Orçamento de Estado para 2006 (encerramento na especialidade)
Intervenção de Bernardino Soares
30 de Novembro de 2005

 

Senhor Presidente
Senhores Deputados,

 

Depois de em 20 de Fevereiro os portugueses se terem manifestado por uma mudança de política em relação ao governo anterior, esperava-se que este primeiro orçamento do governo do PS trouxesse consigo a ruptura com as orientações de PSD e CDS-PP e assim correspondesse à expectativa que milhões de portugueses depositaram no resultado das eleições legislativas.

Para isso era preciso que as diferenças fossem significativas e substanciais nalgumas matérias importantíssimas.

O país precisa de uma alteração da política económica e orçamental no sentido do reforço do investimento, da dinamização da economia, do apoio às micro, pequenas e médias empresas, da defesa do sector produtivo, da valorização dos salários e do combate ao desemprego.

O país precisa de uma alteração do sistema fiscal no sentido da introdução de uma maior justiça, acabando com benefícios injustificados, combatendo a fraude e a evasão fiscal e invertendo a situação de o fundamental das receitas fiscais continuarem a ser pagas por quem trabalha, enquanto o sector financeiro se vangloria perante os seus accionistas das baixas taxas efectivas de imposto que consegue obter.

O país precisa de um investimento sério nas áreas sociais, seja na valorização das prestações sociais, das reformas e pensões, seja no investimento em áreas fundamentais como a saúde ou a educação.

O país precisa de uma paragem imediata da voragem privatizadora de sucessivos governo, com enormes consequências na prestação de serviços públicos fundamentais e no desaparecimento de instrumentos indispensáveis para a intervenção do Estado na economia.

Pois bem. O país bem precisa destas e de outras alterações. Mas com o orçamento que irá ser aprovado pelo PS, não teremos nada disso.

Teremos a continuação da obsessão do défice, com a quebra no investimento público, uma economia estagnada, um desemprego crescente um emprego precário e com mais baixos salários a continuação da divergência com a União Europeia.

Teremos a continuação da injustiça fiscal, o agravamento dos impostos indirectos que se aplicam cegamente a ricos e pobres, os benefícios e isenções à banca, à especulação bolsista e aos grandes grupos económicos.

Teremos a manutenção de sérias restrições orçamentais nas áreas sociais e aumentos miseráveis de reformas.

Teremos quatro vezes mais privatizações, com destaque para o decisivo sector energético, onde avulta o imbróglio da Galp, criada por um governo do PS.

Muitos portugueses perguntam pois se foi para isto que deram uma maioria ao PS. Aliás se as propostas orçamentais fossem medicamentos, bem poderíamos dizer que antes, tínhamos o medicamento de marca PSD/CDS-PP e agora mudámos para uma espécie de genérico/PS, que pode não ter a marca daqueles partidos, mas em que o princípio activo é o mesmo: a política neo-liberal, anti-social e de direita.

A discussão da proposta de orçamento de Estado pôs a nu a falta de transparência e de credibilidade do orçamento, ao contrário do que o Governo apregoava.

Quando daqui a pouco a maioria aprovar em votação final global a versão final deste orçamento ele já estará desactualizado. Já estará desactualizado em relação à taxa de desemprego, que atingiu já este ano o nível que o Governo previu para 2006. Já estará desactualizado em relação às previsões de crescimento económico, revistas sucessivamente em baixa por várias entidades e provavelmente também em breve pelo governo na actualização do programa de estabilidade e crescimento. Já estará desactualizado porque não comporta o aumento das taxas de juro já em curso.

De resto o comissário Almunia já exigiu mais cortes e o governo já reconheceu que provavelmente irá aplicá-los. Vem aí pois o Plano alternativo com medidas para além do já está previsto no orçamento mas que em nenhum momento o Governo quis aqui desvendar.

A discussão e votação na especialidade não alterou, apesar das propostas do PCP nesse sentido, o incumprimento da Lei das Finanças Locais e da Lei das Finanças Regionais que o Governo propõe, mantendo o esquema de apoio a la carte conforme as conveniências e a arbitrariedade do Governo. É uma espécie de neo-cavaquismo no ataque ao poder local democrático, agora pela mão do PS do primeiro-ministro José Sócrates.

