Declaração política a propósito do Dia Internacional da Mulher, chamando a atenção para a situação económica, laboral e social das mulheres, condenando políticas que as discriminam e dando conta da apresentação de iniciativas legislativas acerca da participação das mulheres na vida política e sobre prestações sociais
Intervenção de Odete Santos
8 de Março de 2006

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O dia 8 de Março está definitivamente radicado como o Dia Internacional da Mulher, como um dia que faz parte do património histórico da Humanidade, um dia que não se limita a ser dia de recordações, de pompa e circunstância. É um dia de luta, de reflexão sobre o verdadeiro caminho para a conquista da efectiva igualdade, que é, também esse, o caminho da luta de todos os seres humanos vítimas da exploração pela classe que domina o mundo.

O imortal verso de Aragon — «A mulher é o futuro do homem» — faz uma síntese perfeita desse cami nho, em que mulheres e homens explorados, visando os seus objectivos comuns e específicos, lutam pela sociedade em que a mulher deixará de ser um objecto nas mãos do Estado construído sobre desigualdades, e que dessas desigualdades necessita para a sua sobrevivência. A mobilização de mulheres e também de homens, que também são vítimas de discriminação, em torno do dia 8 de Março, a natureza dos debates que percorrem o País inteiro, a mobilização mundial das mulheres visando o fim das guerras — hoje mesmo, nos EUA, foi divulgado um apelo das mulheres de todo o mundo contra a guerra do Iraque —, tudo isso dá-nos a exacta medida das reivindicações femininas.

Elas e eles discutem as elevadas taxas de desemprego, sempre mais elevadas relativamente às mulheres; os baixos salários, sempre mais baixos no caso das mulheres; e a precarização do trabalho, sempre mais precarizado para o sexo feminino.

Elas e eles (os que estão lá fora e, parece que não, uma parte dos que estão aqui) discutem e condenam a amputação de funções sociais do Estado, a degradação dos cuidados de saúde que elas sentem de uma forma especial — ou não pesassem sobre elas os cuidados com a infância, com a juventude e com os idosos. Discutem e condenam o alastramento da pobreza, sempre feminizada, discutem e condenam a degradação do trabalho, a grande ofensiva contra o mundo do trabalho, os horizontes que se cerram quando, no fim de uma teimosa persistência pela obtenção de um diploma do ensino superior, se vêem, mesmo assim, discriminadas no salário, quando se vêem, mesmo assim, discriminadas quanto à natureza do vínculo contratual, em Portugal, sempre mais precarizado nas diplomadas do que nas restantes mulheres (que são a maioria), que se ficaram pelo secundário ou que o abandonaram mesmo.

É claro que, em Portugal, depois da grande esperança que resultou de Abril, a crise social é sofrida com especial angústia. A crise social que especialmente se abate sobre a grande maioria das integrantes do sexo feminino (mas não sobre todas) que se tornaram mulheres e se continuam a formar como mulheres pela vontade de um Estado que é cada vez mais patriarcal e, simultaneamente, cada vez mais anti-social.

Bem podem surgir os que, teorizando, ajudam a perpetuar a discriminação. O neoliberalismo aplaude quando ouve falar numa hipotética «Terceira Mulher» — a dos nossos dias —, a que, conforme garante Lipovetsky, se conformou e reconciliou com o papel tradicional do sexo feminino, que aceita e prefere, de bom grado, o trabalho a tempo parcial. É uma filosofia barata, mas ele diz-se filósofo.

O neoliberalismo aplaude quando se condicionam as mulheres a aceitar um feminismo menos militante, mais individualizado. Quando as políticas são encimadas pelo asséptico emblema da igualdade de género, metendo num mesmo saco mulheres de classes sociais exploradas e mulheres que se irmanam com a classe dominante e que apoiam políticas contrárias aos interesses da grande maioria das mulheres, mulheres que apoiam mesmo as guerras.

O conceito de género, o conceito de paridade, representam, de facto, o regresso da natureza, o regresso à diferença, segundo características meramente biológicas e correspondem ao apregoado (tão apregoado quanto falso) fim das ideologias.

Neste início do século XXI graves ameaças pairam sobre a grande maioria das mulheres, bem evidentes no que toca às mulheres portuguesas.

É de destacar aquilo que pode constituir uma grande ofensiva quanto à saúde reprodutiva e quanto à saúde materna. O encerramento de maternidades, que já se iniciou há alguns anos, esteve sempre na mira de políticas de direita. E agora decanta-se mesmo um quadro idílico do parto no domicílio, num país sem serviços de proximidade, com serviço público de transportes tão insuficiente que quase isola algumas populações.

O anunciado encerramento de maternidades parece que corresponderá, em muitos locais, ao fim das consultas de planeamento familiar, à ausência de obstetras, à degradação de cuidados de saúde primários, como, por exemplo, o despiste do cancro da mama (morrem 4 mulheres por dia em resultado deste flagelo), corresponderá à denegação do direito à saúde reprodutiva.

Ora, é a própria Organização Mundial de Saúde que declara a imprescindibilidade de cuidados de proximidade a que chama de 1.º nível, antes e depois do parto, como forma de debelar a mortalidade materna e a mortalidade neonatal. É importante sublinhar que, segundo os dados do INE relativamente à taxa de mortalidade neonatal — que é desde o nascimento até aos 28 dias —, aquela que resulta muitas vezes do parto, há um aumento de 18% de 2001 para 2002.

