Grandes Opções do Plano e Orçamento do Estado para 2005 (generalidade)
Intervenção de Honório Novo
17 de Novembro de 2004

 

 

 

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Sr. as e Srs. Deputados:

A proposta de lei de Orçamento do Estado para 2005 não tem qualquer credibilidade técnica. Esta afirmação não é minha, não é sequer do PCP. É uma ideia consensual que

unifica o pensamento de economistas, de gestores, de sindicalistas, de políticos das mais diversas origens partidárias, incluindo um número quase infindável que pertence

ou está próximo dos partidos da maioria parlamentar.

 

Desta vez, Sr. Primeiro-Ministro, nem sequer o Banco de Portugal o salva.

 

A verdade é que a proposta orçamental não tem apenas falta de credibilidade. É bem pior do que isso: constitui um amontoado de truques e de habilidades, cujo objectivo é

servir, desde já, a estratégia eleitoral que PSD e CDS-PP têm em marcha com vista às eleições de 2005 e 2006, faltando apenas saber se será uma estratégia conjunta ou

se, pelo contrário, será uma estratégia separada.

 

Olhando para as previsões macroeconómicas em que o Governo sustenta a sua proposta orçamental, o mínimo que se pode dizer é que são completamente virtuais.

É que o preço do petróleo, há mais de dois meses perto dos US$50/barril, vai certamente atingir, em 2005, valores superiores aos US$38 previstos pelo Governo.

É que igual desvio sucederá com a estabilidade que o Governo prevê para o preço das matérias primas, mesmo sabendo que, até final de Agosto, os seus aumentos médios

se aproximaram dos 30%!

 

E que dizer das consequências que a alta de preços destes produtos vai ter no valor de apenas 2% projectado pelo Governo para a inflação? Que dizer da tendência altista do

euro e das consequências negativas que poderá ter nas exportações?

 

Neste contexto não surpreendem as mais recentes previsões da evolução da economia: o crescimento é revisto em baixa; outro tanto sucede com os valores do investimento,

passando dos 5,2%, projectados pelo Governo, para valores em torno dos 3%! A inflação, pelo contrário, é revista em alta e sobe para quase 2,5%!

 

A verdade é que ninguém entende como é possível fazer, ao mesmo tempo, uma coisa e o seu contrário, como é possível, Sr. Primeiro-Ministro, diminuir o IRS e, ao mesmo

tempo, anunciar um aumento de quase 5% nas suas receitas! A verdade é que quase ninguém acredita, se calhar nem o próprio Governo, porque na maioria parlamentar já

sabemos que há muitos que não acreditam, que o PIB, em Portugal, cresça 2,4% em 2005!

 

Mas é também verdade que, mesmo que este crescimento fosse possível, continuaria a ser insuficiente para impedir o quinto ano consecutivo sem qualquer aproximação da

média comunitária; mesmo que esse crescimento fosse possível, seria insuficiente para criar melhores condições para a consolidação orçamental; mesmo que esse

crescimento fosse possível, seria incapaz de produzir efeitos muito positivos no emprego. E é no desemprego, Sr. Primeiro-Ministro, que se fará sentir a consequência social

mais dramática do seu Orçamento!

 

O Governo do PSD/CDS já bateu todos os recordes do desemprego! Foi pela sua mão que Portugal se tornou no país da União Europeia com maior aumento de

desemprego.

 

É pela sua mão que os valores do Instituto Nacional de Estatística atingiram os níveis mais elevados desde 1998. É pela sua mão, e como consequência directa das suas

políticas, que hoje há perto de 480 000 inscritos nos centros de emprego, mais de 100 desempregados por dia desde há um ano, ou seja, quase meio milhão de

portugueses sem emprego!

 

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. as e Srs. Deputados: Este Orçamento constitui também um amontoado de habilidades e de truques para esconder a falta de verdade

e de rigor, para tentar enganar os portugueses, criando e gerando expectativas e ilusões falsas em que, felizmente, cada vez menos portugueses acreditam, sendo, antes de

mais, as habilidades contabilísticas para «vender» um défice inferior a 3%.

 

O problema não são apenas as receitas extraordinárias, cuja origem o Governo se recusa a identificar; não são apenas os imóveis, que o Governo se prepara para vender;

nem são apenas os fundos de pensões a utilizar.

 

A questão é que o Governo se recusa a identificar o património que quer vender, a quem quer vender, or quanto quer vender, e a informar sobre o seu destino futuro!

