Debate do Orçamento de Estado para 1997 na Assembleia da República
Intervenção do Deputado Bernardino Soares
14 de Novembro de 1996

 

Ouvimos ontem o Senhor Ministro das Finanças dizer que este é um Orçamento fundamental para o Governo. É o Orçamento em que se assumem as verdadeiras prioridades do Partido Socialista e se relegam para segundo ou terceiro plano áreas de importância fundamental para os portugueses.

Ouvimos também, o Governo e o Partido Socialista a falar da moeda única como panaceia para todos os males, como seguro do nosso futuro e garantia do nosso desenvolvimento.

Repetem insistentemente a teoria do Orçamento com consciência social, que não resiste a uma análise concreta dos factos e dos números apresentados.

Vejamos, por exemplo, a Educação. Esta era uma das prioridades anunciadas por este Governo, o que não impediu que a concretização prática deste discurso ficasse muito aquém das expectativas e das necessidades do País. Denunciámos, no ano passado, a completa insuficiência do investimento em educação apresentado, que chegava em algumas áreas a decréscimos de mais de 30% da taxa de investimento.

E repare-se que a comparação estava à partida condicionada pelo facto de os números do PSD, no Orçamento de 1995, serem claramente insuficientes, como então denunciámos, tal como o fez o Partido Socialista.

Mas, é o mesmo Partido Socialista que continua a não dar a áreas essenciais da educação a atenção de que necessitam.

Senão vejamos alguns exemplos, como o crescimento nulo do investimento na Educação Especial, como o da exiguidade da verba para a construção de pavilhões escolares, ou como o insignificante crescimento do investimento em Acção Social Escolar.

No que diz respeito a pavilhões escolares, é conhecido o incumprimento dos protocolos realizados pelo Estado com as autarquias locais, estando muitos dos pavilhões prometidos por construir, impossibilitando uma prática normal do desporto nas escolas, num País em que os portugueses não têm acesso à prática desportiva e que não tem as infraestruturas desportivas necessárias.

Mas, vejamos também o que diz respeito à Acção Social Escolar. Parece inegável que esta é uma área em que, nomeadamente no que diz respeito ao Ensino Superior, há gritantes carências, especialmente ao nível das infraestruturas de apoio.

Pois, face a isto, o Governo propõe um aumento de 1,8%. E se a isto juntarmos que no Orçamento anterior houve uma quebra de 37% no investimento nesta área, então concluímos que, a este ritmo, só daqui a 20 anos recuperaremos a quebra de 1996.

Falta apenas contabilizar o efeito desta política. Falta saber quantos estudantes não frequentarão o Ensino Superior porque não terão lugar em residências, quantos terão de arrendar quartos a preços proibitivos, quantos não terão cantinas de qualidade, enfim, quantos não terão as infraestruturas necessárias para garantir a frequência do Ensino Superior.

Falemos agora da Saúde. E sem esquecer a importância que este sector tem na vida de milhares de portugueses, nem a crónica situação de subfinanciamento que ao longo dos anos o Serviço Nacional de Saúde tem vivido.

Hoje, como antes, continuam generalizadas as listas de espera, a falta de pessoal médico, de enfermagem e outro, a deficiente rede de cuidados primários, o elevado preço dos medicamentos, em parte aumentados há bem pouco tempo e logo em 8%.

Este é o panorama a que é preciso dar resposta.

Face a tudo isto o que propõe o Governo?

Em relação ao Serviço Nacional de Saúde propõe-se um aumento de 0,8%, o que na prática se traduz uma clara diminuição dos recursos postos à disposição do SNS.

E se tivermos em conta que a previsão para 96 foi largamente ultrapassada pela despesa realizada fica claro que isto se traduzirá em mais uma machadada na garantia do acesso aos cuidados de saúde e no Serviço Nacional de Saúde.

Pergunto ao Governo se já contabilizou quanto vão aumentar as listas de espera, quantos equipamentos ficarão sem funcionar, quantas necessidades de pessoal ficarão por preencher?

Mas o Orçamento da Saúde reserva-nos outras surpresas.

