aumento especulativo do custo da habitação arrendada ou própria, com a instalação de serviços a tomar conta das zonas habitacionais e com a impunidade advinda da lei que, embora proibindo, não dispunha de mecanismos para impedir, a rendosa especulação fundiária, foi inevitável este fenómeno, que sofreu novo agravamento no início da década de 70 com o aumento da população residente no País e nova vaga de concentração nos grandes aglomerados populacionais.

Foram, assim os habitantes destes bairros as principais vítimas da especulação fundiária rendosa só para os loteadores e são estes habitantes os principais interessados na recuperação e legalização destas áreas e na sua integração urbana garantindo o seu legítimo direito à habitação e à cidadania plena.

Também as autarquias, e pelas da CDU podemos afiançar, tiveram sempre grandes preocupações para promover a melhoria da qualidade de vida destes habitantes, e muito foi feito nesse sentido, mesmo nas condições limitadas de capacidade legal e financeira para intervir.

E, se no início, a par da habitação de acesso ainda possível para alguns, se juntavam os ainda não completamente adaptadas à vida urbana que procuravam reconstruir no terreno possível o seu ambiente de origem e até construções para segunda habitação em lugares aprazíveis do ponto de vista paisagístico, rapidamente a pressão habitacional por um lado, e a inevitável degradação do meio ambiente por outro, reduziu estas habitações ao primeiro tipo, mais rendoso para os loteadores.

Constituíram-se assim grandes aglomerados urbanos, onde vivem, só na Área Metropolitana de Lisboa, 20 a 25% da população, isto é: entre 400.000 e meio milhão de pessoas.

Em zonas sem infra-estruturas básicas ou com infra-estruturas deficientes; sem equipamento social e em habitações que por vezes não cumprem as normas regulamentares de salubridade impostas regulamentarmente, sem acesso aos transportes e à integração plenas nos perímetros urbanos das cidades e sem sequer ter regularizada a propriedade dos lotes que permanecem em solo indiviso.

A Lei nº 91/95, de 2 de Setembro, elaborada por iniciativa e com grande participação do PCP constituiu, sem dúvida, um importante instrumento, que pela sua natureza inovadora, mas assente numa análise profunda da especificidade do problema, contribuiu decisivamente para um avanço muito significativo no trabalho de recuperação e legalização das Áreas Urbanas de Génese Ilegal, que a diversa legislação anterior não tinha conseguido.

A este processo de recuperação e legalização com base na Lei nº 91/95 aderiram a grande maioria dos proprietários e comproprietários destas áreas.

Passados quase 4 anos sobre a vigência da lei e face à sua cessação em 31 de Dezembro próximo, impõe-se a nosso ver, em primeiro lugar, um alargamento do prazo, amplamente justificado pelo pouco tempo de vigência da lei, face ao elevado número de situações existentes, às centenas de milhar de pessoas envolvidas e à complexidade das formalidades requeridas pelo processo, em si mesmo, necessariamente complexo.

Mas impõe-se sobretudo uma reflexão sobre a experiência de aplicação desta a lei e a análise das dificuldades surgidas que justificam algumas alterações tendentes a aligeirar formalidades burocráticas nos processos de apreciação e aprovação das propostas e estudos de recuperação.

E justificam ainda a clarificação da intervenção das instituições que prosseguem o processo de gestão urbanística na autenticação do acordo de uso e no registo do alvará de loteamento.

Pela nossa parte, a elaboração do Projecto de Lei nº 616/VII do PCP que altera a Lei nº 91/95, de 2 de Setembro, sobre as áreas urbanas de génese ilegal é o resultado de uma profunda reflexão baseada na análise de grande quantidade de casos concretos, com apreciação no local.

Baseia-se no respeito por três princípios fundamentais:

Foi amplamente discutido num encontro com algumas centenas de participantes, realizado na sala do Senado, que contou com representantes de Comissões de administração de AUGI's em várias fases do processo de reconversão, autarcas e técnicos especialistas em várias matérias que concorrem para a recuperação e legalização destas áreas.

