Debate do Orçamento de Estado para 1997 na Assembleia da República
Intervenção (encerramento do Debate) do Deputado Carlos Carvalhas
15 de Novembro de 1996

 

Chegados ao momento da votação, na generalidade, do Orçamento do Estado para 1997, o Governo tem razões para se sentir satisfeito, como daqui a pouco o mostrará o senhor Primeiro-Ministro.

Não porque o Governo e o PS tenham conseguido convencer quem quer que seja da bondade do seu Orçamento. Pois o melhor que conseguiram durante o debate foi considerar que os critérios de Maastricht, o euro-marco e a batuta do Bundesbank, representarão, nada mais nada menos, que "um regresso aos melhores tempos da história pátria"... A satisfação do Governo resulta apenas da garantia que tem de que o mau Orçamento que apresentou será viabilizado pelo PSD.

PSD cuja grande preocupação em todo o debate foi o de "provocar", ou melhor, de solicitar ao Primeiro-Ministro que dissesse publicamente que identificava a votação do Orçamento com a votação de uma moção de confiança virtual. Solicitação repetida até à exaustão com um único objectivo: o de procurar uma bóia de apoio que lhe permitisse "justificar" o seu voto de viabilização do Orçamento com um pretenso auto-sacrifício pela "estabilidade política". Para assim poder mistificar que a opção de voto do PSD assenta, de facto, na sua concordância essencial com as opções políticas e orçamentais do Governo do PS. E, fundamentalmente, com a orientação orçamental determinante de sacrificar a economia e a sociedade portuguesas ao "bezerro de ouro" da moeda única.

Tal como, por razões paralelas, a grande preocupação manifestada pelo CDS/PP, que no Orçamento anterior serviu de muleta ao Governo, foi o facto de não ter sido o senhor Primeiro-Ministro a abrir o debate orçamental. Quando não existem razões substantivas de oposição, que o discurso anti-Maastricht ditado exclusivamente por um nacionalismo serôdio não esconde, há que tentar salvar as aparências com meras questões formais...

O Governo verá o seu Orçamento viabilizado na Assembleia da República. E com isso se dará por satisfeito. A satisfação de uma vitória de Pirro.

De facto, senhor Primeiro-Ministro, o que é que este Orçamento diz aos trabalhadores, aos reformados, aos jovens e às mulheres quanto aos seus problemas aspirações e anseios?

O Governo sabe que este é um Orçamento que em vez de relançar a economia e o investimento vai travar a taxa de crescimento económico ao nosso alcance, criar mais dificuldades ao sector produtivo e agravar a situação de milhares e milhares de famílias.

O Governo sabe que por cada ponto que se perde no crescimento do Produto Interno Bruto, alarga-se o fosso entre o nosso desenvolvimento e o da média da União Europeia, sendo milhares os postos de trabalho que se deixam de criar.

Tudo pequenas bagatelas para um Governo que julga que muda a realidade, ou disfarça a natureza do seu Orçamento apelidando-o, para efeitos de propaganda, como de "rigor com preocupações sociais".

De rigor, com preocupações sociais, senhor Primeiro Ministro e senhor Ministro das Finanças? De rigor, quando o Governo aumenta em mais de 50% a verba para o estabelecimento de contratos programa com as autarquias, que são autênticos sacos azuis para os seus membros utilizarem em campanha eleitoral autárquica?

De justiça social, quando o Governo aumenta as pensões, mínima e social, nas "fabulosas" quantias de 37$00 e 34$00 por dia respectivamente, depois de ter aumentado os preços dos medicamentos em 8%?

Não, senhor Primeiro-Ministro.

Não há preocupação social, mas preocupação com os grandes senhores do dinheiro, quando se congelam os vencimentos dos trabalhadores da Função Pública e quando se pretende, como orientação geral, o congelamento ou a redução dos débeis níveis salariais dos trabalhadores portugueses. E, ao mesmo tempo, se dá, no essencial ao capital financeiro, 190 milhões de contos em benefícios fiscais.

Não há preocupação social quando um Governo diz que não há dinheiro para os reformados mas tem 60 milhões de contos para dar aos grandes agrários. Os "sem-terra" não existem somente no Brasil e nas Telenovelas. Os "sem-terra" estão também aqui, na zona do latifúndio, e a esses, com a sua política, o senhor Primeiro Ministro está a condená-los à pobreza, ao desemprego e à emigração. Depois de lhes ter prometido, quando estava na oposição, emprego, melhores reformas e um programa de emergência.

