Proposta de Lei n.º 146/VII - Grandes
Opções do Plano para 1998 e Proposta de Lei n.º 147/VII - Orçamento do Estado
para 1998
Intervenção de abertura do deputado Lino de Carvalho
29 de Outubro de 1997
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhor Primeiro Ministro,
Senhores Membros do Governo,
Orçamento da Moeda Única assim chamou o Ministro das Finanças ao Orçamento de Estado para 1998.
Estamos de acordo. Este é, aliás, o único ponto em que estamos de acordo. A definição do objectivo central que tem comandado os Orçamentos do Governo PS, que comanda este Orçamento: a Moeda Única.
Mas ficamos por aqui porque ao contrário do que o Governo afirma no Relatório este não é o Orçamento nem da solidariedade nem da coesão.
É o orçamento "socialista" que o PSD e Cavaco Silva elogiam reclamando também eles os louros da caminhada para a moeda única e do enquadramento macro-económico deste Orçamento.
É unicamente o orçamento da convergência nominal.
Como afirma o insuspeito parecer do Conselho Económico e Social "as perspectivas económicas para 1998 dirigem-se fundamentalmente à realização da convergência nominal" esquecendo-se "finalidades de coesão social e de convergência real com a Europa designadamente a equilibrada evolução da remuneração dos factores em particular a aproximação dos salários e do nível de vida dos trabalhadores portugueses à média europeia, tendo em conta a evolução da produtividade. O quadro de crescimento económico aconselharia a valorização dos recursos humanos e do emprego com qualidade com a consequente elevação das condições de trabalho e do nível de vida dos portugueses".
A citação do CES é longa mas elucidativa porque toca o cerne da política económica e da política orçamental do Governo. Uma política virada para a convergência nominal e para o favorecimento do capital em prejuízo dos trabalhadores, de agravamento das desigualdades e das injustiças sociais e da qualidade de vida dos portugueses.
Tal como o PCP sempre afirmou, e que altos responsáveis do Governo agora repetem, convergência nominal pode não significar - e não está a significar - convergência real.
Vejamos.
O Partido Socialista apresenta-se com um Orçamento onde apregoa elevadas taxas de crescimento.
Só que:
1º - São taxas de crescimento com pés de barro
2º - São taxas de crescimento que só beneficiam dois destinatários: as receitas do próprio Estado unicamente com vista ao cumprimento dos critérios de Maastricht, o grande capital e as actividades financeiras
- Taxas de crescimento com pés de barro porque, beneficiando do ciclo económico, assentam fundamentalmente em duas variáveis: as exportações dos grandes grupos económicos, designadamente das multinacionais do sector automóvel, e as grandes obras públicas.
As primeiras, sempre dependentes de estratégias e interesses que fogem ao controle do País.
A segunda, o ciclo das grandes obras públicas, que vai começar a desacelerar e a diminuir.
Entretanto a nossa indústria, a agricultura, as pescas, o sector mineiro, as pequenas e médias empresas estão cada vez mais desprotegidas e fragilizadas como o demonstram todos os indicadores hipotecando o futuro de uma economia realmente sólida, sustentada, competitiva e geradora de emprego.
A situação é tanto mais grave quanto os indicadores macro-económicos apresentados pelo Governo estão mascarados com as receitas provenientes do gigantesco processo de destruição do sector público, com as privatizações, num nível nunca antes atingido pelos Governos do PSD.
Tudo se vende com o PS.
O PS não só está a colocar todo o Sector Empresarial do Estado nas mãos dos interesses e da lógica do máximo lucro privado, liquidando o que deveria ser um instrumento de criação de sinergias e de suporte da dinamização de toda a economia como está, irresponsavelmente, a desfazer-se dos anéis da família. A seguir irão os dedos. Ainda recentemente ouvimos um alto funcionário do fisco a reconhecer aquilo que o PCP há muito vem dizendo: que, ao nível das empresas, só o sector público é responsável por cerca de 1/3 das receitas do IRC que, somado aos dividendos contribuem, só em 1998, com mais de 300 milhões de contos de receitas para o Estado situação, que as privatizações com a liquidação do sector público empresarial vão obviamente pôr em causa.
Se a tudo isto somarmos no futuro o aperto ainda maior dos critérios de Maastricht, com o Pacto de Estabilidade, então compreende-se melhor porque acusamos o Orçamento para 1998 de apresentar taxas de crescimento com pés de barro.
- Mas vejamos a segunda razão pela qual criticamos e discordamos profundamente deste Orçamento e, em geral da política económica do Governo PS. Quem são os destinatários, a quem beneficiam as apregoadas taxas de crescimento?