A questão é que o Governo esconde os encargos que o Estado vai ter com a utilização futura desse património!

 

A questão é que o Governo continua a sonegar ao País a informação sobre quais os fundos de pensões que pretende transferir: se serão os da ANA, ou os da Caixa Geral de

Depósitos, ou qualquer outro fundo transferível, de que o Ministro Bagão Félix se tenha lembrado ou venha a lembrar-se nos próximos dias!

 

A questão é saber como é possível manter esta estratégia de obtenção de receitas irrepetíveis com o único objectivo de continuar a submeter Portugal ao espartilho do Pacto

de Estabilidade e Crescimento, ano após ano, défice após défice, anunciando-se, agora, que o expediente será, quando muito, usado até 2007! Ainda por cima, quando se

sabe que, enquanto o Governo «martela o défice» para a Europa ver, não se importa de fazer disparar a dívida pública, que atingirá, em 2005, qualquer coisa como 64% do

PIB.

 

Mas se as receitas extraordinárias servem para «martelar o défice», a verdade é que, mesmo assim, isso só é possível porque, simultaneamente, se procede a uma

monumental operação de desorçamentação que permite a obtenção daquele valor.

 

Só no IEP (Instituto das Estradas de Portugal), o valor que foge ao cálculo do défice é de cerca de 500 milhões de euros. As transferências para os hospitais SA atingem 600

milhões de euros, e para outras empresas não financeiras saem mais 600 milhões de euros, sendo tudo feito sob o «chapéu de chuva» de transferências de activos

financeiros que, contabilisticamente, mas só contabilisticamente, não são considerados para a determinação do défice orçamental.

 

Sem receitas extraordinárias e sem desorçamentação, os 2,8% do défice com que o Governo se curva, perante o Pacto de Estabilidade e Crescimento e perante Bruxelas,

transformar-se-iam certamente em quase outros 2,8% do PIB a somar ao défice declarado.

 

Uma outra habilidade orçamental desta proposta de lei do Orçamento, Sr. Primeiro-Ministro, tem a ver com o investimento público. A realidade vai ficar bem longe dos valores

que o Governo tem anunciado: as cativações de verbas no capítulo 50 passam de 15% para 21,4%, passando de 10% para 15% as verbas cativas na aquisição de bens e

serviços.

 

Fica claro que as cativações das verbas afectas ao investimento público sobem mais de 40%! Fica, assim, bem claro que, por cada 100€ anunciados e inscritos no

Orçamento como investimento, o Governo pensa gastar menos de 79€!

 

Descontadas as cativações, corrigida a inflação, o acréscimo real de investimento líquido no capítulo 50 será, quando muito, e se for, cerca de 1% real!

 

Em termos de investimento, os truques são muitos, a falta de transparência é mais que evidente. Se analisarmos as dotações de diversos fundos e serviços autónomos,

podemos encontrar vários exemplos, como no caso do Ministério da Ciência, Inovação e Ensino Superior, onde as verbas de investimento são, afinal, verbas afectas ao

funcionamento corrente! E, das duas, uma: ou há dinheiro para investimento, ou não há dinheiro para salários nem para pagar o aquecimento nem o papel.

Muito do crescimento do PIB – como, aliás, bem acentua o parecer do Conselho Económico e Social – deveria assentar numa aposta clara no investimento público, que,

afinal, não irá ocorrer, o que, mais uma vez, vai contribuir para que se repita uma quase estagnação na criação de riqueza em Portugal.

 

Quanto aos municípios e freguesias, o Governo volta a violar a Lei das Finanças Locais, insistindo agora numa limitação arbitrária e discriminatória da capacidade de

endividamento do poder local, completamente contraditória e incompreensível, num momento em que é o próprio Governo quem fala de retoma e de crescimento do produto.

Ao mesmo tempo, o Governo monta mais um truque orçamental, destinado a servir a estratégia eleitoral autárquica do PSD: em vez de, como mandaria a transparência,

transferir as verbas adequadas para freguesias e municípios, o Governo faz disparar as verbas destinadas a contratosprograma e atribui ao Ministério das Obras Públicas,

Transportes e Comunicações e à Presidência do Conselho de Ministros uma dotação especial de 14 milhões de euros para obras municipais!

 

Em ano eleitoral, está mesmo a ver-se para que, e a quem, vai servir este dinheiro! Antes do princípio do utilizador-pagador, o Sr. Ministro das Obras Públicas vai procurar

aplicar o «princípio do ‘autarca laranja’ recebedor»!

