PCP apresenta 90 propostas de alteração
ao articulado do Orçamento de Estado para 2004
Conferência de Imprensa do Grupo Parlamentar do PCP
12 de Novembro de 2003
O debate do Orçamento do Estado para 2004, tanto na generalidade como
ao longo das reuniões da Comissão de Economia e Finanças,
confirmou que a Proposta de Lei apresentada pelo Governo é um exercício
de uma gritante falta de rigor, com projecções manipuladas, que
introduz novos e preocupantes factores de injustiça social, feito para
servir os mais poderosos, desresponsabilizante do Estado em matéria das
funções sociais que lhe cumpre assegurar, que não constitui
um instrumento para ajudar o País, a economia e as empresas a saírem
da crise.
E de tal modo é assim que o Governo já se viu, apesar das múltiplas
contradições em que navegou, obrigado a recuar em duas das suas
opções orçamentais: enquanto o Ministro da Economia afirmava
a sua insensibilidade perante o fim dos incentivos ao investimento nas áreas
do interior do País a Ministra das Finanças e a maioria PSD/CDS-PP
foram obrigados a prometer a reposição, para aqueles casos, do
regime revogado de uma tributação mais baixa de IRC. E apesar
da Ministra das Finanças ter anteriormente afirmado, em resposta ao PCP,
estar a cumprir a Lei das Finanças Locais a verdade é que, a fazer-se
fé nas conclusões da reunião que teve com a ANMP e relatada
por esta, foi igualmente obrigada a prometer alterar a proposta de lei do OE
aumentando as transferências para os municípios e freguesias e
modificando a discricionariedade em que pretendia envolver as autorizações
para os municípios portugueses poderem recorrer ao crédito para
fazerem face às suas contrapartidas em projecto de investimento apoiados
por fundos comunitários. Mesmo em relação ao combate à
fraude e à evasão fiscal a Ministra das Finanças foi igualmente
obrigada a reconhecer, no quadro da interpelação que foi alvo
pelo PCP que, da parte do Governo não tinha havido nenhum esforço
para concretizar o cruzamento de dados entre a Administração Tributária
e a Segurança Social.
Sendo um Orçamento que não serve o País, o que justificou
o voto contra do PCP, nem por isso nos demitimos de apresentar propostas procurando
diminuir o impacto das negativas opções do Governo designadamente
em matéria de agravamento da tributação fiscal em IRS e
de um mais justo aumento das tabelas salariais dos trabalhadores da Administração
Pública.
Apresentamos assim (sem contar com as propostas de alteração
à distribuição regional do PIDDAC) 90 propostas de alteração
ao articulado e mapas do Orçamento do Estado para 2004, de que destacamos
as seguintes:
Na Educação
- 9 milhões de euros da dotação provisional para o ensino
do Português no estrangeiro;
- reforço de 29,6 milhões de euros para o Ensino Superior Público
Universitário e de 16,2 milhões de euros para o Ensino Superior
Politécnico, para evitar a sua ruptura financeira.
Na Investigação Científica
- Reforço de 2 milhões para 10 milhões de euros das
dotações para os onze Laboratórios do Estado cuja situação
é de ruptura devido aos cortes orçamentais;
- Reforço de 1,3 milhões de euros das verbas afectas ao Laboratório
Nacional de Engenharia Civil;
- Reposição do regime de autonomia financeira para os seguintes
Laboratórios do Estado: LNEC; INETI; INIAP; LNIV; IGP; IM; IICT; ITN
e MNCT.
Política de juventude e Movimento Associativo
- Reforço das verbas para o movimento associativo no âmbito
do Instituto Português da Juventude, no apoio a equipamentos e colectividades
desportivas;
- Reforço de 7 milhões de euros bem como nos incentivos ao
arrendamento jovem, repondo os valores inscritos no OE 2003;
- Criação de uma linha de crédito jovem para a habitação.
Cidadãos com deficiência
- Criação de dois programas específicos para remoção
das barreiras arquitectónicas no acesso aos espaços públicos
e para a adaptação de postos de trabalho na Administração
Pública.
