Com este Orçamento PS vai por mau caminho
Intervenção de Carlos Carvalhas nas Jornada Parlamentares
Publicada no Jornal «Avante!» em Novembro de 1996

 

Após a troca de opiniões, das sugestões colhidas e do debate travado nestas Jornadas Parlamentares creio que se podem apontar três principais direcções que deverão impulsionar o nosso trabalho parlamentar nesta sessão legislativa.

- Definir como uma das primeiras orientações a apresentação de medidas propostas e projectos de lei procurando aprovar orientações positivas, conter ou minorar os aspectos mais negativos da política do Governo e mostrar no concreto que há alternativas reais às opções por este tomadas. E é de lembrar que na última sessão legislativa o Grupo Parlamentar do PCP foi o Grupo que mais projectos de lei apresentou na Assembleia da República.

- Dar expressão concreta às grandes causas e aos problemas mais sentidos pelos portugueses assumindo um grande empenho, na melhoria dos salários reais e das pensões, no combate ao desemprego na defesa do ensino público de qualidade, no combate à droga e à insegurança e na promoção da habitação social.

- Continuar a honrar e a cumprir na prática os compromissos que tomámos com o eleitorado, a dar voz às justas reivindicações e aspirações das populações, dos trabalhadores e dos cidadãos em geral e a reforçar o papel da fiscalização e de denúncia.

É uma evidencia e o Senhor Primeiro Ministro não o desconhece que se o Governo quiser prosseguir a política do último ano, como o afirma, o desemprego vai aumentar assim como se vai agravar a situação do aparelho produtivo nacional.

E os números do desemprego mascaram a progressão dos empregos precários das pequenas ocupações sazonais, dos "ganchos" e do emprego parcial. E escondem aqueles que se voltam para o trabalho da agricultura - estima-se que nos últimos 20 meses mais de 62 mil trabalhadores tenham regressado ao campo - como meio de sobrevivência.

Aumenta o desemprego de longa duração atingindo particularmente os jovens e as mulheres. Cresce o número daqueles que desistem de procurar emprego ao fim de meses e meses sem qualquer perspectiva. Cresce o número de desempregados que não tem acesso a qualquer subsídio.

Esta é uma grande preocupação e angústia para milhares e milhares de trabalhadores.

Mas não se combate o desemprego com uma política de austeridade e de "aperto do cinto" dos trabalhadores e das camadas médias.

O Senhor Primeiro Ministro disse que o mais difícil dos critérios de Maastricht a atingir seria o da inflação, esqueceu-se de dizer que o mais fácil é o aumento substancial do desemprego.

O aumento do poder de compra popular, o aumento dos salários, nomeadamente dos trabalhadores da Administração Pública e das pensões dos reformados e dos pensionistas seria um estímulo à dinamização da economia, ao investimento e ao emprego. O consumo interno está deprimido. As empresas têm as suas carteiras de encomendas em baixo. O pequeno comércio definha.

Não se pode só contar com o mercado externo e ainda por cima quando este está também em contracção. Por isso uma política de austeridade para as camadas populares e de benefício em relação às actividades especulativas e financeiras só agravará a situação económica e social.

Obediência aos critérios de Maastricht

Durante todo o dia de hoje, o Grupo Parlamentar do PCP dedicou também uma especial atenção à análise global e aprofundada do conteúdo substancial do Orçamento de Estado para 1997.

Analisámos e debatemos o Orçamento com rigor e objectividade, e concluímos que o Governo do PS mostra nada ter aprendido nem com os nefastos resultados da governação do PSD nem com a mediocridade dos resultados do seu primeiro ano de governação.

A coluna dorsal que expressamente atravessa todo o Orçamento é o cumprimento, cego e voluntariamente assumido, dos critérios de convergência nominal visando a participação na moeda única em 1999.

E é indubitável que o cumprimento dos critérios de Maastricht tem efeitos restritivos na actividade económica, impede a recuperação plena da economia portuguesa, a dinamização do investimento produtivo e a necessária melhoria do nível de satisfação das funções sociais que ao Estado incumbem.

Por isso o Orçamento de Estado se apresenta em "contraciclo" com as efectivas necessidades e exigências da economia e sociedade portuguesas.

Na situação actual do País, exigia-se uma política orçamental de cariz não retraccionista, para incentivar a procura de bens, a produção e o emprego.

