Orçamento de Estado para 2003 (encerramento do debate na generalidade)
Intervenção do Deputado Bernardino Soares
24 de Outubro de 2002

 

Senhor Presidente,
Senhor Primeiro Ministro
Senhores Membros do Governo
Senhores Deputados

Ao longo deste debate na generalidade do Orçamento de Estado e das grandes Opções do Plano para 2003 o Governo tentou mas não conseguiu, manifestamente, esconder nem desmentir várias questões.

Não conseguiu esconder nem desmentir que a sua política não incorpora qualquer intenção de lutar na União Europeia por uma alteração ao quadro irracional imposto pelo Pacto de Estabilidade ao nosso país.

Não conseguiu esconder nem desmentir a contradição entre o valor do défice inscrito no relatório do Orçamento de Estado – de 2,4% - e aquele que efectivamente resulta dos mapas que o Governo propõe à Assembleia – de 3%. Diz o Governo que a diferença se refere às cativações do PIDDAC, da Lei de Programação Militar, dos Abonos, das Despesas em Bens e Serviços e da Dotação Provisional, isto é, que a diferença diz respeito a verbas cuja utilização a Ministra das Finanças não autorizará.

Não se percebe então porque constam elas nos orçamentos sectoriais e são até exibidas como troféus por alguns ministros, como o da Defesa, se bem que não convencendo muitos destinatários como os acontecimentos dos últimos dias provaram.

Sejamos claros! O que há aqui é um truque orçamental, para facilitar ao Governo a discussão política nalguns sectores, e ao mesmo tempo, apresentar um número do défice consentâneo com a sua própria submissão obediente aos puxões de orelhas do Comissário espanhol Pedro Solbes.

A maioria repetiu durante o debate que as medidas orçamentais restritivas são para cumprir o défice, mas são também para assegurar o rigor. Ironicamente é precisamente na contabilização do défice que o rigor cede ao artifício grosseiro que o Governo quer que a Assembleia da República sancione.

O Governo não conseguiu esconder nem desmentir, apesar dos seus abnegados esforços, e dos deputados do PSD Madeira, que as suas opções comportam uma situação de excepção e favorecimento político para a Região Autónoma da Madeira, correspondendo no mínimo, ao nível de endividamento que Alberto João Jardim exigia. Não consegue esconder a discrepância entre a execução orçamental da Madeira – que lembre-se atingiu o espantoso desempenho de 145,3% – e a execução orçamental do resto do país em 2002, no que diz respeito ao investimento.

E nem se argumente que o investimento na Região Autónoma da Madeira também é investimento nacional. Não é isso que está em causa; o que está em causa é uma excepção, num quadro geral de restrição, baseada não em critérios de desenvolvimento harmonioso do todo nacional, mas numa escandalosa negociação política com vista a assegurar os votos do PSD Madeira e o apoio do seu presidente.

O Governo não conseguiu esconder nem desmentir que o orçamento proposto traz consigo um agravamento da carga fiscal para os trabalhadores por conta de outrem, com a actualização de apenas 2% nos escalões do IRS e nos abatimentos e deduções à colecta, que acresce ao aumento do IVA e que, tal como o agravamento das exigências fiscais às pequenas empresas, contrasta com o aumento dos benefícios e das isenções para as actividades financeiras e especulativas.

O Governo não conseguiu esconder ou desmentir que este orçamento agrava as assimetrias regionais, prejudicando mais uma vez o interior. Tanto é assim que aumenta o peso no PIDDAC dos distritos do litoral, ao mesmo tempo que nestes distritos se verifica uma execução orçamental em 2002 em média de 62%, contra apenas 43% do interior.

O Governo não conseguiu esconder nem desmentir a sua opção pelo corte na despesa social e pela recusa de uma política assente no desenvolvimento e qualificação, em que avultam os cortes orçamentais na educação, na saúde e o significativo desinvestimento na ciência. Assim se vê que não têm qualquer fundamento na realidade as pias declarações do primeiro-ministro sobre a competitividade e o desenvolvimento.

