Este debate na generalidade sobre o Orçamento de Estado bem podia chamar-se
a história de uma viabilização anunciada.
E ela conta-se em breves palavras. Há uns meses o Sr. Primeiro-Ministro disse a Ferro Rodrigues: no aumento anual das reformas retira uma parte do que está previsto para os rurais para servir de moeda de troca ao voto favorável do partido que queira deixar passar o Orçamento.
O Ministro Ferro Rodrigues achou a ideia brilhante e terá dito aos colaboradores que com meia dúzia de milhões de contos a questão estaria resolvida e até acrescentou: como esta é uma reivindicação insistente dos comunistas o Orçamento certamente será viabilizado por estes.
O Primeiro-Ministro tirou-lhe as ilusões. Sabes os comunistas, apesar de estarem de acordo com o aumento das reformas não aceitarão que mantenhamos os privilégios à banca, que aumentemos os benefícios fiscais, que no fundamental vão para as operações financeiras e especulativas, que baixemos os impostos às grandes empresas e que os mantenhamos para os trabalhadores. Além disto querem aumentar as outras pensões degradadas e não estão de acordo com a nossa proposta de aumentos para a função pública.
Eles querem um Orçamento de esquerda... e nós não estamos nessa.
Este Orçamento, pelo seu conteúdo disse o Primeiro Ministro em tom de reflexão, só pode ser viabilizado pelo PSD ou pelo PP.
Mas o PSD está imprevisível, com cada candidato à liderança a querer parecer que faz mais oposição do que o outro. Desta vez resta-nos o PP e com dupla vantagem, criamos dificuldades ao PSD pois promovemos o Deputado Paulo Portas. E o Portas e o seu populismo, com as pensões aos rurais fará a demagogia suficiente para esconder os privilégios aos grandes senhores do dinheiro, as injustiças fiscais e as privatizações com as quais ele também está de acordo. Depois ele dirá em privado que com alguns poucos milhões para as reformas viabiliza um Orçamento que só para as empresas concede mais de 50 milhões e, em público, afirmará peremptório que o mérito do aumento das pensões aos rurais é do PP! Mas como quem vai pagar, quem assina o cheque é o Governo PS, seremos nós que colheremos os frutos e os louros.
E o Eng. Guterres se bem o disse melhor o fez. Chamou o PP e com duas conversas acordou o negócio e a encenação. E, desta vez, ao que se sabe, nem foi necessário ir para uma suite de Hotel com a companhia do Presidente da CIP. Dizem que umas férias na neve bastou ....
Esta é a história breve de uma viabilização anunciada! Mas esta tem também uma moral: a) um Orçamento injusto e iníquo não deixa de o ser por avançar com uma ou duas medidas mais justas... b) um Orçamento de direita só poderia ser viabilizado por um partido de direita.
Mas neste caso e pondo de lado certos pormenores entre a realidade e os factos, não há somente pura coincidência ...
O governo PS ganhou um Orçamento mas o país e o país que trabalha perde e não perde pouco.
E certamente que somos acompanhados por muitos socialistas que não poderão estar de acordo com a injustiça fiscal deste Orçamento, com o facto de praticamente nada se fazer em relação ao combate à evasão fiscal, por se continuar com a privatização de empresas básicas e estratégicas.
Na verdade muitos são os cidadãos e os socialistas que vêem com a preocupação a acentuação das desigualdades, a concentração da riqueza, o crescente domínio do poder económico sobre o poder político. Que vêem que este Orçamento vai dar mais força aos poderosos lobbies que insaciáveis como são, não deixarão de mais tarde quererem mais e mais e sempre mais. Muitos são também os socialistas que vêem que as palavras do Eng. Cravinho tinham toda a razão de ser, pois os lobbies estão de facto sentados à mesa do Orçamento e agora com a benção do PP.
E como os lobbies estão cada vez mais sentados à mesa do Orçamento, como têm cada vez mais poder, ouvem-se depois os "lamentos" e as desculpas: não podemos retirar tais benefícios fiscais porque o capital financeiro exerce uma pressão colossal, não podemos mexer nos medicamentos porque ..., porque e assim por diante.