Quanto a malabarismos orçamentais, as anunciadas descidas de alguns dos escalões do IRS atingiram o cúmulo da manipulação: depois de meses a dizerem que o IRS

iria baixar em 2005, depois de duas conversas em família, de várias entrevistas e de comícios nas eleições regionais, onde o Primeiro- Ministro e o Ministro das Finanças e

da Administração Pública fizeram passar a mensagem conveniente de que o IRS iria diminuir em 2005, percebe-se agora que as descidas só serão, quando muito, sentidas

em 2006 — a tempo, claro, das eleições legislativas desse ano!

 

Quem paga impostos que se desengane: as taxas de retenção na fonte que o Governo vai usar em 2005 serão iguais ou muito pouco diferentes das deste ano. Aquilo que os

portugueses vão pagar de IRS em 2005 poderá, ao contrário, ser até superior ao que pagaram em 2004: para isso, basta que tenham aumentos pouco superiores a 2% e

que com esse aumento mínimo mudem para o escalão imediatamente superior!

 

Quanto a 2005, Sr. Primeiro-Ministro, não restam dúvidas: os portugueses que se preparem para «emprestar» ao Governo, durante mais de um ano, e sem juros, parte do

dinheiro que lhes vai ser indevidamente retido nos salários em 2005.

 

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar da fantasia e dos truques, a verdade é que este Orçamento dá continuidade às políticas antipopulares do Governo PSD/CDS-PP, que

tiveram o seu começo em 2002, e não há três meses, como querem agora fazer crer!

 

O poder de compra dos trabalhadores, e em especial dos funcionários públicos, vai continuar a degradar-se. Depois de dois anos de quase congelamento dos salários,

depois de seis a sete anos sucessivos a diminuir o poder de compra dos trabalhadores, o Governo volta a apontar um referencial intencionalmente baixo para conter os

aumentos salariais em valores inferiores aos níveis que a inflação vai atingir. Prossegue, assim, uma política assente na injustiça da distribuição da riqueza nacional, sendo

cada vez menor a parte dessa riqueza destinada aos trabalhadores!

 

A convergência de pensões e reformas com o salário mínimo nacional constitui, entretanto, mais uma entre muitas outras promessas eleitorais que os partidos da maioria

vão deitar para o «caixote do lixo». Isso é tanto mais visível quanto mais se aproxima o ano de 2006 e se percebe melhor a imensa demagogia do que prometeram e com que

enganaram centenas de milhares de reformados e pensionistas!

 

Em matéria de segurança social, o Governo insiste no incumprimento da lei, não transferindo o mínimo de dois pontos percentuais das quotizações dos trabalhadores para o

Fundo de Estabilização Financeira. Aliás, é bem visível o aumento insuficiente das prestações com o desemprego, não obstante ser previsível a manutenção da espiral do

desemprego, que nem o crescimento previsto nem a aposta quase inexistente no investimento público irão fazer regredir.

 

O Orçamento confirma novas quebras de investimento nas áreas sociais, seja na saúde, onde a quebra é de quase 5% (onde o orçamento do Serviço Nacional de Saúde é

um emaranhado de trapalhadas e de erros e uma total ausência de informação e transparência), seja na educação, onde a quebra no investimento atinge 10%, apesar de em

Portugal só dois em cada 10 activos ter completado o 12.º ano, ou apesar de quase metade dos nossos jovens abandonarem a escola antes de terminarem o ensino

secundário!

 

 

Sr. Primeiro-Ministro, o Orçamento continua a privilegiar a consolidação orçamental à custa da contenção da despesa, esquecendo que nem toda a despesa pública é

supérflua, nem é desperdício, nem é destinada à contratação de assessores ou assessoras para os gabinetes ministeriais.

Há despesa pública, e muita, que é necessária e fundamental para desenvolver o País, para combater as desigualdades sociais e para eliminar as assimetrias regionais.

Por isso, a consolidação orçamental só pode ser feita à custa do acréscimo substancial das receitas. Há um ano, falou-se do combate às fraude e evasão fiscais (há dois e

mais anos, também se falou aqui, em sede de discussão orçamental). Em todos os debates orçamentais, o PCP apresentou propostas e ideias, objectivas e claras, para

diminuir a economia informal, para eliminar os benefícios fiscais, sobretudo do sistema financeiro, para limitar e impedir o funcionamento fantasma de empresas offshore,

para tributar de forma clara as mais-valias bolsistas.