O encerramento de maternidades sem que se tome em consideração o critério de proximidade, também fixado pela Organização Mundial de Saúde, não é adequado para garantir a saúde materna e a redução que ainda pode ser conseguida da taxa de mortalidade infantil. Não é assim que Portugal cumpre os objectivos do milénio fixados pelas Nações Unidas.

Para além de um projecto de resolução que hoje entregamos, sobre a participação das mulheres na vida política, contendo recomendações que se aplicarão às mulheres que nenhuma lei da paridade incluirá nos órgãos de poder, o PCP apresenta também hoje um projecto de lei instituindo um novo regime quanto às prestações familiares, como, por exemplo, o subsídio de nascimento e abono de família, e um projecto de lei sobre subsídio social de maternidade e paternidade.

Outras tarefas se inscrevem na actual agenda política da actualidade. Para além da luta pela despenalização do aborto, em obediência aos princípios «A mulher decide, a sociedade respeita, o Estado garante», surge como imperiosa necessidade a luta contra a liberalização de serviços básicos, de que é emblemático o negócio da água, visada com a directiva Bolkenstein.

Os relatórios das Nações Unidas, nomeadamente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), provam que são as mulheres as vítimas preferenciais das liberalizações e privatizações, porque subjacente a elas está a famigerada teoria das migalhas para a mesa dos pobres, onde se sentam maioritária e não paritariamente as mulheres.

É este o objectivo que deve ser prosseguido na luta contra o Estado neoliberal e não outro objectivo, que até visa esconder perversões num projectado sistema eleitoral distorcido.

É outro o caminho da luta, da luta contra um sistema político que vive de atrozes desigualdades.

O poeta tem realmente razão ao afirmar a solidariedade entre mulheres e homens injustiçados — «A mulher é o futuro do homem» —, o que quer dizer que a situação dos direitos da mulher dá a medida exacta do estado em que se encontram os direitos do homem. E são estas mulheres exploradas que não se voltarão contra aqueles que também lutam contra a exploração.

(…)

 

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Helena Terra,

Quero começar por dizer que, de facto, se estão diagnosticadas as questões e os problemas, porque é que o Partido Socialista não propôs a alteração do Código do Trabalho, conforme prometeu, para que, de facto, a legislação antilaboral que se abate especialmente sobre as mulheres fosse revogada?

E não propôs porque não se importa absolutamente nada com a separação das famílias, com a mobilidade e com a questão dos direitos de maternidade, que foram bastante amputados no Código do Trabalho.

Porque razão andou a prometer que haveria a despenalização do aborto e, com a maioria absoluta, não assumiu essa promessa?

Os senhores prometeram duas coisas: prometeram o referendo, mas garantiram, ao mesmo tempo, que haveria a despenalização do aborto. Se eram coisas contraditórias, talvez com isso quisessem esconder a verdadeira face.

De facto, se as situações estão diagnosticadas, porque é que não tomam medidas que debelem a pobreza das mulheres? Porque é que continuam na senda das liberalizações e privatizações?

Recomendo-lhe que leia os relatórios do PNUD sobre a célebre teoria das migalhas, em que, se da mesa dos ricos caírem migalhas para a mesa dos pobres, os pobres já ganham muito. Porquê? Porque é que persiste nesta política, que é, de facto, contra as classes desfavorecidas, mulheres e homens?

Sr.ª Deputada, se conhece os debates anteriores sobre uma inconstitucional proposta de lei da paridade e sobre uma lei de quotas, que não era uma medida de discriminação positiva, sabe quais são as posições do PCP. E ouviu o que eu disse.

Com a vossa proposta de lei, que mulheres das classes trabalhadoras, ganhando mal, mulheres que lutam nos locais de trabalho, vai ter aqui? Vai ter algumas mulheres de algumas classes, aquelas que não são irmãs das outras que são exploradas!

Por isso, o conceito de género é um conceito que vos fica muito bem, é um emblema da vossa burguesia.

É um emblema lindo, fino, porque a frase de Simone Beauvoir já soa a muito revolucionária: «Nós não nascemos mulheres, tornamo-nos mulheres».

E o género é um «saco de gatos», onde cabem mulheres de direita, que votam contra os interesses das outras mulheres, e onde cabem também as mulheres que são exploradas, que não podem consentir, efectivamente,…

(...)

Ó Sr.ª Deputada, de democracia formal estou farta!

O que é preciso é uma democracia económica, social e cultural, que, aliás, está na Constituição da República.

A Sr.ª Deputada ri-se, porque está aí sentada na bancada da frente, possivelmente trará para a sua bancada outras mulheres da sua classe social, mas a lei da paridade não trará a maioria das mulheres que, de facto, necessitavam de estar aqui representadas. E o artigo 109.º só se cumpre com medidas em que o Estado assuma o compromisso, que vem na Constituição, das infra-estruturas sociais de apoio. É assim que se cumprirá e é esse o caminho da luta! Aliás, é inadmissível que, quando caminhava a regressão em relação aos direitos das mulheres, tenham concentrado as atenções sobre uma coisa que não resolve os problemas da maioria das mulheres.

Esta é uma resposta, esta flor, com espinhos da paridade, que serve para mascarar os vossos objectivos de distorcer o sistema de representação proporcional, porque esse é, de facto, o grande objectivo.