Intervenção do Deputado
Agostinho Lopes
Orçamento do Estado para 2002
( declaração final )
30 de Novembro de 2001
Senhor Presidente
Senhor Primeiro-Ministro
Senhores Membros do Governo
Senhoras e Senhores deputados
Não foi para nós, Grupo Parlamentar do PCP, este, o debate que acabamos de travar sobre as Grandes Opções do Plano(GOP) e o Orçamento do Estado para 2002 (OE/2002) um "debate a fingir de sério", um "ritual parlamentar", ou um "jogo de oratória".
Não. Nós, não fazemos do OE um mero exercício de contabilidade pública, nem das GOP numa inofensiva síntese das boas intenções e de planos perdidos do Governo.
Não, este como outros Orçamentos, estabelece opções estratégicas para o País, concretiza políticas, determina orientações para o investimento público e para a redistribuição da riqueza nacional. Opta entre interesses económicos e sociais, divergentes e contraditórios. Faz opções de classe.
No debate e votações que acabamos de fazer estiveram presentes em sentidos diversos, as recentes lutas dos trabalhadores portugueses em particular as concentrações e manifestações de 7 de Novembro por melhores salários e a qualidade do emprego. As lutas dos estudantes do ensino superior que vieram até nós reclamar meios para uma Universidade melhor. As lutas dos reformados contra as pensões degradadas e por aumentos adequados. E com muita força, as lutas dos trabalhadores da Função Pública.
Mas também as preocupações de importantes sectores do pequeno e médio empresariado português, pelo abocanhar das margens de lucro e do mercado pelos grandes grupos da distribuição e da finança. Pelas políticas económicas do Governo. Estiveram presentes no debate as 191 514 assinaturas de portugueses que reclamam melhores salários.
A estas lutas e preocupações correspondeu o PCP com inúmeras propostas de alterações. Para procurar garantir que os trabalhadores da Função Pública vissem valorizados os seus vencimentos, e não registassem pelo 3º ano consecutivo uma perda do poder de compra. Para assim se definir também para 2002 um referencial que significasse um aumento real nos salários dos trabalhadores portugueses. Propostas para uma revalorização das pensões de reforma. Propostas para reforçar os recursos financeiros do ensino superior público e da Acção Social Escolar permitindo que as bolsas de estudo fossem pagas 11 meses por ano.
Propostas para corrigir e melhorar o PIDDAC.
Propostas para garantir um Serviço Nacional de Saúde Público, de qualidade e com meios suficientes, opondo-nos aos processos em curso de privatização de um importante conjunto de hospitais. Propostas para travar a contra reforma fiscal presente na proposta de Orçamento do Estado, assegurando os princípios de justiça e de equidade fiscal consignadas na Lei aprovada ainda não há um ano nesta Assembleia da República.
A estas e a muitas outras propostas para defender os interesses dos trabalhadores, dos reformados, e da generalidade do povo português, o Grupo Parlamentar do PS disse NADA. Salvou-se apenas a proposta que compromete o Governo no aumento gradual e progressivo das comparticipações do regime/geral para as próteses, ortóteses e ajudas técnicas equiparando-as às da ADSE.
Mas também as pressões e chantagens dos grandes grupos financeiros, em defesa dos seus interesses, estiveram presentes, e de que forma, no debate orçamental. A batalha contra a reforma fiscal, iniciada logo que esta Assembleia a aprovou. A batalha pela desregulamentação do mercado de trabalho e pela privatização de funções e sectores do Estado. Recordamos "Uma Nova Ambição para Portugal", divulgada por uma Associação Empresarial com pompa e circunstância em vésperas do debate orçamental, e onde se lançou o apelo ao "emagrecimento" do Estado, com o despedimento de 150 mil trabalhadores da Função Pública e onde se defendeu não dever existir "receio de aumentar o desemprego".(sic).
A estas "lutas" e reclamações, do grande patronato o Governo e o PS disseram TUDO. É ver como o Grupo Parlamentar do PS confirmou e consolidou em sede de debate na especialidade com dezenas de novas propostas, corrigidas às vezes uma e duas vezes, a contra reforma fiscal.
São razões da nossa profunda crítica, da nossa radical oposição a estas GOP e ao OE, alguns outros aspectos que queremos ainda salientar.
A perversidade política, económica e orçamental que o Pacto de Estabilidade, que enquadra a elaboração deste Orçamento, introduz na transparência das contas públicas, no empolamento de cenários económicos, irrealistas e fantasiosos, no iludir dos problemas financeiros de médio e longo prazo para o País, através da desorçamentação sistemática, explicitada ou não; a manipulação de números e indíces para que todos nos convençamos que tudo corre pelo melhor no melhor dos Mundos. E também no milagre da multiplicação dos orçamentos rectificativos...
A constatação de um Orçamento que agrava as desigualdades sociais e assimetrias regionais, e não responde aos problemas centrais da economia nacional, e, em particular, dos sectores produtivos.