Mesmo correndo o risco de que o Ministro dos Assuntos Parlamentares venha a considerar os milhares de autarcas de todas as forças políticas deste país, como um nicho de mercado eleitoral do PCP, não queremos deixar de reafirmar a nossa profunda oposição em relação a esta política e à arrogância com que o Governo trata os representantes dos autarcas, que denunciaram as “declarações falsas, injustas e deturpadas sobre a realidade do poder local” de vários governantes e a pretensão do Governo de “escolher os representantes da ANMP numa reunião”.

Continuamos a não saber que privatizações teremos em 2006. Que património público vai ser entregue aos grupos económicos privados, perdendo alavancas essenciais da economia, receitas de dividendos, embolsadas a partir daí pelos candidatos a privatizações que aguardam ansiosos pelos favores do Governo PS, e receitas fiscais.

Como sempre a discussão na especialidade não foi para o PCP um mero cumprimento de calendário. Apresentámos propostas concretas para a resolução de problemas concretos das populações, através de investimentos locais indispensáveis. Já percebemos que tanto o PS como o PSD estão cada vez mais de acordo em desvalorizar e se possível eliminar o PIDDAC e os seus compromissos políticos. Querem furtar-se ao incómodo de terem que justificar as suas opções, sobretudo quando as propostas apresentadas correspondem a promessas que fizeram nas campanhas eleitorais e que depois não pretendem cumprir. Estamos sempre disponíveis para aperfeiçoar a forma de discussão destas matérias, mas não estaremos disponíveis para que o plano de investimentos seja um conjunto de cheques em branco ao Governo , que passaria a prometer tudo a todos, sem que nunca fosse obrigado a uma concretização mínima.

A Assembleia da República só se prestigia com a discussão de problemas concretos e locais das populações, para que estas possam verificar na sua realidade concreta qual é de facto a política do governo.

Congratulamo-nos com a aprovação de algumas das nossas propostas que permitirão um tratamento fiscal um pouco mais justo a muitos trabalhadores independentes, micro e pequenos empresários, ou que por outro lado promovem a renovação da frota automóvel com evidentes ganhos ambientais e de segurança rodoviária.

Durante a discussão apresentámos muitas outras propostas sérias e construtivas, quer no aumento de investimentos e apoios relevantes social e economicamente, quer no sentido de uma melhor distribuição da riqueza, até em muitos casos aumentando significativamente a receita do Estado.

Era o caso das propostas de eliminação do regime de benefícios do offshore da Madeira, da limitação do número de anos para reporte de prejuízos, da instituição de uma norma travão para garantir uma taxação efectiva em IRC não inferior a 20%, designadamente para o sector financeiro.

O PS mais uma vez recusou. Recusou até a reintrodução da tributação das mais valias bolsistas que em governos anteriores tinha consagrado, e em que posteriormente recuou perante as exigências do sector especulativo.

É caso para dizer que há de facto uma obsessão com o défice. Mas é uma obsessão selectiva. Quando se trata de aumentar as reformas e os salários, de melhorar as instalações de saúde ou de actualizar de forma justa os escalões do IRS, aí está o défice para justificar uma política restritiva. Mas já quando se trata de manter e aumentar os benefícios fiscais à banca, ao offshore da Madeira ou para as privatizações, ou de isentar de imposto as mais-valias bolsistas, já o défice não conta para nada.

Estamos assim perante um orçamento que será certamente aplaudido no conclave do Convento do Beato, ou nas sessões de propaganda do Governo para apresentar grandes planos e investimentos, mas que é já rejeitado pela generalidade dos portugueses.

A concretizarem-se as orientações deste orçamento é certo que daqui a um ano aqui estaremos a constatar que a situação do país e a vida dos portugueses se degradou.

Por isso o nosso voto é contra.

O País e os Portugueses precisam de outra política, de outro orçamento.

Estaremos na luta por essa nova política ao lado dos trabalhadores, de amplos sectores sociais, da generalidade dos portugueses, que já hoje rejeitam na rua e na sociedade aquilo que a maioria PS vai de seguida aprovar.

Disse.