Orçamento do Estado para 2001
(Encerramento do debate na especialidade)
Intervenção do Deputado Octávio Teixeira
29 de Novembro de 2000
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados
O Orçamento do Estado para 2001 vai ser viabilizado por um Deputado isolado,
«mordendo» o isco que, segundo rezam algumas crónicas, o
Governo terá lançado em várias zonas do País autárquico.
Ao fim e ao cabo, o Governo conseguiu o que queria, aliás, conseguiu
a única coisa que queria. Por isso, o Governo estará satisfeito.
Mas não é possível, sinceramente, que o Sr. Primeiro-Ministro
esteja orgulhoso deste feito. Porque se deste Orçamento alguma coisa
ficar para a história política, será sem dúvida
o de um mau serviço prestado à credibilidade do regime democrático
da democracia portuguesa.
O Governo conseguiu fazer aprovar o seu Orçamento sem qualquer beliscadura
e diga-se de passagem, sem qualquer custo financeiro, já que pagou a
viabilização orçamental com aquilo em que é perito
e tem mérito, com promessas e meras promessas.
O Governo teve uma vitória, mas uma vitória de Pirro, porque o
País não ganhou, nem em clarificação, nem em estabilidade
políticas. Pelo contrário, as razões sociais e políticas
que deram ao Governo o pretexto para publicamente esgrimir com o espectro da
instabilidade e da crise políticas, não só persistem, como
se adensaram e agravaram em consequência da forma como o Orçamento
foi viabilizado, como pelo seu conteúdo.
Quanto à forma nada mais acrescento em relação àquilo
que já dissemos. Esperamos, isso sim, e muito sinceramente, que a via
da «pesca à linha» seja de imediato fechada com este lamentável
exemplo, que não sirva de precedente e nunca mais venha a ser tentação
para qualquer governo viabilizar um Orçamento do Estado.
Quanto ao conteúdo o Orçamento do Estado para 2001 (e não
queremos aqui omitir que ele contém a tal andorinha, no caso concreto,
a lista ou a tabela do IRS, que não faz a primavera) para nós
, este orçamento fica marcado fundamentalmente por quatro questões.
Primeira, a questão da política salarial do Governo. O Governo
mais uma vez, agora para o ano 2001, quer impor a negociação salarial
para os trabalhadores da função pública com base numa mentira
da previsão da taxa de inflação. Mais do que isso, já
o repetimos e tornamos a dize-lo, aquilo que o Governo se propõe conceder
em termos financeiros para aumentos salariais não chega para compensar
a inflação deste ano e a compensação que é
justamente devida aos trabalhadores da função pública pelos
prejuízos que sofreram no ano 2000.
Por esta via, a convergência salarial dos trabalhadores portugueses com
os trabalhadores europeus é, e será, cada vez mais, uma miragem.
A segunda questão é sobre as reformas Sr. Primeiro-Ministro e
Sr. Ministro da Solidariedade e da Segurança Social, não é
a questão da discriminação do valor das pensões
de reforma relativamente aos periodos contributivos que está em causa.
Nisso não há diferença de opinião entre nós
e o Governo. O problema que se coloca, e que nós colocámos neste
Orçamento, é que há uma parcela desses reformados, os 700
000 reformados com período contributivo inferior a 15 anos, que ao longo
dos anos de governação do Partido Socialista tiveram evolução
das pensões em menos de 10% do que tiveram os outros que vêm imediatamente
a seguir.
Ora, isto é uma grande discriminação contra esses 700 000
reformados e o Governo deveria ter aproveitado este Orçamento e a nossa
proposta para melhorar e resolver esse problema.
A terceira questão é sobre as privatizações. Fazemos
oposição às privatizações e temos claramente
posições diferenciadas, nós PCP, Governo e Partido Socialista,
em relação à matéria das privatizações.