Comunidades Emigrantes
- Reforço das dotações para o funcionamento do Conselho
das Comunidades Portuguesas, em 70 mil euros;
- Reforço das dotações para o recenseamento eleitoral
e para o recenseamento da população portuguesa no estrangeiro;
Combate aos Fogos Florestais e Protecção Civil
- Aquisição de um segundo hospital de campanha para os serviços
de protecção civil;
- Reforço de 3,5 milhões de euros para a Escola Nacional de
Bombeiros;
- Mais 7,5 milhões de euros para reequipamento e reposição
de viaturas acidentadas;
- 5 milhões de euros para a melhoria da actividade dos bombeiros no
combate aos fogos florestais de acordo com as acções elencadas
no Livro Branco sobre os Fogos Florestais;
- 5 milhões de euros para a renovação dos sistemas de
comunicações das corporações dos bombeiros;
- Criação do Observatório Nacional Permanente para os
Incêndios Florestais, estrutura prevista no Livro Branco mas ausente
da proposta de Orçamento do Estado;
- Criação de novos centros de produção de bio-massa
para ajudar à retirada de material combustível das florestas;
Capacidade de fiscalização das fronteiras marítimas
- Reforço dos meios de fiscalização do mar territorial
e da zona económica exclusiva do País para fazer face às
decisões de Junho de 2003 do Conselho Europeu da Agricultura e Pescas
de abertura das chamadas águas ocidentais e aos acordos bilaterais
assinados entre os governos português e espanhol;
Aproveitamento da capacidade instalada da indústria nacional
- Garantir a transferência das verbas necessárias ao exercício
dos direitos de opção detidos pela CP e pelo Metropolitano de
Lisboa referentes à construção de material circulante
ferroviário pela indústria portuguesa de modo a impedir a ruptura
da empresa Bombardier (ex-Sorefame).
Nas Finanças Locais e quanto às Regiões Autónomas
- Cumprimento da Lei de Finanças Locais no que se refere à
inclusão de mais 41,9 milhões de euros nas verbas a transferir
a título da participação dos municípios e freguesias
nos impostos do Estado referente ao valor da receita fiscal arrecadada no
âmbito do perdão fiscal de 2002 (1 026 milhões de euros)
e cujo cálculo foi inicialmente furtado ao conhecimento da ANMP;
- Excepcionar do limite ao endividamento municipal dos valores referentes
ao financiamento de projectos com comparticipação de fundos
comunitários, de programas para a construção de habitação
social e ainda para fazer face à reconstrução e reabilitação
de infraestruturas, habitações e edifícios de apoio às
actividades económicas afectadas pelos incêndios florestais de
2003;
- Compensar os municípios, até ao final do primeiro trimestre
de 2004, dos valores do imposto municipal de sisa, nos termos da Lei n.º
14/2003 de 30 de Maio;
- Aumento de 20 milhões de euros para 25,2 milhões de euros
da verba a transferir para o Governo Regional dos Açores para reconstrução
das habitações afectadas pelo sismo de 1998 nas Ilhas do Faial
e do Pico;
- Excepcionar do limite de endividamento das Regiões Autónomas
dos empréstimos e respectivas amortizações destinados
a programas de habitação social, ao financiamento de projectos
com comparticipação de fundos comunitários e à
comparticipação regional na reconstrução das Ilhas
do Faial e do Pico.
Na Segurança Social
- Alteração do quadro de escalões e respectiva percentagem
para as pensões mínimas de invalidez e velhice de modo a acelerar
o processo de convergência das pensões mínimas com o salário
mínimo. Assim, os pensionistas com menos de 15 anos de carreira contributiva
passariam desde já a ter um valor de pensão igual a 65% do SMN,
adequando-se todos os restantes valores a esta progressão;
- Fixar, respectivamente, em 50% e 60% do valor do SMN os valores da pensão
social e da pensão do regime especial das actividades agrícolas;
- Fixação de novos montantes para o subsidio familiar a crianças
e jovens e para a respectiva bonificação por deficiência,
garantindo apoios mais justos para as famílias de menores rendimentos
e com mais filhos;
- Fixar em 2 pontos percentuais do valor correspondente à quotização
dos trabalhadores por conta de outrem, nos termos da lei, a transferência
para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança
Social o que representa um aumento dos 120 milhões de euros previstos
para 614,8 milhões de euros;
- Reforço de 30 milhões de euros para o subsidio de doença
e de 9 milhões de euros para o Rendimento Social de Inserção;
Trabalhadores da Administração Pública
- Em 2004 nenhum aumento da tabela salarial deverá ser inferior à
diferença registada nos últimos três anos entre os incrementos
verificados e a inflação registada.