O mínimo que se esperaria de um Governo Socialista, quando já vai em metade do seu mandato e nos apresenta o seu terceiro Orçamento - o penúltimo de uma Legislatura de 4 anos - eram, pelo menos, medidas reformistas que promovessem uma outra distribuição da riqueza.
Nós não exigimos do Governo que cumpra o Programa do Partido Comunista. O que exigimos, para vossa vergonha, é que cumpram o vosso próprio Programa.
Mas não! Nessa matéria a única coisa que conseguem anunciar é o rendimento mínimo garantido que, como sabem, era também proposta do PCP. Nessa matéria a única obra que têm para apresentar é a do Ministro Ferro Rodrigues assim transformado numa espécie de S. Francisco de Assis do Governo. Mas que, também ele, se fica por aqui.
Senão vejamos.
Afirma o Governo que está numa trajectória de crescimento sustentado. Muito bem.
Então respondam, Senhores Deputados do PS, às seguintes questões:
a) Se o Governo prevê um crescimento do PIB de 3,8%, uma inflação de 2% (ou de 2,5% se trabalharmos com o deflator do PIB) e incrementos de produtividade na ordem dos 2,5% a 3% porque razão o Governo de um Partido Socialista propõe um aumento da massa salarial, que no caso da função pública não vai além dos 2,15%, agravando as já profundas desigualdades existentes na distribuição do rendimento nacional em prejuízo do factor trabalho?
b) Se é o próprio Relatório do Orçamento de Estado a afirmar que entre 1997 e 1998 o sistema de segurança social gera saldos de 111 milhões de contos porque razão o Governo opta por transferi-los na sua totalidade, para efeitos de capitalização, para o Fundo de Estabilização Financeira e não disponibiliza uma parte deles para uma melhoria sensível das pensões de reforma? Por outras palavras, porque razão a sustentação do sistema se está a fazer à custa da manutenção de pensões de miséria, à custa dos 88% de reformados que têm pensões abaixo dos 30.000$00/mensais?
Ou estará o Governo a engordar agora o sistema público com vista a preparar condições para a futura criação dos sistemas privados?
A nossa proposta sobre esta matéria é simples e realista: disponibilizem metade dos saldos que anunciam para um aumento extraordinário de 3.000$00 para as pensões mais degradadas.
Senhores Deputados,
O PS é pródigo em abrir os mercados e propor aumentos de impostos (vejam-se os impostos especiais de consumo) com vista ao que chama a harmonização fiscal com a Comunidade. Só que já não faz o mesmo quando se trata dos salários ou das pensões de reforma. Aí já não há pressa para aproximações ao nível médio da Europa Comunitária.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
A situação é tanto mais criticável quanto o Governo não deu um passo para modificar o sistema fiscal tornando-o mais justo e aliviando a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho nem nada fez de estrutural para combater a evasão e a fraude fiscal.
Também aqui se impõem algumas reflexões que ilustram a "justiça" fiscal do socialismo guterrista:
a) No último ano dos Governos do PSD e de Cavaco Silva os benefícios fiscais elevavam-se já aos 132 milhões de contos. Mas para 1998, o PS anuncia 225 milhões de contos de benefícios fiscais - mais 70% - no essencial orientados para benefícios ao capital e às actividades bolsistas e especulativas
b) Mas não satisfeito o Governo do PS anuncia ainda uma redução em 2 pontos percentuais do IRC - do Imposto sobre os lucros das empresas - enquanto não se propõe fazer nada de concreto para aliviar os impostos sobre os rendimentos do trabalho. Nem sequer acaba, como seria minimamente de esperar, com o imposto de selo sobre os recibos de salários
Mas, entretanto, num País onde dois terços das empresas não pagam IRC e onde os únicos que pagam impostos são os trabalhadores por conta de outrém o Governo do PS nada faz, de fundamental para alterar este quadro.
Alguns exemplos:
Cerca de 60% das sociedades, em Portugal, não apresentam lucro tributável, ano após ano.
Mais de 30.000 sociedades - sempre as mesmas sociedades - isto é 37% do total dos contribuintes em IRC apresentam consecutivamente estranhos e aparentes prejuízos, num valor anual superior a 500 milhões de contos, embora mantenham uma vida económica e financeira saudável;
Entretanto, só no exercício de 1995, entre variações patrimoniais negativas; mais valias não tributadas e reporte de prejuízos fiscais declarados pelas empresas contam-se mais de 700 milhões de contos subtraídos à base tributável, ao fisco.
