Intervenção do Deputado
Octávio Teixeira
Debate sobre a Lei de Enquadramento Orçamental
15 de Fevereiro de 2001
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Não sofre, certamente, qualquer contestação a afirmação
de que a actual lei de enquadramento do Orçamento do Estado de há
muito carece de uma profunda revisão. Por um lado, visando de acolher
todas as alterações de incidência orçamental registadas
nas últimas revisões constitucionais. Por outro lado, tendo como
objectivo assegurar maiores rigor e disciplina orçamentais e garantir
o exercício pleno e efectivo dos poderes orçamentais pelos órgãos
constitucionalmente competentes, em particular pela Assembleia da República
e pelo Tribunal de Contas.
Assim sendo, havendo esse consenso que julgo generalizado, importa neste debate
da generalidade, do ponto de vista do PCP, por um lado enquadrar a apresentação
do nosso projecto de lei e, por outro lado, suscitar aquilo que me parecem ser
as principais diferenças de opção política entre
o nosso projecto de lei e a proposta do Governo que, conjuntamente com projectos
de lei de outros Grupos Parlamentares, hoje se encontram em discussão.
Quanto à primeira questão, e porque, como sempre o fizemos, nunca
quisemos colher louros que a outros basicamente pertencem, sucintamente se impõe
clarificar o enquadramento em que foi feita a apresentação do
nosso projecto de lei.
Pela nossa parte, porque considerávamos que a revisão a ter lugar
deveria ser profunda e não de meros aperfeiçoamentos pontuais,
desde sempre entendemos que o primeiro passo deveria ser dado pelo Governo,
por uma simples razão: porque é o Estado que dispõe de
um amplo quadro de técnicos com valências e competências
específicas capazes de procederem aos estudos necessários, incluindo
os de direito comparado, para realizar um trabalho de fôlego e suscitar,
no plano técnico, as alternativas possíveis e mais adequadas.
Esse trabalho básico e essencial veio a ser realizado em 1998 por uma
comissão para o efeito criada pelo então Ministro das Finanças,
que integrava académicos e funcionários de demonstrada qualificação.
E, pela parte do PCP, não tenho a mínima dúvida em considerar
que o trabalho preparatório realizado e entretanto publicado, foi um
trabalho sério e profundo, merecedor de registo e encómios.
Na sequência desse trabalho, o 1º Governo do PS chegou a apresentar
uma proposta de lei à Assembleia da República, como sempre pensámos,
e dissemos, que lhe competia. Fê-lo, porém muito tarde, já
na fase final da legislatura, em tempo que objectivamente já não
permitia a sua discussão e votação.
Com o início da actual legislatura, esperávamos, consequentemente,
que o actual viesse a repor rapidamente, com ou sem alterações
decorrentes de opções políticas eventualmente diferenciadas,
uma nova proposta de lei de enquadramento orçamental. Sucede, porém,
que os meses foram passando e a proposta de lei não aparecia. Injustificado
para nós essa passividade, fizemos saber ao PS e ao Governo que, se até
ao final da 1ª sessão legislativa a proposta de lei não surgisse
nós, o PCP, assumiriamos o que políticamente considerássemos
essencial e adequado da anterior proposta de lei e apresentaríamos o
respectivo projecto
.
Como temos por hábito cumprir o que prometemos, foi isso o que fizemos.
Já que o Governo se fechou em copas, chegados ao último dia da
sessão legislativa, apresentámos este projecto de lei que, voluntária
e assumidamente, toma por base a anterior proposta de lei do Governo. Isto é,
o trabalho técnico em que assenta é o da comissão que inicialmente
referi, as opções políticas acolhidas são do PCP.
Pouco tempo depois, o actual Governo veio a aprovar e apresentar a sua proposta
de lei, assente na mesma matriz técnica.
Por isso que, na sua generalidade, o nosso projecto e a proposta do Governo
sejam, essencialmente convergentes.
Pelo que, neste momento, o que me parece essencial é realçar algumas
das principais diferenças de opções políticas que
essas iniciativas legislativas consagram e que terão de ser dirimidas
em sede de especialidade.
Em primeiro lugar, o âmbito da lei de enqudramento.
