Intervenção do Deputado
Lino de Carvalho
Declaração política sobre o Alqueva
2 de Maio de 2001
Sr. Presidente,
Senhores Deputados,
Alqueva é um investimento de interesse e utilidade pública estratégicos
para o Alentejo e para todo o País.
Empreendimento de fins múltiplos Alqueva deve constituir uma alavanca
de desenvolvimento para uma região que corresponde a um terço
do território nacional e que tem vindo a perder recursos humanos, num
acelerado processo de desertificação social, à média
de 10 habitantes por dia. Ao constituir-se como instrumento estratégico
de desenvolvimento e de criação de emprego Alqueva reúne
todas as condições para dar corpo a uma nova coesão e a
um novo reequilibrio no ordenamento territorial do País, para fazer diminuir
os processos migratórios, internos e externos, e com isto para, inclusivamente,
diminuir a pressão demográficas sobre as grandes áreas
metropolitanas, designadamente a Área Metropolitana de Lisboa.
Reserva estratégica de água, garantia de abastecimento regular
das populações, rega agrícola de 110.000 hectares transformando,
nesta área, uma pobre e não competitiva agricultura de sequeiro
extensivo numa nova agricultura de regadio, produção de energia
não poluente, promoção de um novo impulso nas actividades
turísticas e de lazer, espelho de água com uma superfície
de 250 kms quadrados, 83 Kms de comprimento e 1 100 Kms de margens, Alqueva
pode e deve contribuir, de forma decisiva, para retirar o Alentejo de uma situação
de progressiva desvitalização e envelhecimento, apesar do esforço
do poder local e de outras instituições regionais.
Se o Alentejo e os alentejanos necessitam de Alqueva também o País
beneficiará do incremento de crescimento, desenvolvimento e contribuição
para a produção de riqueza nacional que se deverá gerar
num terço do País.
É por isso que são cada vez menos compreensíveis as sucessivas
campanhas que têm tentado travar o passo ao Empreendimento.
Já não falo das campanhas geradas nos anos 50 quando, face ao
Plano de Rega do Alentejo, onde se inclui Alqueva, elaborado pelo Eng.º
Faria Ferreira e a sua equipa da então Direcção Geral dos
Recursos Hídricos, delegações dos grandes proprietários
alentejanos lideradas pelas respectivos Governadores Civis vieram a Lisboa falar
com o ditador e alertá-lo para os "graves e incontroláveis
perigos", para a propriedade latifundiária e sociais, que decorreriam
de um empreendimento desta natureza. Ou da suspensão, indefinições
e paralisações que, por razões políticas, a obra
sofreu desde a histórica decisão governamental de 1975 de dar
corpo ao Empreendimento e do início dos trabalhos em 1976. Se Alqueva
não tivesse sofrido os atrasos e as paralisações que sofreu
já hoje seria uma realidade e, obviamente, com políticas adequadas
o País já estaria a beneficiar da sua construção
e os alentejanos já teriam encontrado na sua região as condições
de emprego que evitariam a sua permanente migração.
Falo das múltiplas campanhas que certas organizações
têm vindo, agora, num último esforço, a desenvolver para
impedir que Alqueva se faça. Sucessivos argumentos têm sido agitados.
Primeiro, era o de que bastava uma rede de pequenas albufeiras. Demonstrado
que as pequenas e médias barragens não têm, cada uma delas,
por si só, capacidade de armazenamento de água para fazer face
a períodos prolongados de seca tornando-se necessário uma albufeira-mãe
com maior capacidade de retenção que através de um sistema
de canais adutores compense os anos de fraca ou nula hidraulicidade a campanha
passou a um segundo argumento. O de que não haveria água para
encher tão grande albufeira. Rapidamente este argumento foi desmentido
pela própria realidade. Dois ou três anos de chuvas como os que
temos vivido são suficientes para a encher. Terceiro argumento: a qualidade
das águas que viriam de Espanha, o que sendo uma preocupação
justa não pode deixar de ter presente as disposições contidas
no Convénio Luso-Espanhol de 1998 e que o Governo e a delegação
portuguesa à Comissão criada devem fazer cumprir. Quarto argumento:
o desaparecimento de certas espécies da fauna e da flora alentejana,
omitindo que qualquer intervenção do Homem sobre a natureza tem
sempre consequências desse tipo e que o que interessa aí avaliar
é o balanço global dos impactes ambientais, que de acordo com
o Estudo Integrado de Impacte Ambiental realizado é positivo tanto ao
nível das espécies vegetais e animais como ao nível da
redução das amplitudes térmicas, da melhoria dos factores
que têm levado à desertificação e erosão dos
solos, à melhoria dos lençóis de água subterrâneos
devido ao seu recarregamento, à garantia de caudais ecológicos,
etc. Depois veio a campanha contra o corte de árvores na zona do regolfo
esquecendo que a limpeza do terreno é condição necessária
para defender a qualidade da àgua e que o que aqui se impõe é
a assumpção de uma efectiva política de reflorestação.
