Intervenção do Deputado
Octávio Teixeira
Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado
24 de Maio de 2000
Senhor Presidente
Senhores Deputados
É uma evidência que a Lei de enquadramento do Orçamento do Estado, e o direito orçamental de uma forma mais geral, estão desactualizados e sofrem múltiplas insuficiências e deficiências. Quer quanto à regulamentação de alguns normativos constitucionais, quer no que respeita à adequação a novos sistemas e técnicas de gestão dos dinheiros públicos e à imposição de efectivos rigor e veracidade das contas públicas, quer ainda no que concerne ao controlo eficaz de toda (mas de toda) a actividade financeira do Estado nos âmbitos jurisdicional e político.
Por exemplo, carecem de adequado enquadramento legal a disciplina do orçamento
da Segurança Social e o regime da elaboração e execução
dos orçamentos dos fundos e serviços autónomos.
Do mesmo modo que se impõe disciplinar o quadro legal da actividade
financeira dos "institutos" de natureza empresarial ou para-empresarial
que crescentemente vão proliferando, precisamente com o objectivo de
fazer escapar parcela crescente da actividade financeira do Estado à
disciplina orçamental e ao controlo político por parte da Assembleia
da República.
Como se impõe impedir o recurso pelos Governos a determinadas "engenharias
financeiras" com o objectivo, mais uma vez, de fugir às regras,
limites e controlos orçamentais.
Ou ainda, e sem a preocupação de ser exaustivo, a habilitação
legal de o Tribunal de Contas poder realizar, em permanência e tempo
útil, o acompanhamento e a fiscalização da execução
orçamental, bem como a fixação de prazos para o Governo
entregar ao Tribunal de Contas a versão final da Conta Geral do Estado
e para o Tribunal emitir o respectivo parecer, de forma a que a Assembleia
da República possa, em tempo politicamente adequado, apreciar e votar
a Conta Geral do Estado.
Passando, ainda, por eventuais alterações processuais relativamente
à discussão e votação do Orçamento do Estado
na Assembleia da República.
Em suma, a Lei de Enquadramento necessita de uma profunda e ampla alteração.
Que está por fazer e já deveria ter sido feita.
Cabendo a responsabilidade política dessa omissão fundamentalmente
ao Governo. Pois é ele, Governo, pelos meios técnicos de que
dispõe, que melhor posicionado está para apresentar uma proposta
de alteração de tão grande fôlego. Acrescendo que,
face à iniciativa no final da legislatura anterior (apresentada em
tempo que o Governo já sabia não poder vir a ser apreciada pela
Assembleia da República), era legítimo supor que o actual Governo
a retomaria em tempo útil.
Mas responsabilidade que cabe igualmente a todos e cada um do Grupos Parlamentares.
Ao PSD cabe o mérito de ter tomado a iniciativa de propor o projecto
de lei 191/VII, hoje em discussão. Mas o seu agendamento intempestivo
corre o risco de lhe retirar a eficácia que poderia ter no desencadear
de um processo de ampla e adequada revisão do enquadramento orçamental.
Porque a verdade é que os objectivos do projecto de lei do PSD são
por demais limitados.
De facto, e em última análise, o grande objectivo deste projecto
de alteração da Lei de Enquadramento do Orçamento do
Estado prende-se com a limitação financeira das actividades
que o Governo pode desenvolver à margem do Orçamento do Estado.
Em certa medida, bem se pode dizer que é um acto de contrição
do PSD: depois de ter autorizado a compra de submarinos em leasing, fora do
enquadramento orçamental, sente e receia agora que o caminho aberto,
em acumulação com as SCUT, possa levar a um completo desregramento
das finanças públicas e, por isso, a necessidade de o limitar.
Porém, coloca-se aqui uma questão de fundo que é necessário
dirimir e decidir: as práticas de desorçamentação
devem ou não ser aceites?
Pela nossa parte apontamos para não permitir a desorçamentação
de qualquer parcela da actividade financeira do Estado. Independentemente
do seu montante. São o princípio, o rigor, a verdade, o controlo
e a fiscalização das contas públicas que estão
em causa.
Diferente e aparentemente, para o PSD parece que o que está em causa
não é a desorçamentação, mas tão
só o seu montante. Por acréscimo, quanto maior for a dívida
pública maior é a capacidade concedida ao Governo para financiar,
à margem do OE, "a construção de escolas, hospitais,
prisões e demais obras públicas", a que hoje aludia o Deputado
Durão Barroso num artigo de opinião.
Mas, limitado embora nos seus objectivos, a eventual aprovação
do projecto de lei do PSD traduz alguns melhoramentos em relação
à situação actual. Excluindo, evidentemente, a ideia
peregrina de tentar impor a obrigatoriedade de o Orçamento do Estado
não poder ter qualquer défice.
Trata-se de um fundamentalismo mais profundo que o do "pacto de estabilidade".
Desde logo porque este reveste a natureza de um mero acordo, um "pacto",
que por consenso pode ser alterado em qualquer momento. Mas, fundamentalmente,
porque o "pacto de estabilidade" aponta para o equilíbrio
orçamental de forma tendencial (que não definitivamente impositiva)
e se reporta à globalidade do sector público administrativo
e não ao subsector Estado.
Aliás, seria interessante ver, no quadro desta sua proposta, onde é
que o PSD iria reduzir a despesa do Orçamento do Estado para 2000 em
... 560 milhões de contos! Um exercício que talvez o PSD possa
fazer durante este debate...
Com esta ressalva de fundo, pela nossa parte não temos dificuldades em viabilizar o Projecto de Lei nº 191/VII na generalidade. Principalmente se por parte do PSD houver disponibilidade para que, em sede da especialidade, se possa vir a concretizar uma substancial alteração ao seu projecto, de forma a alargar o âmbito das alterações à actual Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado.
Disse.