A partir da revisão de 1997 da Constituição da República
Portuguesa, a matéria respeitante ao regime de elaboração
e organização dos orçamentos do Estado, das regiões
autónomas e das autarquias locais foi transferida do âmbito da
reserva relativa de competência da Assembleia da República para
a sua esfera da reserva absoluta de competência (artigo 164º, r)).
Isto significa que, sob risco de inconstitucionalidade por omissão, à
Assembleia da República se exige que legisle nesse sentido.
Por isso entendemos que o âmbito da lei de enquadramento orçamental
deve estabelecer as disposições gerais e comuns de enquadramento
de todas as instituições do sector público administrativo,
isto é, não apenas as relativas à administraçãpo
directa do Estado, mas igualmente as concernetes às regiões autónomas
e às autarquias locais.
O Governo optou por apresentar, apenas, a lei de enquadramento do Orçamento
da administração directa do Estado. Do nosso ponto de vista, não
tem qualquer razão, antes a tem o PCP.
Em vez de se optar por vários diplomas legais disciplinadores do enquadramento
orçamental relativos às entidades de cada subsector do sector
público administrativo, defendemos a opção de incluir essa
disciplina legal num único diploma, com um âmbito subjectivo alargado
quanto aos principais e fundamentais princípios a que devem obdecer a
elaboração e organização dos orçamentos do
Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais. Por razões
múltiplas, de que destaco o não atrasar por mais tempo essa legislação
e o de conferir uma maior coerência e unidade conceptual a esses princípoios
gerais.
A segunda diferença significativa que separa o nosso projecto de lei
da proposta governamental, tem a ver com a atribuição ao Tribunal
de Contas das condições efectivas para prosseguir a sua competência
e o seu dever constitucionais de fazer a fiscalização, ao longo
do ano, da fiscalização da execução orçamental.
Esse desiderato só será conseguido se, como o PCP propõe,
a lei estabelecer, definitiva e inequivocamente, a obrigação do
Governo, em particular dos ministérios directamente implicados na execução
orçamental, facultarem "on line" o acesso do Tribunal à
respectiva informação. Não vemos qualquer razão
para continuar a sonegar ao Tribunal esse instrumento essencial de fiscalização
atempada. Do mesmo modo que se impõe a fixação na nova
lei de prazos mais apertados para o Governo entregar ao Tribunal a versão
definitiva da Conta Geral do Estado.
Em terceiro lugar, consideramos que a apresentação do Orçamento
do Estado deve conter o orçamento consolidado do SPA na óptica
da contabilidade pública, como igualmente na das contas nacionais. Não
faria, não faz qualquer sentido que a Assembleia da República
apenas tenha acesso a esse orçamento consolidado na perspectiva da contabilidade
pública, quando é certo que o Governo é obrigado a apresentar
às instituições da União Europeia a consolidação
na óptica das contas nacionais. E devendo, como deve, o Parlamento analisar,
debater, pronunciar-se e votar as duas "versões", logica e
naturalmente deve ser-lhe fornecida a matriz que realce e demonstre a sua compatibilização.
Em quarto e último lugar, para realçar agora apenas as diferenças
mais substantivas, haverá que debater em profundidade e pormenorizadamente
em sede de especialidade, o âmbito, a natureza vinculativa ou não
do respectivo mapa orçamental e, eventualmente, os limites máximos,
relativamente aos compromissos plurianuais que os Governos podem vir a assumir
e que significam, notoriamente, a assunção de dívida do
Estado que não resulta de despesas anualmente orçamentadas. Com
destaque para as dívidas assumidas no âmbito da concessão
de vias rodoviárias "sem custos para o utilizador" (SCUTs).
E por nisto falar, quero anunciar que hoje mesmo o PCP requereu à Presidente
da Comissão de Economia e Finanças a convocação,
no mais breve prazo possível, do Ministro que o Governo considere mais
adequado para cabalmente prestar informação sobre os compromissos
nesse âmbito até ao momento assumidos pelo Governo, e sobre os
desvios face aos valores inicialmente previstos, que alegadamente poderão
atingir já os 350 milhões de contos.
Disse.