Debate Orçamento de Estado para 2005
Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia da República
6 de Dezembro de 2004

 

Senhor Presidente,
Senhores Membros do Governo,
Senhores Deputados,

Terminamos hoje a apreciação de uma proposta de orçamento que é má para o país e para a generalidade dos portugueses.

Ao longo do debate ficaram claras as razões que justificam um inequívoco voto contra do PCP em relação ao orçamento

Trata-se de um orçamento que:

- mantém um modelo de desemprego, baixos salários e fraca especialização e qualificação produtiva
- mantém a estagnação do investimento
- mantém a política de privatizações
- apresenta um quadro macro económico pouco credível, incluindo uma previsão de inflação abaixo da que certamente se vai verificar
- mantém as perspectivas de divergência com a média de crescimento da UE
- continua a desinvestir nas áreas sociais e a promover a sua crescente privatização
- promove a descapitalização da segurança social e a restrição das prestações sociais
- mantém as práticas de desorçamentação e de cumprimento meramente formal do défice de 3%, à custa de operações extraordinárias irrepetíveis e de consequências graves para o futuro do país.

O Governo fez propaganda com diversas questões que não correspondem à realidade.

A baixa das taxas de IRS, que votámos favoravelmente, depende da actualização da taxa de retenção aplicada, que se não acompanhar a baixa fará com que em 2005, ao contrário do que o governo anunciou, o efeito na bolsa das famílias portuguesas seja diminuto.

Os aumentos das reformas entre 2,5% e 9% traduzem-se afinal no seguinte:

- 54% dos reformados vão ter apenas um aumento de 2,3%, 8,1 €, 27 c/dia
- afinal a maioria dos reformados que recebem as pensões mínimas (800 mil), vão ter aumento de 2,5% (473 mil)
- aumentos de 9% só para 10667, 0,4% dos reformados

O aumento de 9% era mentira, como é a promessa do cumprimento da convergência das pensões com o salário mínimo em 2006, que, com a fraca convergência prevista para 2005, certamente não se verificará.

Como é mentira o aumento real dos trabalhadores da Administração Pública que, se for de 2,2% continuará abaixo da inflação que se vai verificar em 2005.

Neste orçamento continuam:

- a não tributação das mais-valias
- a possibilidade de o sistema financeiro manter escandalosas taxas efectivas de tributação, designadamente abaixo dos 15% anunciados
- a prorrogação da isenção do IMT para as alterações na estrutura das empresas e grupos económicos
- as prerrogativas à disposição da banca no off-shore da Madeira

Assistimos igualmente ao recuo escandaloso do Governo mesmo nas medidas tímidas que propôs na proposta de lei original:

- em matérias de sigilo bancário
- no artigo 86, entre outras matérias.

Aliás o filme estava à vista para todos os que leram as declarações do presidente da Associação Portuguesa de Bancos que, ainda antes da fatídica reunião com os banqueiros a que o Primeiro-ministro levou o Ministro das Finanças para aplicar as decisões aí tomadas, já dizia que estava certo que várias disposições iam ser alteradas e que não valia sequer a pena reivindicar publicamente as “correcções”, para que não ficasse a ideia que elas se faziam por pressão dos grupos financeiros.

Lembrou há pouco o Ministro das Finanças as alterações de orientação, de ministro para ministro, em matéria de tributação dos grupos financeiros no tempo dos governos PS. É verdade que assim foi. Só que o Sr. Ministro não se pode vangloriar disso, porque consigo não foi sequer preciso mudar de ministro; os recuos foram com o mesmo ministro e com a mesma propostas de orçamento, postos na ordem pela banca entre a entrada do orçamento e o dia da sua votação final.

Por estas e outras razões votaremos contra este orçamento.

Não ignoramos a conjuntura política em que se discute e aprova este orçamento. Anunciada que está a dissolução da Assembleia da República e a consequente entrada do governo em funções de gestão, outra poderia ter sido a decisão em relação a esta proposta de orçamento.

Este orçamento é discutido por decisão do governo, que mantém por enquanto as suas prerrogativas jurídicas e constitucionais intactas. Mas na verdade não há vantagem política em aprovar este orçamento. Não só por ser mau, mas porque é o orçamento de um governo que foi derrotado pelo povo e pela vida e porque é um orçamento instável, a prazo, que será em qualquer dos casos alterado no início de 2005.

Porventura o governo pretenderá usar algumas prerrogativas que o orçamento lhe dá, com vista nomeadamente às eleições previsíveis. Por isso queremos lembrar que a Assembleia da República, mesmo dissolvida, não pode deixar de manter todas as competências de fiscalização da acção de um governo de gestão, zelando para que este não ultrapasse os seus limites.

Curioso seria que um governo que se preparava para não acompanhar a baixa das taxas de IRS com a baixa da taxa de retenção respectiva, viesse agora inverter a marcha e decidir o contrário; ou que um governo que apresenta um orçamento de manutenção de baixos níveis de investimento público, se desdobrasse agora em anúncios de obras e lançamentos de primeiras pedras.

Com a aprovação desta proposta de orçamento teremos uma espécie de aprovação de Pírro. A última vitória antes da derrota que o povo já anuncia. Suspeito que desta vez terão pelo menos o pudor de não se levantarem a aplaudir.

Antes disso teremos o discurso do Primeiro-ministro. Não será sobre o orçamento, porque nem sequer assistiu à discussão na especialidade. Será certamente um discurso de campanha eleitoral.

Tarde demais Sr. Primeiro-ministro. Por mais eloquente que seja o discurso, não conseguirá esconder aquilo que já todos perceberam: que o orçamento é mau, que o governo é mau e não tem remédio. Este Governo é um pano velho sem remendo nem conserto.

O país quer e precisa de outro governo e de outra política. Vive-se um clima de alívio nacional com a saída deste governo e desta maioria.

Mas o país estará também de olhos postos no que se seguirá. Os portugueses querem outro governo, mas querem também outra política. É preciso não só travar mas inverter a política dos governos de direita. Essa é a questão que exige compromissos com a inversão das políticas:

- nos salários e pensões
- na legislação laboral
- na política social
- na segurança social, com o fim do plafonamento e da descapitalização do sistema público
- na saúde com o fim das desastrosas soluções dos hospitais S.A. e da entrega de hospitais públicos a privados, bem simbolizadas com o encerramento hoje da maternidade do Hospital Amadora-Sintra
- na educação com a defesa da escola pública
- na política económica
- na descentralização
- no investimento público
- na política fiscal e de distribuição da riqueza

No voto contra que a seguir faremos, rejeitamos este orçamento, este governo, esta maioria e assumimos o compromisso de lutar por uma política diferente, alternativa e de esquerda.

Será certamente um voto minoritário nesta Câmara, mas sem dúvida corresponde às aspirações dos portugueses.

Disse.