Fiscalidade
IRS – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares
- Não incidência do IRS sobre as bolsas atribuídas aos
praticantes de alta competição;
- Não incidência do IRS sobre os rendimentos de trabalho dependente
dos trabalhadores estudantes desde que os rendimentos colectáveis não
excedam o valor anual do SMN;
- Criação de uma nova tabela dos rendimentos anuais colectáveis
para efeitos de IRS beneficiando os rendimentos mais baixos e criando-se dois
novos escalões para os rendimentos mais elevados, entre 53 mil e 100.000
euros (taxa de 40%) e superior a 100.000 euros (taxa de 45%), acentuando-se
a progressividade do imposto;
- Actualização dos abatimentos e deduções à
colecta em 2,5% (intervalo superior da variação da taxa de inflação
prevista pelo Governo para 2004), valor mais adequado a todas projecções
conhecidas;
- Introdução, como dedução à colecta,
de 25% das despesas suportadas com o pagamento de rendas de habitação
suportadas por estudantes, desde que fora da sua área de residência
normal, com o limite de 100 euros;
- Reposição da tributação das mais valias.
IRC – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas
- Reposição dos incentivos ao investimento como instrumento
de apoio ao combate à desertificação e de recuperação
do desenvolvimento nas áreas do interior, abrangendo as áreas
e sectores deprimidos definidos no PRASD – Programa para a Recuperação
das Áreas e Sectores Deprimidos. Assim, a taxa de IRC é fixada
em 20% para as entidades cuja actividade principal se situe no âmbito
do PRASD e de 15%, nos primeiros cinco exercícios de actividade, para
o caso de instalação de novas entidades, sendo obrigatório
para efeitos de acesso a estes benefícios que os investimentos previstos
dêem lugar à criação liquida de postos de trabalho
sem termo;
- Fixação de uma taxa reduzida de IRC – 15% - para as
micro-empresas;
- Pagamento Especial Por Conta: Diminuição do limite mínimo
do PEC para € 498,80 (colocando-o ao nível de 2002) com reembolso
do excedente, no máximo, no exercício seguinte ao montante apurado
na declaração periódica de rendimentos;
- Regime Simplificado de Tributação: Reposição
do limite mínimo num montante igual ao valor anual do Salário
Mínimo Nacional, em vez dos € 6250 fixado no OE 2003;
- Publicação, até 31 de Março de 2004, da legislação
complementar à reforma fiscal visando o estabelecimento dos indicadores
objectivos de base técnico-científica para os diferentes sectores
da economia para efeitos de aplicação do regime simplificado
e das médias dos rácios de rentabilidade das empresas para efeitos
de reembolso do PEC;
- No que se refere às instituições bancárias
determinação de limites para as provisões bem como para
a determinação dos custos dos fundos utilizados no financiamento
de carteiras de títulos beneficiados por isenções fiscais;
eliminação da isenção de Contribuição
Autárquica para os prédios afectos às sucursais de instituições
de crédito instaladas nas zonas francas; definição de
normas fixando limites aos custos financeiros debitados pela sede às
sucursais de instituições bancárias, entre outras, com
vista a regulamentar as possibilidades de deduções aos lucros
que vigorando no sistema fiscal permite que os bancos tenham taxas de tributação
efectiva muito inferiores à generalidade das empresas e à taxa
nominal de IRC;
IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado
- Possibilidade de dedução para efeitos de IVA do imposto pago
em despesas profissionais de alojamento e de alimentação contratualizadas
com agências de viagens ou empresas de hotelaria e restauração;
- Reposição da taxa reduzida de 5% para o gás de cidade
e para o gás de “garrafa” que o Governo pretende passar
para a taxa máxima de 19%;
- Inclusão os instrumentos musicais na taxa reduzida do IVA;
Estatuto dos Benefícios Fiscais
- Actualização em 2,5% dos benefícios fiscais para os
cidadãos deficientes e contas poupança-habitação,
poupança-educação e poupança-reformados que o
Governo não actualiza;
- Eliminação dos benefícios fiscais nos planos poupança-acções;
- Revogação dos benefícios fiscais para as actividades
financeiras sediadas na zona franca da Madeira e que não se têm
traduzido em nenhuma mais valia nem para a Região nem para o País,
como ainda recentemente foi revelado pela auditoria da Inspecção
Geral de Finanças e segundo a qual 50% das empresas são empresas-fantasma
(não declaram qualquer volume de negócios para efeitos de IVA)
e 42,5% não apresentam declaração periódica de
rendimentos para efeitos de IRC;
- Aumento de € 50 para € 100 da possibilidade de dedução
à colecta do IRS do IVA suportado nas despesas de alimentação
e bebidas, reparações de equipamentos domésticos e reparações
de veículos;
- Revogação dos benefícios fiscais concedidos aos dividendos
de acções adquiridas em processos de privatizações
e OPV’s;
- Antecipação para 31 de Dezembro de 2003 da cessação
dos benefícios fiscais às sociedades de gestão e investimento
imobiliário previstos até 31/12/2005 (IRC reduzido e isenção
de sisa na aquisição de bens imóveis e de contribuição
autárquica);
Sigilo Bancário
- Definição, até 31 de Março de 2004, das regras
necessárias para que a Administração Tributária
tenha acesso às informações protegidas por sigilo bancário.