Senhor Primeiro Ministro,
Pela nossa parte não desistiremos de nenhuma das nossas propostas, quer em relação à política fiscal, quer em relação à evasão fiscal e ao sigilo bancário, quer em relação ao aumento das pensões e reformas que não podem nem devem ficar apenas pelos trabalhadores agrícolas ...
Nem desistiremos de lutar contra a vergonhosa proposta de aumentos de 2,5% para os trabalhadores da Administração Pública e de contrapor esta posição do Governo com a manutenção dos privilégios à Banca que como sabe em 1998, deveriam ter pago 105 milhões de contos de IRC ( 34% sobre 338 milhões de contos de lucros) mas só pagaram 68,2 milhões de contos!.
Nem deixaremos de confrontar o Governo com uma política que privilegia as actividades financeiras e especulativas em detrimento da actividade produtiva, com significativos reflexos na agricultura, nas pescas e em importantes sectores industriais e no já preocupante défice externo.
O Senhor Primeiro Ministro afirmou aqui depois de enunciar a nova tese do Oásis, o "paraíso lusitano", que, no plano ideológico este era um Orçamento que poderia ser aprovado pelo PCP.
Na verdade o relatório orçamental tem muitas "tiradas" de preocupação com os mais desfavorecidos, com a justiça social e a justiça fiscal, com as pessoas ...
Mas depois na prática orçamental isso não se vê, pelo contrário. E como as "pessoas" não comem retórica, nem vivem de retórica, nem de frases feitas, o tal conteúdo ideológico é zero.
E não centre também os argumentos no combate ideológico contra a direita, em relação ao despesismo orçamental pois como já aqui lembrou o meu camarada Octávio Teixeira, um dos partidos políticos que mais gritou contra o despesismo deste Orçamento é precisamente quem o vai viabilizar.
Aliás, o Senhor Primeiro Ministro parece sofrer daquilo a que se pode chamar o "Síndroma de Cavaco Silva". Primeiro, em Julho de 1999, Cavaco Silva escreveu um artigo no DN propondo a baixa da taxa do IRC de 34 para 30%. E aí temos o Primeiro Ministro a incluir neste Orçamento a baixa do IRC para 32%, com a promessa expressa de que baixará para 30% no próximo Orçamento, o mais tardar no final da Legislatura.
Ontem Cavaco Silva, escreveu um artigo no mesmo diário, atacando o Orçamento por ser despesista. Imediatamente a seguir, o Primeiro Ministro aparece aqui no Plenário elegendo o alegado despesismo como a questão ideológica central deste Orçamento.
Senhor Primeiro Ministro, aqui lhe deixo uma sugestão: preocupe-se e penitencie-se do conteúdo do seu Orçamento e .... enterre os fantasmas e os "monstros" metafóricos do cavaquismo. Deixe a corrida com o PSD sobre quem privatiza mais, ou sobre quem mais cede aos grandes interesses.
Não se esqueça que a reforma fiscal é essencial à reforma da saúde, do ensino e a todas as políticas sociais ...
Para se falar com verdade e com efeitos práticos na preocupação com as pessoas é preciso acabar com os adiamentos e com a "conversa fiada", é necessário acabar com a injustiça de um trabalhador por conta de outrém pagar em média 195 contos de IRS, de os profissionais liberais pagarem 68 contos, de os empresários em nome individual 33 contos e de a banca continuar num autêntico paraíso fiscal.
É preciso menos discursos sobre a distribuição de milhões aos agricultores e mais respostas ao escoamento e valorização dos seus produtos, é preciso menos verbalismo sobre a sociedade de informação, sobre a ligação de cada escola à Internet e resolver pelo menos os problemas da segurança dos laboratórios, das bibliotecas e do aquecimento de tantas e tantas escolas.
É preciso não tomar a atitude da avestruz em relação à substituição crescente da produção nacional pela estrangeira, em relação à absorção da economia portuguesa pela espanhola, ao crescente controlo de alavancas fundamentais da economia pelo capital estrangeiro.
"O paraíso lusitano" construído com as engenharias estatísticas, com a contabilidade criativa, com o procurar fazer passar a árvore pela floresta é um paraíso virtual.
O País não precisa de paraísos virtuais, nem de mais manobras dilatórias, precisa sim com urgência de uma reforma fiscal; precisa de menos palavras e mais actos, precisa de uma outra política e, por isso mesmo, em coerência, o PCP vai votar contra este Orçamento.
Disse.