Debate do Orçamento de Estado para 1997 na Assembleia
da República
Intervenção do Deputado Lino de Carvalho
14 de Novembro de 1996
Um dos problemas mais graves que se colocam ao País, a par do desemprego, é a do desequilíbrio do território, é a da ausência de políticas e de instrumentos que garantam o ordenamento desse mesmo território, que combatam o despovoamento e a desertificação do interior impedindo o excesso de migração para o litoral e para as grandes áreas metropolitanas onde se acumulam a pobreza, a exclusão social, e a insegurança, e a necessidade de políticas de investimento público reforçadas e de condições para a mobilização do investimento privado nas zonas e regiões mais carenciadas.
Recentemente foi tornado público um Relatório da União Europeia sobre a coesão económica e social. E aí confirma-se o que há muito, em Portugal, o PCP vinha alertando. É que ao contrário das promessas feitas e dos novos paraísos diariamente anunciados tem-se agravado o fosso entre as regiões mais e menos desenvolvidas, têm crescido os desequilíbrios regionais. No nosso País, isto é particularmente verdade para o Alentejo.
Nestas condições o mínimo que se exigiria é que no quadro de uma apregoada nova política o Governo trabalhasse para inverter esta situação, através da reorientação dos programas e meios comunitários, da reorientação do investimento público ao nível do Orçamento de Estado, da criação de sistemas de incentivos novos destinados a mobilizar o investimento para as regiões mais dele necessitadas.
Eu sei que, em teoria, o Governo e em particular o Ministro João Cravinho, faz deste tema politicamente correcto o seu livro de cabeceira. Mas infelizmente não passa disso mesmo. De um livro de cabeceira para ajudar a adormecer consciências inquietas. Porque na prática, os critérios e sistemas de incentivos atrativos do investimento não foram alterados e os sistemas de incentivos, seja à actividade produtiva seja ao desenvolvimento regional, continuam a não estar adequados nem às prioridades políticas nem às necessidades do País nem à estrutura social e empresarial, continuando a não haver qualquer coerência entre os sistemas de incentivos e as políticas de isenções ou estímulo fiscais e o próprio sistema bancário.
Por sua vez os programas comunitários não foram reorientados apesar das promessas mil vezes repetidas do Engº Guterres.
Aliás continuamos à espera que o Governo entregue o balanço da distribuição regional e sectorial dos programas comunitários tal como o Sr. Ministro João Cravinho se comprometeu na Comissão de Economia. Por isto tudo, não é de estranhar que o investimento produtivo no nterior do País seja residual e, pelo contrário, continue a ser preferencialmente encaminhado para as zonas já saturadas; que as pequenas e médias empresas continuem em grande parte excluídas ou com enormes dificuldades de acesso a apoios ao investimento, que menos de 10% dos agricultores portugueses é que beneficiem dos programas comunitários e nacionais.
Poder-se-ia esperar que o PIDDAC cuja importância não é pequena (representando 5,5% do PIB e 20% da FBCF) total do País contribuísse fortemente para corrigir os desequilíbrios regionais e constituísse uma alavanca para o investimento produtivo em sectores estratégicos ou fragilizados como são, por exemplo, a agricultura, as pescas ou o turismo.
Infelizmente não é isso que acontece. Do ponto de vista da distribuição regional aos oito distritos do interior País (Beja, Bragança, Castelo Branco, Évora, Guarda, Portalegre, Vila Real e Viseu) é afectado somente 8,8% do total nacional do investimento público sendo que mesmo nos restantes distritos os grandes investimentos são orientados sobretudo para o litoral (como é, por exemplo, o caso do Algarve ou de Coimbra).
Aos cinco distritos a Norte do Douro (Braga, Bragança, Porto, Vila Real e Viana do Castelo) é reservado um investimento público que é inferior a 10% do total nacional.