Continuamos a defender que é um erro o processo que tem vindo a ser desencadeado,
em relação ás privatizações. Mas no momento
em que estamos a debater e vamos votar o Orçamento, não podemos
esquecer que passaram-se recentemente e estão a passar-se, situações
como as que conduziram à privatização da Galp em benefício
da Eni, à privatização da TAP em benefício da Swissair,
à última fase de privatização da EDP com tudo aquilo
que se passou de escandaloso, em termos da especulação bolsista
e em termos da evolução da Bolsa, que neste preciso momento e
no mesmo sentido se está a passar com a privatização da
Portugal Telecom.
Pelo menos isto deveria ter levado o Governo a pensar que é necessário,
no mínimo, e para além das nossas divergências de fundo
sobre as privatizações, suspender este processo para clarificar
as situações e para ver como é que ele pode ser seguido,
se quiserem continuar a segui-lo.
Finalmente, o quarto elemento caracterizador deste Orçamento: o financiamento,
ou melhor, o orçamento do Serviço Nacional de Saúde. Não
é um orçamento a que apenas falte rigor e transparência.
É, fundamentalmente, um orçamento virtual. Ora, isso não
serve o País em termos orçamentais porque o País vai ter
de pagar aquilo que tiver de pagar para o Serviço Nacional de Saúde,
independentemente de estar inscrito ou não no orçamento.
Todavia, para nós o mais grave é que também esta falta
de transparência, esta falta de rigor, este orçamento virtual coincide
com outras políticas que têm vindo a ser seguidas, ou não
seguidas, pelo Ministério da Saúde conducentes a criarem as condições
subjectivas para o Governo, agora ou depois, poder impor e exigir a privatização
do Serviço Nacional de Saúde.
Para além desses quatro exemplos que, do nosso ponto de vista, caracterizam
este Orçamento, há um aspecto que não posso deixar de referenciar,
neste momento, como um elemento simbólico de muitas das coisas que contém
o Orçamento do Estado. Esse elemento simbólico foi aquilo que
se passou, ontem, na votação das deduções à
colecta dos encargos relativos à aquisição de habitação
própria. Quando as taxas de juro e o valor das prestações
mensais dos muitos milhares de portugueses, que, por não haver mercado
de arrendamento, se vêm na necessidade de recorrer à aquisição
de habitação própria com muitos sacrifícios, aumentaram
mais de 40%, o Governo e a bancada do Partido Socialista vêm fazer a apologia
da bondade, da justiça social e do pensamento social do Governo, propondo
um aumento das deduções de 5% face a um aumento de encargos superior
a 40%. É um elemento simbólico de muitos dos aspectos que estão
contidos neste Orçamento.
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
E porque o Sr. Ministro das Finanças, ontem, indiciou o teor da intervenção
que irá fazer a seguir, não quero deixar de fazer aqui uma referência
à actual situação económica portuguesa.
A evolução económica externa influencia, sem margem para
quaisquer dúvidas, a actividade económica nacional. Todavia, o
Governo não pode continuar a assumir uma atitude «autista»,
«fechando os olhos», «tapando os ouvidos» e «cruzando
os braços» deixando que as conjunturas decorram. O Governo tem
de tomar consciência, e quanto mais cedo melhor, que o melhor ou pior
desempenho da actividade económica resulta da política económica
que ele próprio prossegue, ou não.
É tempo de agir. O Governo não pode continuar passivo face ao
perigoso acumular dos défices externos e à tão persistente,
quanto preocupante, desaceleração do crescimento económico
que, em vez da convergência, impõe ao País o aprofundamento
da divergência real com os restantes países da União Europeia.
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados,
Neste processo orçamental o Governo e o País tiveram, como sempre,
a clareza e a coerência do PCP. Dissemos o que queremos e apresentámos
propostas em coerência com a nossa visão política do que
entendemos ser o melhor para o País e para os portugueses. Queremos e
propusemos mais salários, melhores pensões de reforma, mais justiça
social, mais dignificação e valorização dos que
trabalham. Defendemos e batemo-nos por aquilo que consideramos indispensável
para o País: a inversão de orientações políticas
essenciais que caracterizam e moldam a «espinha dorsal» do Orçamento
do Estado para 2001, e que expressam as políticas que Governo, teimosamente,
prossegue.