Um Orçamento que afirmamos não corresponder ao que a propaganda do Governo e do PS dele proclama. Não é um OE virado para o social, como os valores das pensões e das reformas para 2002 decididas pelo Governo já em pleno debate orçamental bem demonstraram.
Não é um OE virado para privilegiar o transporte ferroviário quando, simultaneamente, o Governo pretende alijar para os privados e as autarquias 800 Km de linha e manter sem investimento suficiente importantes eixos e malhas da rede ferroviária.
Não é um Orçamento virado para o interior e o mundo rural,
como resulta claro da distribuição das verbas do PIDDAC e do III
Quadro Comunitário de Apoio, e das políticas e orientações
de investimento do Ministério da Agricultura.
Um Orçamento com um PIDDAC, verdadeira gelatina em plano inclinado, deslizando
de ano para ano, paralisando e adiando investimentos estruturantes e nucleares
para a defesa da qualidade de vida dos portugueses, e capazes hoje e no médio
prazo assegurarem um futuro independente para o País. Um investimento
que em parte substancial o Estado não orienta, não projecta, antes
segue ao ritmo dos impulsos de um investimento privado de que nem o Governo
se atreve a quantificar a evolução.
Um investimento público conduzido pelas forças do mercado, reproduzindo desigualdades e assimetrias, sem qualquer papel eficaz no ordenamento do território e nas respostas aos défices estruturais da economia portuguesa, na produção na energia e no desenvolvimento tecnológico. E simultaneamente um OE cujas opções de investimento continuam a privilegiar os grandes grupos económicos, em prejuízo dos micro, pequenos e médios empresários, continua a privilegiar o capital financeiro e imobiliário ao capital produtivo.
Mas é um Orçamento que insiste na privatização de empresas públicas e funções do Estado. O Governo PS não tira ilações com as falências de empresas públicas privatizadas que vem acontecendo em vários países. Não reflecte no plano interno sobre a falência da reestruturação de empresas como a CP e outras. Privatizações que solucionando problemas da dívida pública, ajudando ao cumprimento do Pacto de Estabilidade, retiram ao Estado meios financeiros, instrumentos de intervenção económica e de ordenamento do território. Privatizações que continuam a constituir um mecanismo privilegiado para a concentração da riqueza e de rendimentos. Que estão a criar inaceitáveis assimetrias no direito de todos os portugueses ao acesso a serviços públicos e bens essenciais, de qualidade, e qualquer que seja o ponto do espaço nacional em que vivam.
É um Orçamento que procura na conjuntura económica que o país e o mundo atravessam garantir que os grandes interesses económicos e financeiros serão salvaguardados, tendo como contrapartida lógica necessariamente sacrifícios das camadas laboriosas do País, das políticas sociais, do investimento produtivo e com infraestruturas.
Este, como os anteriores OE(s), do Governo PS servem a mesma política de direita. E não havendo "novidade", há uma evidência que este OE faz explodir. A evidência de que quem comanda a política económica neste País, não é o Governo, não é a Assembleia da República, mas a oligarquia dos grandes grupos financeiros portugueses. A demonstração dessa evidência chama-se contra reforma fiscal. Estivemos com a reforma aprovada nesta Assembleia e o Governo e o PS conseguiram, sem que ela fosse sequer testada pela prática liquidá-la. O Governo, pôs em causa como denunciámos ao longo deste debate a boa fé e o empenhamento com que o PCP colaborou na viabilização da reforma fiscal.
Contra factos não há argumentos, disse o Senhor Ministro das Finanças.
Então Senhor Ministro ouça com atenção o que disseram e votaram as bancadas do CDS e do PSD. Ouça o que dizem os porta vozes dos grandes grupos. Não façam mais exercícios sobre o englobamento das mais e das menos valias procurando remendar o irremediável. Ouçam a voz do grande capital sobre o recuo do Governo em matéria fiscal. E embora não esteja ainda satisfeito (nunca estará), os sinais exteriores de alegria são muitos!
As GOP e o OE são o resultado inevitável de quem aceita que seja a oligarquia financeira portuguesa a comandar a política e, particularmente a distribuição do rendimento nacional e a orientação do investimento público.
Perante a chantagem da oligarquia, a que o Governo e alguns mais chamam "competitividade fiscal", o Governo cedeu.
Deveria repudiar essa pressão, recuperando a soberania do povo português na coisa pública. Não foi isso que fez. Cedeu e entregou ainda mais, do que quando tinha andado de braço dado com esses senhores, o comando da política económica ao poder do grande capital financeiro.
O PCP não está de acordo, face ao imperativo constitucional de subordinação do poder económico ao poder político. Face à legitimidade e força democrática desta Assembleia. Face aos interesses presentes e futuros do povo português.
Por isso estamos e votamos contra estas GOP's, este Orçamento do Estado.