Grandes Opções do Plano e Orçamento do Estado para 2005 (pergunta ao Primeiro- Ministro)
Intervenção de Carlos Carvalhas
17 de Novembro de 2004

 

 

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

O Orçamento que aqui nos apresentou é um Orçamento virtual.

O Sr. Primeiro-Ministro, neste último fim-de-semana, como Presidente do seu partido, decretou que a austeridade acabava, tal como o seu antecessor — faz um ano mais ou

menos por esta altura — ao afirmar que «o pior já passou».

 

Foi o que se viu.

 

O Sr. Primeiro-Ministro, com grande probabilidade, com grande certeza, não vai faltar à verdade em relação à banca, que continua a ter taxas de lucro de seis, sete ou oito

vezes superiores à taxa de inflação, nem em relação às empresas que fazem parte do PSI 20, nem em relação aqueles assessores ministeriais que ganham mais do que o

Sr. Presidente da República, para já não falar naquela assessora da LUX, nem em relação à clientela do PSD, nem, com certeza, em relação àqueles que têm cartão

«laranja» e são gestores de empresas públicas, porque, para esses, o fim da austeridade certamente que não se coloca. Sabe porquê, Sr. Primeiro-Ministro? Porque nunca

houve início de qualquer austeridade, foram tempos de «tripa forra» e de acumulação.

 

Sr. Primeiro-Ministro, será que vai chegar o fim da austeridade para os 500 000 desempregados?

 

Para aqueles que têm reformas de miséria? Para as centenas de milhar de pobres? Para aqueles que ganham o rendimento mínimo garantido ou o rendimento mínimo de

inserção? Para esses vai acabar a austeridade? Com franqueza, Sr. Primeiro-Ministro, vai acabar a austeridade? Vai acabar a austeridade para os trabalhadores da

SOREFAME, a quem o Governo prometeu resolver o problema mas têm de continuar, nesta altura, a fazer vigílias em frente do Ministério das Obras Públicas, Transportes e

Comunicações?

Vai acabar a austeridade para os pequenos e médios vinhateiros do Douro, em relação aos quais o Sr. Primeiro-Ministro, aqui, em debate comigo, disse que ia ter uma

atenção especial, no que diz respeito ao quadro institucional do Douro e, até agora, não avançou com nada, sendo que o seu problema é grave?

 

A austeridade vai acabar para os trabalhadores da Administração Pública, que estiveram anos a fio com diminuição de salários reais e para os quais o Sr. Primeiro-Ministro

apresenta um aumento baseado numa taxa de inflação virtual?

Ou acredita que os portugueses, sobretudo aqueles que vivem de baixos rendimentos e trabalham por conta de outrem, vão sair da austeridade com a tal diminuição do IRS,

que, em grande parte, fica cativado no próximo ano para ter algum desafogo em 2006, que, por acaso, como já foi aqui dito, é ano de eleições?

 

Sr. Primeiro-Ministro, para estes, infelizmente, a austeridade vai continuar, e esses são a maioria do País.

Sr. Primeiro-Ministro, o Orçamento do Estado é virtual porquê?

 

A taxa de inflação é virtual, servindo apenas de tecto às negociações salariais da Administração Pública e também como indicativo às negociações privadas.

 

Mas o Orçamento do Estado não é apenas virtual em relação à taxa de inflação, é também virtual em relação à própria taxa de crescimento económico, com a qual o Sr.

Primeiro-Ministro agora aqui se vangloriou dizendo que estamos a crescer acima da média. Sr. Primeiro-Ministro, vamos continuar abaixo da média europeia até 2005, vamos

continuar a afastar-nos até 2006, vamos continuar a divergir. Trata-se de uma taxa de crescimento frágil, que, no fundamental, assenta no investimento público, e nós

sabemos que este investimento público também é virtual, porque depende muito daquilo que for realizado. Sabemos que há cativações de 21,4% e que há despesas

correntes que, por truque contabilístico, estão deslocadas e diferidas para investimento, como é o caso das dos institutos universitário, e, portanto, não há qualquer

garantia.

 

Aliás, o Sr. Primeiro-Ministro já verificou, como qualquer observador da economia portuguesa, que há um crescimento. E este crescimento traduz-se imediatamente em quê?

Traduz-se imediatamente num défice externo e na dívida externa. E porquê? Por que é que há a substituição crescente da produção nacional pela produção estrangeira?

 

Porque devia ter sido feita alguma coisa para diminuir o défice energético, o défice tecnológico e o défice da nossa balança agro-industrial, porque os principais centros de

decisão externos vão caindo paulatinamente na posse do capital estrangeiro.

 

O Sr. Primeiro-Ministro não se interroga nem se preocupa pelo facto de Portugal já não ter hoje uma indústria metalomecânica pesada?! Não se preocupa com isso?!

 

Sr. Primeiro-Ministro, este Orçamento do Estado é virtual e o País não pode viver com orçamentos virtuais. O País não é uma «Quinta das Celebridades», quer elas se juntem

na tal quinta, quer se juntem no tal barco da Marinha, com as celebridades ministeriais de boné e pala. Assim não vamos lá, Sr. Primeiro-Ministro!