Mas na banca o quadro de evasão fiscal ainda é mais impressionante. Um estudo feito para o último exercício de que se conhecem dados, 1995, mostra que, nesse ano, e após sucessivas correcções fiscais permitidas pelo sistema de um lucro líquido de 172 milhões de contos, os 22 mais importantes bancos do País só pagaram impostos de 37 milhões de contos, isto é, menos 78%. Mas mesmo em relação a esta base de tributação, e após novas deduções fiscais que o sistema também permite, a taxa de tributação ainda baixou dos 36% previstos no Código do IRC para 19%. Em resumo, Senhores Deputados, Senhor Primeiro Ministro, os 22 maiores bancos do País em vez de pagarem 62 milhões de contos de impostos devidos só pagaram, no final deste percurso, 7 milhões de contos!
Um escândalo, em relação ao qual o Governo do PS - o seu Governo, Senhor Primeiro Ministro nada fez, enquanto, entretanto os trabalhadores deste País são obrigados a pagar os seus impostos integralmente e até ao último tostão.
E depois disto é profundamente significativo que das muitas autorizações legislativas que obteve em 1997 uma das poucas que o Governo PS vai utilizar é precisamente a que se propõe ainda baixar mais os impostos sobre os lucros das empresas.
a) Outras das vítimas deste Orçamento, Senhores Deputados, são os portugueses que se proponham comprar ou arrendar casa para a habitação recorrendo ao crédito, em especial os jovens.
Porque aqui também o PS se propõe baixar as bonificações dos juros em 18,4% e os subsídios de incentivos ao arrendamento para os jovens em 14,2%.
Como é evidente com o PS, a injustiça fiscal e social não só se mantém como se agrava. E perante isto, Senhores Deputados, as declarações do Ministro das Finanças, em Évora, na semana social católica, de crítica ao sistema fiscal e ao modelo económico dominante que, segundo ele, favorecem os rendimentos do capital, prejudicam os rendimentos do trabalho e permitem a evasão fiscal soam obviamente a puro farisaísmo e a hipocrisia.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Mas tem, ao menos a política do PS gerado, mais emprego? É este Orçamento para 1998 um orçamento de combate ao desemprego, como o Senhor Ministro João Cravinho veio anunciar de novo como já tinha anunciado em 1997? Também aqui a resposta é, infelizmente, negativa ...
Como o próprio Relatório do orçamento reconhece o aparente "crescimento" do emprego deve-se, no fundamental, ao "aumento" dos portugueses que trabalham na agricultura. Sabem, Senhores Deputados, quanto emprego - de acordo com as estatísticas - foram criados na agricultura entre os 3ºs trimestres de 96 e 97? 70.000. Espantoso. Quando os campos estão a ficar abandonados, quando o Governo afirma permanentemente a diminuição da população activa agrícola como um indicador do desenvolvimento e dessa nova "modernidade" do País, de repente a população empregue na agricultura aumenta 13%, enquanto na indústria, significativamente, Senhores Deputados, no mesmo período, baixou 3,5% (menos 37.000 empregos).
E é com isto (a par da construção civil, por causa das grandes obras públicas) que o Governo nos quer convencer que o desemprego está a diminuir em Portugal.
Bem avisado anda o Conselho Económico e Social ao afirmar no seu Relatório que "julga estar-se perante uma solução de recurso sem, qualquer efeito útil no aumento da produção ou da produtividade".
O que há Senhores Deputados, é de facto mais desemprego estrutural e de longo prazo como o atesta o Orçamento, o que há é mais pobreza envergonhada e oculta que atinge mais de 1/3 da população portuguesa.
O que há são mais portugueses em dificuldades e endividados. Porque, como se sabe, algum crescimento do consumo privado que se nota não se deve ao aumento do emprego e dos salários reais mas à custa de um brutal recurso ao crédito bancário para a aquisição de bens de consumo que, só no primeiro semestre de 1997, cresceu 90%.
O que há é cada vez mais precaridade e incerteza nas relações laborais. O que há é cada vez maior pressão e chantagem para flexibilizar o mercado de trabalho, isto é, para facilitar os despedimentos. É a isto que permanentemente aspira o patronato em Portugal com a cumplicidade activa de um Governo "socialista".
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Vejamos agora, rapidamente, os sectores da actividade económica: agricultura, pescas e indústria - aqui sobretudo as pequenas e médias empresas - são os sectores mais fragilizados e mais vulneráveis da economia portuguesa. São, seguramente, os sectores que mais necessitam de políticas ousadas, de ruptura com o passado e de relançamento e fortalecimento da capacidade e da estrutura produtiva do País.