 

Há vários anos que sucessivos Governos falam do combate às fraude e evasão fiscais; há vários anos que acentuam essa tónica. Porém, há vários anos, também, que as

medidas são débeis e os resultados quase nulos. Entretanto, o PCP continua totalmente disponível para esta luta, agora como no passado, mas, Sr. Primeiro-Ministro, exige

resultados e dispensa a retórica e a mera repetição de discursos!

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr. as e Srs. Deputados:

Durante o passado fim-de-semana, V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, bem se esforçou para «tocar a reunir tropas» na defesa deste Orçamento e das suas pretensas

virtualidades. A verdade é que, quanto mais confiança pedia, quanto mais apelava à estabilidade, quanto mais sentia a necessidade de invocar estes valores, mais se

percebia quanto V. Ex.ª está quase sozinho na defesa do indefensável, melhor se descortinava que, à sua volta e na sua própria maioria parlamentar, são muitos, mas

mesmo muitos, aqueles que dizem — e bem! — que este «Orçamento está nu».

É verdade, Sr. Primeiro-Ministro: Este «Orçamento vai nu».

 

A proposta de lei de Orçamento do Estado para 2005 não serve o País, não defende a sua capacidade produtiva, não aposta num crescimento rápido, não promove a

inovação tecnológica, não investe na formação e na qualificação, não dignifica quem trabalha, não combate o desemprego, não garante direitos sociais. É um Orçamento à

medida do Governo da direita que o propõe! Contará, por isso, com o voto de oposição do PCP!

 

(...)

 

 

Sr. Presidente,

o Sr. Ministro das Finanças e da Administração Pública indignou-se por causa dos que fazem análises superficiais buscando o efeito mediático. Agradeço-lhe por isso e

estou inteiramente de acordo com essa sua afirmação, mas, para dizer isso, escusava de ter subido à tribuna, bastava virar-se para o seu lado direito e segredar ao ouvido

do Sr. Ministro da Defesa Nacional que este Orçamento não serve «nem o avô nem o bebé».

Não serve, sobretudo, o País, nem os portugueses.

Sr. Ministro das Finanças, durante três semanas, debatemos, em sede da Comissão de Economia e Finanças, o Orçamento do Estado e, sistematicamente, o senhor fugiu à

resposta a uma pergunta muito simples e concreta. E já na parte final, o senhor afirmou, a propósito de uma outra questão, que só tinha explicado determinados assuntos

relativos à trapalhada do IRS por só naquela altura lhe terem feito a pergunta. Por isso, vou fazer-lhe uma pergunta muito clara, para o senhor informar não a bancada do PCP

mas o País, que nos ouve e que tem interesse em ser esclarecido. Sr. Ministro, quais são, afinal, as medidas extraordinárias de que o senhor se vai servir para equilibrar e

«martelar» o défice abaixo dos 3%?

O que é que o senhor vai vender afinal? Por quanto é que vai vender? A quem é que vai vender? Qual é o património que o senhor está disposto a alienar para equilibrar o

défice público?

O País está à espera da resposta. Sr. Ministro, uma outra questão que eu gostaria de colocar tem a ver com a inflação virtual de 2% que o senhor propõe. É certo que o

senhor, durante estas três semanas de debate, já admitiu, face às previsões internacionais, que, se calhar, a inflação seria de 2,5%, que poderia atingir os 2,5%. A primeira

questão, aliás, en passant, seria esta: como é que o senhor compatibiliza esta margem de 2,5% com o facto de, no Orçamento, as actualizações dos escalões do IRS ou das

deduções à colecta se manterem rigorosamente nos 2%? Mas a questão central é outra, Sr. Ministro, é a dos vencimentos da Administração Pública, dos salários da função

pública. É verdade que o senhor quer manter artificialmente os 2% como limite da sua inflação virtual para conter os salários abaixo daqueles que serão os valores reais da

inflação.

Importava que o senhor nos confirmasse, pelo menos, duas coisas. Confirma, ou não, que vai voltar a haver perda de poder de compra dos funcionários públicos caso os

aumentos que se vierem a verificar forem apenas de 2%? E, admitindo, como o senhor já começa a reconhecer, que a inflação real será, de facto, de 2,5%, o senhor está

pronto a assumir nesta Casa e perante o País que vai proceder a uma revisão extraordinária dos salários dos funcionários públicos para absorver a inflação real que se vai

verificar em 2005? Diga aqui se está ou não disposto a assumir este compromisso.