Combate à fraude e evasão fiscal
- Até 31 de Março de 2004 determinação para que
o Governo proceda ao cruzamento de dados entre a Administração
Tributária e a Segurança Social, subordinado a parecer prévio
da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais.
Esta última proposta, feita no Orçamento do Estado tem como finalidade
contribuir para a aceleração de uma medida que é essencial
para o combate à fraude e evasão fiscal. Caso, entretanto, a opção
seja a de se legislar através da aprovação de uma lei específica,
então o Grupo Parlamentar do PCP apresenta também, e desde já,
um Projecto de Lei visando o mesmo fim.
Com este projecto de lei propomos a criação de duas bases de
dados, da Segurança Social e da Administração Tributária
(sob a responsabilidade, respectivamente, do Presidente do Instituto de Gestão
Financeira da Segurança Social e do Director-geral dos Impostos) com
a finalidade de acompanhar e fiscalizar o cumprimento das obrigações
dos contribuintes. Todos os dados dos contribuintes da Segurança Social
e com deveres tributários serão integrados naquelas bases de dados,
preenchendo-se uma lacuna existente no sistema contributivo em Portugal e que,
apesar das promessas públicas e de algumas tentativas em curso nos respectivos
serviços, estão longe de corresponder às necessidades de
combate à evasão fiscal e de contribuições para
a Segurança Social que estima-se que montem a cerca de 10 mil milhões
de euros no primeiro caso e a cerca de 2,5 mil milhões de euros quanto
à Segurança Social.
No que se refere à Base de Dados da Segurança Social a Administração
Tributária enviará, no final do segundo trimestre de cada ano
e referente ao ano anterior, a listagem completa das pessoas colectivas com,
entre outros dados, a informação das remunerações
constantes da declaração anual entregue por cada um com vista
ao cruzamento de informação com os valores declarados pelo contribuinte
à Segurança Social. A Administração Tributária
informará também a Segurança Social, nos trinta dias seguintes
ao evento, do início de actividade de qualquer pessoa singular ou colectiva.
Por sua vez todos os organismos da Administração Pública
com incidência tributária ficam obrigados a fornecer à Base
de Dados da Administração Tributária todos os dados e informações
relevantes em matéria fiscal e patrimonial.
As duas bases de dados, que serão acompanhadas e fiscalizadas pela
Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais terão
âmbito nacional e integrado e um campo comum com a indicação
do número de identificação fiscal através do qual
se procede ao cruzamento de informações. Anualmente serão
apresentados à Assembleia da República relatórios sobre
a execução da lei.
Com estas propostas o PCP está em condições, desde já
no Orçamento do Estado ou num agendamento com carácter de urgência
das iniciativas legislativas existentes, de participar e contribuir positivamente
para medidas que atacando o escandaloso volume de evasão e fraude fiscal
alarguem a base tributária interrompendo assim os sucessivos pretextos
do Governo para penalizar o investimento público e os salários
dos trabalhadores como forma de equilíbrio das contas públicas.
Ao contrário do que afirma a Ministra das Finanças o País
tem, claramente um problema de receita. E pode resolvê-lo com as propostas
que apresentamos.