Temos agora a questão da cota. E de cota em cota fixaram-se certas
organizações na defesa de uma cota ao nível 139, o que,
aliás, não sendo suficiente para impedir a inundação
da Aldeia da Luz e da fábrica da Portucel de Mourão seria suficiente
para inviabilizar o Emprendimento como instrumento estratégico de desenvolvimento
de fins múltiplos e como reserva estratégica de água. É
que ao contrário do que alguns pretendem fazer crer reduzir a obra da
cota 152 para a cota 139 não é só reduzir em 13 metros
a altura da parede da barragem. É, pela redução da zona
de maior capacidade de armazenagem (o cimo da taça), e como algumas das
próprias ONG's reconhecem, diminuir em mais de 45% a capacidade de armazenagem
de àgua, a metade a área de rega, em 25% a diminuição
da valia eléctrica. Isto é o Alqueva transformar-se-ia num Alquevinha
e perdia-se a sua função estratégica. Seria quase mais
uma albufeira a juntar às já existentes.
Finalmente, as gravuras rupestres do período neolítico recentemente
descobertas do lado português. E, embora os únicos especialistas
nesta matéria, os arqueólogos, tenham reagido de forma extremamente
equilibrada e prudente, defendendo a importância do achado mas reconhecendo
que não têm a importância das figuras do paleolítico
em Foz Côa - tal como o Empreendimento de Alqueva tem uma valia estratégica
incomparável - logo as mesmas organizações vieram a terreiro,
aproveitando o pretexto para de novo reclamar a suspensão das obras ou,
até, o fim do projecto.
Para nós, PCP, o caminho é claro: tendo sempre presente a importância
estratégica de Alqueva para o desenvolvimento do Alentejo e do País
e tendo igualmente presente que os impactes positivos compensam os negativos,
defendemos, em todo o caso, que se continue a trabalhar para reduzir ao mínimo
os impactes negativos (a forma como se tem avançado, por exemplo, na
nova Aldeia da Luz, sem paralelo em qualquer outra obra realizada no País
é, seguramente, digna de registo) e que prossiga o importante trabalho
já realizado de levantamento, identificação e recuperação
do património arqueológico. Quanto às gravuras rupestres
há que fazer rapidamente o seu levantamento e deverão encontrar-se
as soluções técnicas que permitam a sua salvaguarda (como
o decalque e respectiva musealização) mas sem suspender, atrasar
ou, por maioria de razão, travar o Empreendimento.
Mas, permitam-me que o confesse. Em todo esta polémica há algo
que me choca. É que, nos argumentos aduzidos, nunca se fala no Homem
e na Mulher alentejana, no seu direito ao desenvolvimento e ao emprego que é
suposto Alqueva vir a proporcionar e que, no fundo, deve ser o centro e o objecto
de qualquer política ambiental. Deixar o Alentejo como está como
já ouvi reclamar é deixar o Alentejo como um eco-museu. Mas os
alentejanos não querem seguramente ser reduzidos à condição
de figuras de museu ou de reserva ecológica. E para isso é necessário
que Alqueva se construa !
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Não basta contudo que Alqueva se construa, sem mais atrasos. É
necessário que o Governo abandone uma postura de falta de empenhamento,
de vontade e de coordenação para que o Empreendimento, em todas
as suas valias, corresponda às expectativas que o País nele deposita
e ao investimento público de mais de 350 milhões de contos que
representa.
É incompreensível o atraso em que se encontram a elaboração
do Plano Regional de Ordenamento da Zona Envolvente da Albufeira (PROZEA) e
do Plano de Ordenamento da Albufeira (POA), instrumentos decisivos para se saber
o que se pode e onde se pode construir, designadamente para fins turísticos.