Quanto à dívida acumulada pela área da Saúde a evolução é no mínimo desastrosa. É que, com a assunção de mais de 30 milhões de contos de dívida no Orçamento de 1996, o Governo e o Ministério da Saúde puderam começar o ano com 67 milhões de contos de dívida. No entanto, e apesar de tanto afirmarem a sua certeza de contenção das despesas, conseguem a proeza, digna de qualquer livro de recordes, de chegar ao final do ano com 130 milhões de contos de dívida, isto é, duplica um ano a dívida pública nesta área.

Mais ainda, prevê-se para 1997 um aumento para 165 milhões, continuando a evolução de 1996.

Perguntarão alguns como é possível não aumentar os recursos do Serviço Nacional de Saúde e continuar a aumentar a dívida. Mas se constatarmos que 1996 o atraso médio de pagamento foi de cerca de 4 meses, em 1997 o aumento previsto rondará já os 5 meses, alguma coisa fica explicada. Muito habilidoso, sem dúvida!

Quanto aos investimentos continua a dar-se relativamente pouca importância à rede de cuidados primários de saúde, prioridade apregoada desde sempre e que, a ser verdadeira, contaria obviamente com o nosso apoio.

E que alternativas nos propõe o Governo. Começam a vislumbrar-se soluções pouco viradas para uma correcta política de saúde. Pretendem rever as comparticipações indiciando um caminho no sentido da sua limitação, para poupar aí dinheiro; apostam, por outro lado, numa linha de progressiva exclusão de uma boa parte dos utentes do Serviço Nacional de Saúde, esquecendo que a Constituição prevê um SNS universal.

Esta apreciação não ficaria completa se não falássemos em política de juventude. É certo que pela mera análise do Orçamento da Secretaria de Estado da Juventude não teríamos a visão global da situação nesta área.

É sem dúvida, inegável que a política global deste Governo tem consequências desastrosas para os jovens portugueses. O frenesim monetarista lança para o desemprego milhares de jovens, impede outros tantos de ingressarem no mercado de trabalho, deixa quase todos em situação laboral precária.

Os jovens portugueses continuam a ter difícil acesso à habitação, ao desporto, aos tempos livres e ao lazer. Continuam a pagar a elitização da educação e ter crescentes obstáculos para a ela acederem.

Quanto à Secretaria de Estado da Juventude, o PCP bateu-se desde sempre nesta Assembleia por uma questão fundamental: o apoio ao associativismo como principal prioridade do Governo nesta área.

O Partido Socialista, na oposição sempre secundou esta perspectiva, embora no Governo não a tenha implantado. Aliás, comparando o Orçamento de 96 com a proposta para 1997, chegamos à curiosa conclusão que diminui a parcela do apoio ao associativismo.

Continua o peso predominante dos programas do IPJ em relação ao apoio ao associativismo, denunciando o desinteresse pelo estímulo à participação dos jovens na sociedade.

Onde está a concretização das palavras e dos discursos sobre a juventude?

O que se continua a oferecer aos jovens é a crescente falta de perspectivas.

Senão vejamos o que se passa com o combate à toxicodependência.

Nem vou falar na ridícula execução de 10% do já de si exíguo PIDDAC de 1996 nesta matéria.

Mas nesta proposta pouco se avança em necessidades prementes, como comunidades terapêuticas e unidades de desintoxicação, numa perspectiva de cobertura nacional.

Apesar de no seu Programa prever expressamente a gratuitidade do tratamento de toxicodependentes, a verdade é que o Governo, com este Orçamento se alheia do cumprimento desse objectivo, investindo muito pouco na criação de unidades públicas destinadas à desintoxicação, obrigando a maioria dos toxicodependentes a recorrer, se puderem, a instituições privadas com preços proibitivos e que não passam em muitos casos de autênticas fraudes.

Em relação ao Projecto Vida, beneficia de um aumento diminuto de 20 mil contos, mas a sua remodelação aponta para um peso muito maior da estrutura sendo difícil vislumbrar por aqui um aumento de intervenção real.

Em suma, se duvidas houvesse sobre as prioridades deste Governo, elas seriam dissipadas por este Orçamento. E se a tão falada consciência social fosse de facto uma consciência para o Governo, a sua voz gritaria protestos constantes, aos ouvidos do Senhor Primeiro-Ministro.

E para quem tanto fala na prova dos factos, os factos provam que este Governo não traz novidades nem mudança nas políticas sociais e que mantêm com nova cara, políticas velhas.