Mas o autismo do Governo, as concepções neoliberais que enformam a sua política económica e que directa e gritantemente se reflectem no Orçamento, levam-no a persistir na via de restringir ainda mais a política e o défice orçamentais.

Tendo como resultados inevitáveis a continuação da travagem do crescimento económico, do desaparecimento de empresas e do bloqueamento do aparecimento de outras, da estagnação do consumo e do investimento privados e, consequentemente, como já afirmámos, o aumento do desemprego.

É um Orçamento que, expressamente, define como orientação geral e universal o congelamento ou redução dos fracos níveis salariais dos trabalhadores portugueses, agravando o já profundo desequilíbrio existente na distribuição do Rendimento Nacional, em prejuízo, mais uma vez e sempre, dos salários, dos rendimentos dos trabalhadores.

Numa clara afirmação de uma política de concentração da riqueza, o Governo do PS propõe e advoga que os aumentos de produtividade em nada revertam em favor dos trabalhadores. O que significa, de acordo com as suas projecções, que os resultados do aumento de 400 milhões de contos de riqueza criada, só pelo aumento da produtividade do trabalho, sejam apropriados integralmente e no essencial pelo grande capital.

Um Orçamento que não contribui para o aumento do emprego e, com inusitado despudor político e irresponsabilidade social, assume o agravamento do desemprego, o agravamento do maior flagelo com que o País actualmente se debate.

É isso que o Governo do PS afirma, indesmentivelmente, quando mesmo com as suas projecções macroeconómicas pintadas de cor-de-rosa admite que se possam vir a criar cerca de 30 mil empregos, número que nem sequer chega para cobrir a procura de emprego dos jovens que anualmente chegam ao mercado de trabalho.

Tal como é um Orçamento indelevelmente marcado pela opção político- ideológica do Governo do PS de prosseguimento acelerado do processo de privatizações.

Leilão ao desbarato de empresas públicas em benefício de uma minoria constituída por grupos económicos nacionais, grupos capitalistas estrangeiros e alguns especuladores bolsistas. E em prejuízo dos interesses económicos do País e dos trabalhadores. Uma opção demonstradamente errada, mesmo na míope perspectiva de obtenção de receitas que reduzam a dívida a pública.

O próprio Orçamento para 1997 o comprova. A previsão de receitas de privatizações da ordem dos 400 milhões de contos, significa uma redução dos encargos anuais do Orçamento com juros da ordem dos 28 milhões de contos. Mas têm como contrapartida, a eliminação das receitas orçamentais provenientes de dividendos das empresas públicas que, em 1997, o Governo prevê atingirem cerca de 200 milhões de contos. Isto é cerca de sete vezes mais!!

Aliás, no âmbito das privatizações o Governo do PS e com o protector nome de "socialista" mostra-se muito mais "papista" e ideologicamente empenhado que os Governos do PSD. Já que, para além das empresas públicas, o Governo do Eng. Guterres, neste Orçamento, se propõe privatizar serviços públicos e mesmo vias rodoviárias já construídas com dinheiros públicos e não sujeitas a qualquer portagem.

É um Orçamento que agrava a profunda e generalizadamente reconhecida injustiça do sistema fiscal, que penaliza os rendimentos do trabalho por conta de outrém e beneficia principescamente os lucros das grandes empresas e as aplicações e rendimentos financeiros e especulativos.

Agravamento da injustiça duplamente visível neste orçamento. Por um lado, a proposta de redução de 36 para 34% da taxa do IRC, ao mesmo tempo que mantém inalteradas as taxas do IRS. Por outro lado, o facto de o próprio Governo admitir que o montante dos benefícios fiscais em 1997 ascenderá a 190 milhões de contos. Isto é, cerca de 50% mais que os benefícios fiscais concedidos pelo Governo do PSD no último ano da sua governação, em 1995 ! Grande Governo so-ci-a-lis-ta!!!

Este é, ainda, um Orçamento de desaceleração do apoio a áreas sociais e económicas essenciais para o presente e o futuro da sociedade portuguesa.

São disso exemplos flagrantes e insofismáveis, a estagnação nominal das transferências para o Serviço Nacional de Saúde, a manifesta insuficiência de dotações para o ensino superior público já denunciada pelos reitores, a redução dos apoios orçamentais no âmbito da agricultura, do desenvolvimento rural e das pescas ou, ainda, os miseráveis incrementos da dotação para as pensões e reformas.