Quanto mais se atrasa a elaboração e aprovação dos
Planos de Ordenamento maiores são as pressões para que a valia
turística e, em especial, os projectos de campos de golfe e outros assumam
uma importância no conjunto das valias que seguramente desvirtuariam os
fins do Empreendimento. Temos, aliás, razões para temer, que seja
exactamente por isso que os Planos estão atrasados, no segredo dos deuses,
sem debate público e que cedências aos interesses agro-turísticos
estejam a ser negociados. Como é inaceitável que a Comissão
de Acompanhamento não reuna regularmente.
Também nos interrogamos das razões porque, cedendo a certas
pressões, um dos Ministros que tutela o sector, o Ministro José
Sócrates, tenha decidido adiar por um ano a desmatagem acima da cota
139. Mesmo que tecnicamente esta decisão não tenha, eventualmente,
consequências de maior a pergunta a que o Governo deve responder é
quanto custa aos cofres públicos este adiamento que implica suspender
a sequência dos trabalhos de desflorestação encomendados
e programados? Qual é o valor da indemnização que o Estado
vai ter de pagar ?
É incompreensível o atraso e a indefinição quanto
ao futuro da nova fábrica da Portucel em Mourão e o futuro e garantia
de salários aos trabalhadores.
É inaceitável que a sete meses do início do encerramento
das comportas (se não houver mais atrasos) a estratégica valia
agrícola continue mergulhada num mar de indefinições. Que
solução para a magna questão fundiária ou o Governo
prepara-se para entregar as mais valias deste vultuoso investimento público
nas mãos dos proprietários que por sorte e sem terem investido
um tostão de seu vêem o valor das suas terras multiplicado por
dez ? A anunciada venda já realizada de 10% da área a beneficiar
a interesses agro-alimentares espanhóis é já um dado de
facto que o Governo não pode ignorar e que demonstra que a questão
não pode ser deixada exclusivamente nas mãos do mercado e da tributação
das mais-valias. De que forma se vão mobilizar novos recursos humanos
para a região ligados ou a ligar à actividade agrícola
? Qual vai ser o novo ordenamento agrícola e que negociações
estão em curso com a Comissão Europeia para superar os constrangimentos
decorrentes da PAC ? E que opções para os restantes 1,8 milhões
de hectares fora dos perímetros de rega ? O que está a ser feito
em matéria de organização do escoamento das produções
agrícolas que vão nascer com Alqueva ? Qual o preço da
água para os agricultores de molde a não inviabilizar as explorações
e tendo presente não só uma justa repartição de
custos com a EDP como o princípio de que não deve haver repercussão
dos custos das infraestruturas primárias de armazenamento e condução
da água nem os custos das elevações primárias ?
Que investigação-experimentação está a ser
feita com os agricultores ? E que formação, que permita a passagem
para uma cultura de produção e gestão em regadio ? E que
medidas para a instalação de agro-indústrias ?
Tudo isto está ou em regime de confidencialidade, ou indefinido ou
pura e simplesmente parado. A passividade, falta de articulação
e de um decidido empenhamento global do Governo num processo dos mais complexos,
senão o mais complexo, da história da construção
de um Empreendimento desta natureza em toda a Europa é mais que evidente
e pode pôr em causa o pleno aproveitamento dos frutos de Alqueva. Isto
não vai, senhores deputados, com o acenar de velhos fantasmas ou boutades
fundamentalistas cheias de preconceitos do Ministro da Agricultura e de certos
dirigentes socialistas. Isto vai com seriedade e profissionalismo, Senhor Primeiro-ministro.
Da nossa parte, PCP, estamos a dar um relevantíssimo contributo para
a solução de algumas destas questões, não só
com o Projecto de Lei que recentemente entregámos e que será oportunamente
alvo de agendamento como pelo movimento de opinião e debates públicos
em que estamos a participar, nuns casos, e a animar, noutros. O nosso desafio
é que o Governo e o PS afrontem as questões e se juntem a nós
na necessária reflexão e na apresentação de soluções
alternativas para as reais questões que estão em cima da mesa.
Qualquer novo atraso ou indefinição na obra só servem,
aliás, para alimentar especulações ou alarmismos quanto
aos objectivos do projecto.
Qualquer preconceito em atacar questões que sendo sensíveis
são decisivas só se traduzirá em que a obra em vez de beneficiar
todos só beneficie alguns frustrando as expectativas dos alentejanos
e do País.
Mas que ninguém tenha ilusões. O PCP foi, é e será
favorável ao Empreendimento. O que somos é fortemente críticos
em relação à forma como o Governo tem vindo a conduzir
todo este processo. Uma questão e outra não podem ser confundidas.
