Debate da Proposta de Lei nº 1/VIII de Alteração ao Orçamento
do Estado para 1999
Intervenção do deputado Octávio Teixeira
9 de Dezembro de 1999
Senhor Presidente,
Senhores Membros do Governo
Senhoras e Senhores Deputados
O que está verdadeiramente em causa com a apresentação e discussão desta alteração
do Orçamento de Estado para 1999, é a política para a Saúde desenvolvida pelo
Governo do eng. Guterres e do PS nos últimos quatro anos. Porque os números,
os resultados orçamentais da actividade desenvolvida no âmbito do Serviço Nacional
de Saúde, são mera expressão e consequência das orientações e práticas políticas
assumidas.
Fundamentalmente, são a expressão da degradação financeira, directa e visível,
decorrente da ausência de acção, da manifesta falta de capacidade, de vontade
e de determinação políticas demonstradas pelo Governo do PS para enfrentar os
poderosos grupos de interesses que continuam a dominar o sector da saúde no
nosso País.
Ao longo dos últimos quatro anos, por múltiplas vezes o PCP criticou forte e
fundamentadamente o Governo por prosseguir, sorridentemente, o caminho da degradação
financeira do sector e da manutenção das evidentes insuficiências, quantitativa
e qualitativa, na prestação de cuidados de saúde à população.
Fizemo-lo em interpelações ao Governo, nos debates orçamentais e em muitos outros
debates.
Mas fizemo-lo igualmente com a apresentação e discussão de vários projectos
de lei que apresentámos para o sector da saúde. Em particular os projectos de
lei relativos à racionalização dos gastos públicos na área dos medicamentos,
à implementação de uma gestão racional e rigorosa das unidades públicas de prestação
de cuidados de saúde e à redução das listas de espera.
A resposta do Governo e do PS foi sempre alicerçada num grave autismo: tudo
estava sob controlo, tudo corria bem e a caminho de correr ainda melhor. Com
a excepção do referente às listas de espera (que aliás não está a ser cumprido
ou o é de forma muito insuficiente) os projectos de lei do PCP foram, pura e
simplesmente, recusados pelo Governo e rejeitados pelo grupo parlamentar do
PS.
A verdade está, mais uma vez, à vista de todos. Incluindo, agora e segundo parece,
à vista do Governo e do PS.
Mas se pode ser motivo para cumprimentar o Governo o facto de querer agora dar
mostras de ter acordado para a realidade que sempre esteve à sua frente, é porém
politicamente inaceitável que o Governo se apresente com o discurso catastrofista
em relação ao SNS.
Desde logo, porque o PS não chegou agora ao Governo. O Governo do PS esteve
à frente do Ministério da Saúde, e de todos os outros, designadamente o das
Finanças, nos últimos quatro anos. E, tal como hoje, o Primeiro-Ministro na
anterior legislatura foi o eng. Guterres.
Também porque é eticamente reprovável que os governantes de hoje, que também
o foram ontem, procurem “sacudir a água do capote” e responsabilizar, por tudo
e exclusivamente, a anterior titular da pasta da Saúde. Terá sido ela a única
responsável pelo sub-financiamento assumido do SNS nos últimos quatro anos,
ou essa foi uma opção de todo o Governo?
E ainda porque esse discurso catastrofista só pode servir os interesses dos
que pugnam pela privatização do SNS. E se é esse o objectivo do actual Governo
do PS, então tenham a coragem de o dizer clara e frontalmente. Que não lhes
faleça aqui a afoiteza que não têm tido com a indústria e o comércio farmacêutico
ou com o negócio privado dos meios auxiliares de diagnóstico e terapêuticos
que prospera à volta, e à custa, do SNS.
Quanto ao conteúdo estrito da alteração orçamental, quanto aos números que nos
são apresentados, importa referir três questões que nos parecem as essenciais.
Em primeiro lugar, se o Governo quer ser levado a sério, se o Governo quer que
a Assembleia da República acredite que desta vez é de facto para valer a sua
afirmação do virar de página, da transparência nas contas e do fim do sub-financiamento
crónico e voluntário do SNS, então tem necessariamente que tomar a atitude correspondente:
não nos propor nem deixar que transitem para o próximo ano 41,4 milhões de contos
de dívidas do passado. Se é para “mudar de vida”, então exige-se que não deixem
“rabos de palha” para trás.