Em relação às pensões e reformas o máximo que o Governo inscreveu no Orçamento para os respectivos aumentos é apenas de 4% o que significaria para a pensão mínima de 30.000$00, um aumento de 40$00 por dia!

Penalizar as famílias

Estamos perante um mau Orçamento que não dá resposta às necessidades do desenvolvimento, à necessidade de maior justiça social. E isto não significa que passado 1997 haverá depois a bonança, a tal luz ao fundo do túnel.

Este Orçamento não é um caso especial, não é um Orçamento transitório para se atingir a moeda única. Não. Os Orçamentos futuros serão assim e a tendência será para pior. E não diga o Governo que não há alternativas. O Primeiro Ministro ainda não desmentiu que recusou a proposta do Governo Italiano para atrasar o cumprimento dos critérios de Maastricht. Mais. O Primeiro Ministro ainda não informou o país que entrando no Clube do Euro, Portugal ficará atado ao curso cambial desta moeda, isto é, à sua revalorização face ao dólar, iene e outras moedas, num sistema monetário autoritário, comandado pela Alemanha, dotado de um dispositivo de sanções para quem não cumpre o défice orçamental, e que visa sobretudo os países do sul.

Ao apresentar este Orçamento, o Governo do eng. Guterres e do Partido Socialista sabe perfeitamente quais as suas consequências, quem com ele quer penalizar e quem pretende beneficiar, agora e no futuro.

Sabe que vai agravar a situação de milhares de famílias e a exclusão social, que vai prosseguir o encerramento de empresas, que muitos trabalhadores vão passar para o desemprego e muitos jovens vão ficar à porta do emprego que não existe.

Sabe que os trabalhadores empregados e os pensionistas e reformados verão o seu poder de compra ainda mais afastado da média europeia, ao mesmo tempo que prosseguirá a via ascensional dos lucros das grandes empresas.

Sabe que os salários que são os mais baixos da União Europeia continuarão a suportar o peso fundamental da carga fiscal, e que os lucros nomeadamente do sector financeiro serão acrescidamente beneficiados.

Por mais que pregue o conformismo, por mais que divulgue sucedâneos da teoria do "oásis", por mais que pregue a estabilidade, esta política é profundamente desestabilizadora no plano económico e social.

Milhares de portugueses e portuguesas que votaram no PS e que esperavam a mudança, vão-se desencantando com esta política.

O Governo não pode contar que os portugueses e em particular os trabalhadores, se resignem ou se rendam ao "diktat" da política de classe que se traduz na política económica e do Orçamento do Partido Socialista. Antes têm de contar com as consequências do mal estar e da oposição contra a subida do desemprego, o congelamento real dos salários e a estagnação do débil consumo das famílias, o arrastamento do marasmo económico e o aprofundamento da crise social.

E claramente não pode esperar que, ainda que por omissão, este seu instrumento essencial de regressão económica e social da sociedade portuguesa possa ter a co- responsabilização do PCP. Bem pelo contrário, e de forma clara. o Governo pode esperar que será confrontado com a apresentação de propostas concretas do PCP, mostrando que podia haver outra política. Apresentaremos propostas nomeadamente visando, a redução dos privilégios fiscais às empresas financeiras e às actividades especulativas, o alívio do peso da injusta carga fiscal que asfixia os depauperados rendimentos do trabalho e o reforço do investimento em infraestruturas sociais e de apoio à actividade produtiva e a actividades económicas.

E pode desde já o Governo do eng. Guterres e do Partido Socialista ter a certeza que o PCP honrará os seus compromissos com o eleitorado no debate deste Orçamento de Estado e das Grandes Opções que o sustentam.

Com a quase maioria que obteve nas últimas eleições, o PS já vai mostrando alguns tiques de arrogância afirmando inclusivamente que não vai "ceder" às oposições. Isto é, o Governo apresenta-se na Assembleia da República com um Orçamento no velho estilo do quero, posso e mando. Vai por maus caminhos.

Com tais posições, com tais opções e políticas podem o Governo e o Partido Socialista contar com o voto contra do PCP ao Orçamento do Estado e às Grandes Opções do Plano.

  (Subtítulos da responsabilidade da redacção)