Alqueva é a realização de um sonho secular: armazenar a água do grande rio do Sul que hoje se perde no Oceano, fazendo dele um instrumento de desenvolvimento e de ordenamento do Alentejo e do País, de criação de emprego, de melhoria das condições de vida para todos, de justiça social que "contribua para eliminar injustiças antigas". È para isso que gerações de alentejanos lutaram. É isso que o Alentejo e o País esperam de Alqueva. É a essa exigência que o Governo não se pode eximir e tem de responder.
(...)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados
Agradeço os três pedidos de esclarecimento e a forma como eles foram colocados e vou tentar, por uma questão de tempo, responder em conjunto, referindo duas ou três questões que para nós são fundamentais e que importa realçar neste momento.
A primeira é que é preciso distinguir, neste debate que está em cima da mesa sobre Alqueva, entre o projecto e a sua importância estratégica e as dúvidas, que são legítimas em muitos casos, e as críticas em relação às indefinições e aos atrasos do Governo, que temos lançado.
Nós não confundimos uma questão com a outra. O que dizemos é que o projecto, sendo um instrumento e uma alavanca estratégica de desenvolvimento, pode, eventualmente, vir a ver frustrados os seus objectivos se se prolongarem os atrasos, as indefinições e até, como disse na minha intervenção, o secretismo do Governo em muitas matérias.
Estamos com o empreendimento, que é, sem dúvida, dos mais complexos da Europa ao nível da gestão. Isto implicaria uma coordenação e uma articulação entre os vários ministros e uma intervenção do Governo no terreno longe daquela que nós temos visto.
E, nesse sentido, há, naturalmente, dúvidas, que todos nós temos, umas legítimas e outras, porventura, que têm servido como pretexto para as campanhas contra o empreendimento.
Quanto ao problema da desflorestação, é evidente para qualquer leigo que a desflorestação daquela área tem de ser feita, até por razões de garantia da qualidade da água. O problema está, como o Sr. Deputado disse - e bem! -, na forma como se aproveitam os produtos dessa desflorestação. E aqui está uma oportunidade para empreender uma iniciativa forte no capítulo de energias alternativas e também num programa de reflorestação, onde ela possa ter lugar.
No que se refere ao problema das gravuras, elas já eram conhecidas há mais tempo - aliás, do lado espanhol são conhecidas desde Novembro de 1999. De facto, tem sido feito, devemos reconhecê-lo, um importante trabalho de levantamento e de recuperação arqueológica. Agora, o que é preciso é fazer o levantamento imediato das gravuras, da sua importância - os arqueólogos, aliás, já se pronunciaram, a partir da delegação que lá foi ontem - e fazer a sua salvaguarda, mas de modo a compatibilizá-las com a construção do empreendimento e com a manutenção dos prazos e dos calendários para que o empreendimento vá para a frente.
Sr.ª Deputada Maria do Céu Ramos, a questão é esta, para nós: todos estamos de acordo em que o empreendimento é necessário, mas todos também estaremos de acordo em que ainda há muita coisa para discutir, há muita coisa para clarificar e há muito atraso e indefinição da parte do Governo.
Da nossa parte, Srs. Deputados, especialmente Srs. Deputados do Partido Socialista, estamos a dar um contributo relevante a este processo: entregámos na Mesa um projecto de lei, animámos e estamos a animar debates sobre esta matéria e estamos a animar a necessidade de se fazer uma reflexão global sobre isto.
Poderá haver desacordos em relação a algumas das soluções que propomos, admitimos isso, mas pedimos que sejam apresentadas soluções alternativas e que particularmente o PS e o Governo connosco intervenham neste debate, nesta reflexão e na apresentação de soluções, de modo a fazer do empreendimento um grande instrumento de desenvolvimento da região e um grande contributo para o País, não fazer dele uma obra que possa, eventualmente, vir a frustar as expectativas e a dar razões àqueles que se opõem ao empreendimento.
Este é o nosso desafio ao Governo, este é o nosso desafio ao
Partido Socialista. Esperemos que nos respondam não com boutades, não
com preconceitos, não com fundamentalismos, não com fantasmas
mas, sim, com debate concreto, com a apresentação de alternativas,
juntando-se a nós neste debate, nesta reflexão necessária,
para fazer de Alqueva o instrumento de desenvolvimento pelo qual, desde sempre,
os alentejanos, em particular, e o PCP se têm batido.