Não há preocupação social quando por um lado se propõe a redução da taxa do imposto sobre os lucros, ao mesmo tempo que se mantêm inalteradas as taxas do imposto sobre os rendimentos dos trabalhadores. Não é com actualizações ligeiramente acima da inflação das deduções à colecta e do primeiro escalão do IRS, que se pode reclamar de ter preocupação social, quando na verdade ninguém passa a pagar menos impostos nem melhora o seu rendimento disponível.

O senhor Primeiro Ministro e o senhor Ministro das Finanças não conseguem disfarçar que este é um Orçamento que inclusivamente desacelera o apoio a áreas sociais e económicas essenciais, expresso, por exemplo, na clara insuficiência de dotações para o ensino superior público, a demonstrar mais uma vez a grande paixão do PS pela Educação.

A "grande paixão" em que o Ministro da Educação não hesita em tentar dividir os estudantes com alterações à lei de bases do sistema educativo. O senhor Ministro é o responsável pela instabilidade que se está a verificar no ensino. Porque se tem recusado a dialogar com estudantes e professores. A resposta dos estudantes tem sido uma resposta com grande maturidade. É tempo de o Governo perceber que a juventude não aceita o "quero, posso e mando" e a degradação do ensino público.

Com este orçamento, que mantém as traves mestras dos Orçamentos do cavaquismo, a navegar com a bandeira de Maastricht em vez de navegar com a bandeira dos interesses nacionais, o desemprego, o trabalho precário e as bolsas de pobreza, vão continuar a aumentar, como vão continuar a agravar-se a distribuição do rendimento nacional e a injustiça social.

Senhor Primeiro-Ministro,

Dantes, quando V. Exa. era oposição, as pessoas estavam primeiro. Agora, primeiro estão os critérios de Maastricht e a política de concentração da riqueza.

Dantes os portugueses não eram números, agora são zeros na marcha forçada para a Moeda Única.

Dantes ainda manifestava preocupações sobre a transparência das privatizações, hoje vale tudo e tudo se privatiza, mesmo as estradas, para que se atinja o critério da dívida pública...

Dantes a primeira prioridade era o desemprego, a segurança a grande preocupação e a droga o inimigo público número um ... Hoje quando o desemprego continua a aumentar, quando a insegurança é a regra e quando a droga continua a ser vendida à luz do dia em autênticos hipermercados citadinos, a prioridade passou a ser a propaganda política, a utilização do aparelho do Estado ao serviço dos interesses do partido do Governo, o reforço das CCR's e dessas figuras ímpares da democracia portuguesa que são os governadores civis !

Que diferença entre o PS da oposição e o PS do Governo.

Que diferença entre as promessas e as realizações.

Até a arrogância, antes tão prontamente criticada, já tem os seus afloramentos em várias afirmações, como aquela de que " não admitiremos alterações ao Orçamento "...

O País precisava de mais humildade por parte do Governo. E precisava, sobretudo, de uma política que promovesse o desenvolvimento económico, que estimulasse o investimento, que incentivasse e defendesse a produção nacional, que melhorasse o nível e qualidade de vida das populações e que, com medidas concretas, desse combate efectivo ao desemprego e ao trabalho precário.

De uma política que defendesse na União Europeia os interesses nacionais e que se batesse pela prioridade primeira da concretização do princípio da coesão económica e social.

De facto, senhor Primeiro-Ministro e senhor Ministro do Equipamento: Portugal não é nem uma colónia dos EUA, nem uma colónia de Bruxelas, nem uma semi-colónia da Alemanha. E isto tanto em relação ao Alqueva como em relação a Timor, como em relação à política de Defesa, aos têxteis, à reforma da PAC, ao direito de veto e a qualquer outra questão de interesse nacional.

Senhor Primeiro-Ministro,

O seu Governo sabe que pode contar com o PSD, e se necessário mais uma vez com o CDS/PP, para lhe viabilizarem o seu Orçamento. Mas o seu Governo sabe igualmente que este Orçamento contraria a viabilização de um futuro melhor para a economia e a sociedade portuguesas. E o senhor Primeiro-Ministro sabe, de ciência certa, que entre a viabilização de um Orçamento, ou mesmo de um Governo, e a viabilização do futuro das portuguesas e dos portugueses, o PCP nem por um momento vacila na sua opção. Por isso votamos contra o Orçamento do Estado para 1997.