Os três Distritos do Alentejo têm afectado uma percentagem ridícula do investimento público, 2,4%, inferior mesmo ao último orçamento do PSD. Mas mais escandaloso é que enquanto que para Beja, Évora e Portalegre a totalidade do investimento previsto é somente de 22 milhões de contos o Governo disponibiliza 60 milhões de contos para meia dúzia de famílias de grandes agrários, de grandes proprietários fundiários alentejanos.
Onde está, nesta breve viagem que fizemos pelo PIDDAC, a consciência da necessidade de reduzir os desequilíbrios regionais, Senhor Primeiro Ministro? Onde está a consciência social, Senhor Engº António Guterres?
Não menos significativo, Senhores Deputados, é a análise do tipo de projectos financiados em PIDDAC. O que se verifica é que, sobretudo (mas não só) nos Distritos onde o PS tem a ambição de ganhar eleições autárquicas há uma multiplicação como cogumelos de pequenas dotações de 1.000, 2.000 e 5.000 contos espalhados por tudo quanto é concelho ou freguesia e alegadamente dirigidos a Centros de Dia e Lares para Idosos, Escolas e Parques Escolares, Centros de Saúde ou Esquadras da PSP. Dois exemplos: no Distrito de Setúbal, 1/4 dos projectos têm verbas que vão de 1.000 a 5.000 contos e no Alentejo essa percentagem é de 1/3. Não é um programa de investimentos mas um programa de donativos para ano eleitoral. É que por coincidência - mas seguramente só por coincidência - 1997 é ano de eleições autárquicas. E este tipo de dotações é o ideal para permitir que Governadores Civis, Secretários de Estado e Ministros vão esvoaçando de terra em terra a distribuir cheques para conforto das almas e descanso dos votos. Não é verdade, Senhor Primeiro Ministro?
Senhor Presidente, Senhores Deputados, O Orçamento é também um orçamento de desaceleração do apoio a áreas económicas essenciais, sem qualquer correspondência, em inúmeros casos, entre as dotações orçamentais e as piedosas declarações de intenções nas GOP's como aliás a própria Comissão de Economia, com o voto favorável do PS, reconhece no seu relatório.
Cito três áreas:
Na agricultura, onde o Governo defende uma ainda maior restrição no acesso da maioria dos agricultores aos sistemas de apoios existentes e onde a agricultura familiar é de novo secundarizada as GOP's defendem orientações, a que chama de essenciais, para o sector florestal, para a expansão e melhoria do regadio e para a comercialização, entre outras. Mas no Orçamento todos estes sectores vêem fortemente reduzidas as suas dotações. A um Orçamento que desce cerca de 15% em termos reais o Governo responde exigindo um maior esforço financeiro aos agricultores portugueses. O aumento, entre 1996 e 1997, das receitas próprias do Ministério de 19,3% para 37% significa que são os agricultores portugueses que através do pagamento de taxas passam a financiar, em mais de 1/3, o orçamento do Ministério da Agricultura enquanto descem as transferências comunitárias e o esforço do Estado português em cerca de 20 pontos percentuais. É inaceitável.
Nas pescas repete-se a quebra do investimento público, designadamente em programas enunciados nas GOP's como estratégicos, como as ajudas ao funcionamento das organizações de produtores, os apoios à constituição de sociedades mistas ou a transformação e comercialização dos produtos da pesca.
No turismo há também uma quebra geral das dotações orçamentais desde a formação à promoção e ao funcionamento das instituições ligadas ao sector apesar de também aqui as GOP's sublinharem a importância da "natural vocação turística" do País.
Acredito que em 1997, ano das eleições autárquicas, o Governo tenha muitos pequenos cheques para distribuir pelo País.
O que não acredito - e os senhores seguramente também não - é que este orçamento desse novo deus que é a moeda única seja o orçamento do desenvolvimento, do ordenamento do território, da correcção dos desequilíbrios regionais, do estímulo às actividades produtivas do emprego.
Ganhará o "euro" e o ego do Governo. Mas perdem seguramente, Portugal e os portugueses.