Este encontro, permitiu juntar enormes contribuições positivas que legitimam e reforçam a justeza das soluções legislativas ora propostas.

A Associação nacional dos Municípios Portugueses, pelo seu lado, emitiu parecer favorável relativamente ao projecto-Lei que considera oportuno e importante, realçando inclusivamente a justeza de vários artigos do seu articulado.

Também o Senhor Provedor de Justiça procedendo a uma análise cuidada, face à inquestionável importância do problema, proferiu várias recomendações que o nosso projecto privilegiando o associativismo dos moradores não deixa de contemplar, permitindo a aplicação das principais recomendações efectuadas.

A importância deste assunto mereceu da parte do PS, depois do CDS/PP e finalmente do PSD, iniciativas legislativas que se vieram juntar à nossa. O empenho de todas as bancadas será certamente útil para encontrar uma lei consensual como foi a 91/95 e que com excepção do CDS/PP todos os restantes pretendem manter em vigor no essencial produzindo apenas alterações no articulado.

Independentemente da necessária discussão na especialidade que não cabe fazer neste momento há três questões de principio que distinguem o nosso projecto e que não queríamos deixar de referir.

Em primeiro lugar a recusa de soluções de aparência populista que implicariam anular directa ou indirectamente os Planos Municipais de Ordenamento do Território, não aplicar legislação que visa proteger o ambiente (como a REN), os solos de alto valor agrícola (RAN) ou mesmo a própria segurança das populações, (leitos de cheias, falhas sísmicas, etc.).

Estas soluções não conduziriam à defesa dos interesses das populações e em particular dos residentes nestas áreas que tem o objectivo e o direito de serem integradas nas zonas urbanas das cidades e usufruir dos equipamentos urbanos indispensáveis. Ao contrário seriam os defensores de interesses especulativos dos solos a beneficiar de um tal facilitismo de legalização de qualquer maneira e sem princípios.

Em segundo lugar recusamos atitudes de aparência simpática, mas no fundo eleitoralista de atirar para os Municípios responsabilidades que não lhes cabem nem têm em conta as suas atribuições e correspondente capacidades financeiras e de recursos humanos. Também as soluções que passam por normativos administrativos com recursos financeiros do Poder Central e ou do Poder Local já mostraram no passado que não são o caminho para resolver este urgente problema, muito menos são o caminho mais curto. As indispensáveis participações e comparticipações do Poder Central e das Autarquias não devem sobrepor-se nem condicionar a necessária intervenção empenhada dos proprietários e comproprietários, que estes 4 anos da Lei 91/95 já provaram ser determinantes.

Em terceiro lugar é necessário aligeirar formalidades burocráticas, estas sim impeditivas do andamento dos processos.

O projecto do CDS/PP, como o do PSD em menor escala não permitem soluções expeditas e desburocratizadas. Por outro lado o do PS é ainda tímido nesta matéria. Referimo-nos à aprovação de planos de pormenor com audiência prévia à decisão municipal ou dispensa de vistorias sem utilidade prática. Ao contrário reduzem poderes como o de embargo de obras ilegais, sem as formalidades usuais, indispensáveis ao correcto andamento destes processos que em muitas circunstâncias devem ser considerados excepcionais.

Também não aprofundam a clarificação dos processos de registo de alvará e de divisão da coisas comum, sendo um facto real a existência de largas dezenas de processos já aprovados, em longa espera nas conservatórias e nos notários devido a interpretações destas entidades que conduzem à impossibilidade prática e à incapacidade das instituições para executar os milhares de registos em simultâneo, quando nada obriga a que assim seja.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Uma adequada e ponderada alteração à lei 91/95 é não só necessária como indispensável.

Pela nossa parte, vamos dar a nossa melhor contribuição para uma profícua discussão na especialidade que conduza ao articulado que corresponda ao interesse, à necessidade e à urgência com que as populações; as autarquias locais e em particular os moradores destas áreas aguardam a revisão da lei.