Pois bem - e para só nos limitarmos ao Orçamento - são precisamente os sectores mais abandonados orçamentalmente. Seja qual for o ângulo por onde se leia o orçamento a agricultura e as pescas vêem fortemente reduzidas as dotações orçamentais, programas estratégicos têm menos dinheiro, o peso da despesa pública nacional baixa cada vez mais.
E na indústria é preocupante a ausência de políticas activas e de meios financeiros dirigidos ao reforço da nossa estrutura industrial, em particular das pequenas e médias empresas.
Nesta matéria, Senhores Deputados, o Orçamento para 1998 não é senão a expressão do fracasso das políticas do Governo para sectores tão fundamentais e tão carenciados como a agricultura, as pescas e a indústria..
Bem pode o Ministro da Agricultura falar grosso; bem pode o Ministro da Economia desdobrar-se em viagens pelo Extremo-Oriente e perder-se em teorizações sobre o modelo industrial. A verdade é que com as políticas seguidas, com Orçamento como este não há conversas ou promessas que valham aos industriais, agricultores, pescadores e armadores deste País.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Era nossa intenção fazermos uma análise da distribuição regional do investimento para verificarmos se se confirmavam ou não a trajectória dos orçamentos anteriores de agravamento dos desequilíbrios regionais. Mas não podemos fazê-lo. Porque, em vésperas de eleições autárquicas e ao contrário do que tem sucedido todos os anos, o Governo, só no último momento entregaram à Assembleia da República o orçamento regionalizado. Com medo de quê, Senhor Primeiro Ministro? Com medo de confirmarmos uma política que agrava as desigualdades entre o interior e o litoral, entre as grandes metrópoles e o resto do País? Com medo de confirmarmos as inscrições orçamentais exigidas pelos candidatos socialistas às Câmaras Municipais do Porto e de Vila Nova de Gaia como condição para se candidatarem? Ou porque, Senhor Primeiro Ministro, a distribuição regional dos investimentos só deve ser do conhecimento exclusivo dos candidatos autárquicos do PS para com ele fazerem campanha eleitoral, continuando assim a história da vergonhosa promiscuidade que se tem verificado entre o aparelho do Estado e a campanha eleitoral do PS?
Senhor Presidente,
Senhores Membros do Governo,
Senhores Deputados,
Estamos perante um Orçamento que qualquer partido liberal assinaria por baixo.
Um Orçamento a pensar exclusivamente na Moeda Única e que já prepara, aceleradamente, o caminho para o Pacto de Estabilidade.
É um Orçamento de aprovação garantida todos o sabemos. Depois dos encontros secretos em suites de hotéis do Primeiro Ministro, com o leader do PP foi agora a vez de um jantar secreto, em S. Bento, com o leader do PSD para garantir a viabilização do Orçamento.
É por isso, que as propostas entretanto avançadas por Marcelo Rebelo de Sousa para alterações de especialidade não passam de rábulas mal ensaiadas para esconder o acordo do bloco central (e do PP) com o Orçamento de Estado para 1998 e com o caminho para a Moeda Única.
Não contem com o PCP para essas negociatas, secretas ou menos secretas.
Não contem com o PCP para ajudar a branquear a política de um Governo do PS que depressa esqueceu as promessas com as quais enganaram e ganharam votos de muita gente desiludida com o cavaquismo. Enquanto em França e na Itália os respectivos Governos equacionam a redução do horário de trabalho para as 35 horas, em Portugal, o Governo do PS nem sequer é capaz de levar à prática, sem subterfúgios nem vigarices, a redução para as 40 horas semanais.
A regionalização é outro exemplo. Como se confirma pelas mais recentes declarações de altos dirigentes do PS, a regionalização é cada vez mais uma miragem, agora a pretexto dos cadernos eleitorais numa trapalhada criada, como sempre dissemos, por exclusiva responsabilidade do Governo e do próprio Partido Socialista.
Senhor Presidente,
Senhor Primeiro Ministro,
Senhores Deputados,
Por tudo o que fica dito é evidente que o PS não pode contar com o voto do PCP.
A um orçamento de manutenção e agravamento das injustiças fiscais e sociais;
A um orçamento que não cria emprego sustentado;
A um orçamento que penaliza sectores económicos fundamentais;
A uma política de continuidade das políticas do PSD e de Cavaco Silva o PCP dirá sempre não !
Disse.