O Governo não conseguiu esconder nem desmentir que os aumentos de pensões anunciados, tal como demonstrámos, conseguem ser inferiores aos baixos aumentos dos últimos anos, estão aquém do que dispõe a actual Lei de Bases e não vão além de valores que oscilam entre 27 e 39 cêntimos por dia.

Além do mais este aumento não tem nada a ver com as promessas, de Durão Barroso nem de Paulo Portas de que as pensões seriam iguais ao salário mínimo nacional.

E mesmo que agora reconvertam o discurso, depois do efeito propagandístico do anúncio de anteontem, referindo-se somente a uma parte das pensões do regime geral, a verdade é que mesmo nestas tal objectivo está longe de ser alcançado.

Estamos, pois, perante uma intolerável campanha demagógica que utiliza as necessidades dos reformados e pensionistas como arma de arremesso de uma propaganda completamente falsa. E que tenta responder as criticas do PCP, dizendo que é fácil o leilão das propostas, escamoteando que o que há é opções opostas, e que o Governo não optou por beneficiar como mereciam e como era possível os reformados e pensionistas.

Lembrando a fábula ontem utilizada, da lebre e da tartaruga, pode dizer-se que o que o Governo propõe neste orçamento é que as pensões e reformas avancem a passo de tartaruga, e que os benefícios fiscais à banca e às actividades especulativas cresçam a passo de lebre.

Mas ainda sobre as matérias da Segurança Social o Ministro Bagão Félix usou ontem da mais intolerável demagogia.

Neste orçamento o governo não cumpre a Lei de Bases da Segurança Social ao não transferir para o Fundo de Capitalização Pública, que tem como objectivo assegurar “a cobertura das despesas previsíveis com pensões por um mínimo de dois anos”, o mínimo de dois pontos percentuais das cotizações dos trabalhadores. Faltam 30 milhões de contos.

E é falso, totalmente falso, que o cumprimento da Lei de Bases da Segurança Social ponha em causa o valor das pensões de reforma. Pelo contrário. Os aumentos das pensões estão assegurados pelos próprios saldos, que são excedentários, do subsistema previdencial e pelas transferências do Orçamento de Estado, não tendo nada a ver com as transferências para o Fundo de Capitalização.

O Governo está de novo a voltar ao tempo em que as contribuições dos trabalhadores serviam para financiar os regimes não contributivos e a acção social, que devem ser asseguradas pelas transferências do Orçamento de Estado.

Isto é, a política do Governo está de novo a percorrer o caminho da descapitalização da segurança social, para no futuro relançar a campanha da sua falência, e melhor poder justificar a privatização de uma parte do sistema público em benefício dos Fundos de Pensões.

Também os trabalhadores da Administração Pública são sacrificados neste Orçamento. O Governo elegeu-os como suas vítimas.

No aumento da tabela salarial com o diktat da Ministra das Finanças, ou aceitam 1,5% ou não há nada, quando o próprio governo propõe uma inflação de 2,5%. É de novo a perda brutal do poder de compra através da diminuição dos salários reais.

Mas também nas reformas. O Governo altera a fórmula de cálculo e introduz uma fortíssima penalização das reformas antecipadas, cujo efeito conjugado pode levar a diminuições superiores a 30%, contra todas as expectativas e direitos criados, e voltando costas grosseiramente ao direito de negociação dos trabalhadores e dos seus sindicatos.

É uma política de afronta aos direitos dos trabalhadores da administração pública e ao mesmo tempo um aval ao grande patronato sem escrúpulos para que, no sector privado prossiga a sua política de exploração e diminuição dos direitos.

Não deixaremos de apresentar na especialidade propostas visando limitar os aspectos mais gravosos deste Orçamento. Mesmo sabendo da pouca disponibilidade até agora mostrada pela maioria.

Mas não temos dúvidas que estamos perante um orçamento que não resolve os problemas do presente e que agrava as perspectivas de futuro; que agrava a nossa situação económica; que agrava a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres; que compromete o desenvolvimento do país.

É um orçamento que só pode merecer a nossa firme oposição