Em segundo lugar, quero deixar a nossa opinião sobre a chamada desorçamentação
por efeito da transferência directa de divida de anos anteriores para a dívida
pública, e que para alguns parece ser “o alfa e o omega” desta proposta de alteração
orçamental.
Por um lado, parece-me conveniente haver alguma prudência na dimensão política
que se quer atribuir a esse facto: porque nos Orçamentos do quadriénio 1992/95,
o montante de dívidas anteriores assim regularizadas ascendeu a 757 milhões
de contos; acrescendo que no Orçamento de 1995, por essa via foram regularizados
75 milhões de contos do SNS.
Por outro lado, e isto me parece mais importante, porque ainda ninguém conseguiu
explicar como é que poderíamos ter uma qualquer despesa registada num determinado
ano na óptica das contas nacionais e noutro ano diferente na óptica da contabilidade
pública. Ou, ainda, se o que prevalece é o momento da realização da despesa
ou o do seu pagamento.
Isto não significa que não haja, nestas situações e conforme o declara o Tribunal
de Contas, uma ilegalidade. A ilegalidade existe, de facto. Mas existe quando
a despesa é realizada sem ter cobertura orçamental. Não quando é feito, legalmente
autorizado, o pagamento daquela despesa ilegalmente realizada. Por isso o Tribunal
de Contas reporta sempre as suas afirmações ao incumprimento do artigo 18º da
Lei de Enquadramento Orçamental ...
Assim sendo, como julgamos que é (e tendo para nós como inequívoco que a prestação
de cuidados de saúde e consequente realização de despesas não pode ser interrompida
em nenhuma circunstância) só há uma forma de acabar com estas ilegalidades e
correspondentes desorçamentações: erradicar da prática orçamental os sub-financiamentos
crónicos e exigir que as alterações que a execução orçamental torne necessárias
se façam no mesmo ano.
E essa será, pela parte do PCP, uma questão central a ter em conta no Orçamento de Estado já para o próximo ano, bem assim como um acompanhamento parlamentar rigoroso e regular da execução orçamental do SNS ao longo de todo o ano.
Mas, e para além do mais, não se use um tal e tão fraco pretexto “contabilístico”
para justificar a rejeição, hoje, em “primeira leitura”, da Proposta de alteração
orçamental, mas com a eventual intenção pré-assumida de a vir a viabilizar,
daqui a uma semana, em “segunda leitura”. Com o objectivo de criar uma dramatização
política aparente para aparecer, posteriormente, como o “salvador da pátria”!
Poupem-nos a jogadas políticas desse jaez e, fundamentalmente, poupem os portugueses
a encenações desse calibre.
Em terceiro lugar, e por último, refiro-me à proposta de dotação de 10 milhões
de contos para Timor. Tem ela o nosso total e inequívoco apoio. Também nós consideramos
que essa dotação deve ser inscrita numa rubrica autónoma e visível. Todos os
portugueses têm orgulho em ajudar financeiramente a reconstrução de um território
devastado e a construção de um País livre e independente. Mas, e para além disso,
consideramos que deve ficar legalmente prevista a possibilidade de reforço dessa
verba, se vier a tornar-se necessário e a execução orçamental o possibilitar.
O que pela nossa parte não permitiremos é que de tal dotação possam ser desviadas
verbas para quaisquer despesas orçamentais que nada tenham a ver com Timor LoroSae.
Termino, dizendo ao Governo e aos senhores Deputados que podem ter duas certezas.
Uma, a de que o PCP continuará a contribuir positivamente para a melhoria do SNS, para a implementação do rigor e da responsabilidade não gestão dos serviços de saúde e nos gastos com os mesmos, para reduzir os preços dos medicamentos, para combater os interesses ilegítimos instalados, para aumentar rapidamente o número de formandos em medicina e em enfermagem no nosso País.
A segunda, e concomitantemente com a anterior, podem ter a certeza absoluta
que faremos uso de todas as nossas forças e de todos os meios legítimos ao nosso
alcance para rechaçar quaisquer intentos de privatização do SNS. A saúde dos
portugueses não pode estar sujeita ao lema “quem quer saúde que a pague”.