Declaração política, em que a propósito de um congresso realizado no norte do País e organizado pelo proxenetismo internacional organizado, se insurge contra a regulamentação da prostituição
Intervenção de Odete Santos
19 de Janeiro de 2006
Senhor Presidente
Senhores Deputados
Ao redefinir os objectivos primordiais da Organização Internacional do Trabalho, o Director Geral do Bureau Juan Somavia, afirmou:
“O objectivo fundamental da OIT hoje, é o de conseguir que cada homem e cada mulher possam aceder a um trabalho decente e produtivo em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade.”
A noção de trabalho decente usada pela OIT não tem ínsito qualquer conteúdo moral. No seu âmago está o respeito pelos direitos humanos.
A 93ª Conferência da OIT realizada em 2005 apreciou e aprovou o Relatório do Director Geral intitulado “Uma aliança mundial contra o trabalho forçado”
Em todos os documentos assinala-se que Trabalho é a actividade humana produtiva que contribui para o desenvolvimento pessoal e integração social. Trabalho é toda a actividade humana que fez e faz progredir o Mundo e que tem servido para a conquista das liberdades, da liberdade, para a conquista de direitos humanos.
É esse aliás o sentido expresso na Constituição da República Portuguesa.
O que se vem passando ultimamente em torno de novas escravaturas, como a exploração de seres humanos na prostituição e no tráfico dos mesmos como se de mera mercadoria se tratasse, é verdadeiramente ultrajante.
Foi grande o espanto e a indignação quando, pelas notícias de órgãos de comunicação social, ficámos a saber que uma mulher alemã desempregada corria o risco de perder o subsídio de desemprego se não aceitasse a oferta de “emprego” que lhe foi endereçada pelos proxenetas que exploram um dos bordéis da Alemanha.
Foi grande a indignação quando o proxenetismo internacional organizado realizou no nosso país um Congresso pela legalização do que chamam o trabalho do sexo.
A ideia já não é nova, e mesmo na OIT uma tal senhora Lim publicou um estudo sobre o sector do Sexo, com incidência nos aspectos económicos, que a OIT não acolheu.
No norte, naquele fim-de-semana, que constituiu uma ofensa para O Trabalho, e para os trabalhadores e Trabalhadoras e também para o Sindicalismo, ouvimos, sem contraditório, desfiar as maiores ofensas aos Direitos Humanos.
Ouvimos os patrões amigos do Sindicato que se associam ao Sindicato.
Ouvimos uma especialista nestas matérias, uma portuguesa, por sinal, até com um doutoramento, afirmar que na actividade da prostituição, a que ela chamava trabalho, não havia exploração. Antes os proxenetas eram protectores das mulheres que exploravam.
Aquele fim-de-semana foi mesmo uma ofensa para as mulheres que se prostituem, pois se recusam a aceitar a exploração sexual como trabalho. Recusam-se a ter uma cédula onde se inscreva o eufemismo: Trabalhadora do sexo.
A Coligação contra o Tráfico de Mulheres, tem vários depoimentos de mulheres nesse sentido:
Cito dois:
« Nego-me. Não é uma profissão. É humilhante e é uma forma de violência masculina».
« A prostituição despoja da vida, da saúde, de tudo».
São motivos meramente económicos os que estiveram na base de políticas que permitiram a abertura de bordéis, como aconteceu na Holanda e na Alemanha, por exemplo.
A Holanda viu triunfar a sua tese de prostituição livre e prostituição forçada, ao conseguir introduzir esta distinção na Plataforma de Acção de Beijing.
Alegou que se assim não fosse, estariam prejudicadas as largas receitas produzidas pelo seu Bairro de Luzes Vermelhas.
E, cinicamente, vem invocando o direito das mulheres à autonomia.
Esqueceu-se do direito à liberdade, de que obviamente a grande generalidade das mulheres que se prostituem não goza.
Os casos retratados no Filme Belle de Jour de Buñuel contar-se-ão pelos dedos.
E são a condenação da ideologia de uma classe social que cultiva a exploração sexual, até como uma forma de controlo social, como uma forma de repressão, aliás também magistralmente retratada por Pasolini no filme Saló ou os 120 dias de Sodoma.
O que a Holanda proclama como um direito das mulheres à sua autonomia, assenta na negação das mais fundamentais liberdades. Na negação da liberdade e do direito indeclinável ao estatuto de ser humano
O que a Holanda defende é aquilo que está proibido em todo o mundo: a comercialização do corpo. A comercialização da dignidade.
A verdade, é que a Holanda, com esta escravatura, arrecada lucros que compatibiliza no seu Produto Interno Bruto.
As receitas dos bordéis holandeses representam cerca de 5% do produto interno bruto. Desde que foram permitidos os bordéis nos Países Baixos, em 2001, os proxenetas viram aumentar os seus rendimentos cerca de 25%.
As associações dos empresários desta exploração são tratados como parceiros sociais.
Esta política deu mesmo origem a uma Associação de Utentes de Bordéis que visa sensibilizar a população para a aceitação das virtudes da prostituição.
Talvez que usem um estafado slogan de tempos medievais que, entre nós, o Fascismo cultivou:
«Graças a ela (a prostituição) poderá recuperar-se a honestidade das casadas e a virgindade das solteiras».
A regulamentação da prostituição falhou todos os objectivos que enunciava.
É por demais evidente que não combate a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis. Os bordéis são focos de transmissão dessas doenças, pois que os clientes não são sujeitos a exames médicos e não é possível saber em que momento as mulheres foram infectadas.
Os bordéis são locais de violência, de imposição às mulheres de variadas práticas sexuais para maiores lucros do proxenetismo.
A regulamentação da prostituição fomentou o tráfico de seres humanos, nomeadamente de mulheres.
Segundo um estudo realizado em 2003, 60 a 90 % das mulheres que se prostituem na União Europeia são estrangeiras.
O tráfico de mulheres e de criança é um elemento chave neste novo empreendedorismo post moderno à moda neoliberal.
Segundo as estimativas da OIT são mais de 250.000 os escravos do sexo nos países industrializados.
A integração de receitas dos bordéis no PIB torna os Estados mais permissivos no combate ao tráfico e ao crime organizado.
E isso é mesmo revelado nos dados relativos à prostituição infantil, na Holanda, vinda principalmente de outros países – da América Latina e de África. De 4000 crianças usadas na prostituição em 1996, o número passou para 15.000 em 2001.
Desenrola-se perante os nossos olhos uma autêntica farsa do proxeneta, que conta com a legalização para cometimento de outros crimes: branqueamento de capitais, tráfico de droga, corrupção.
Nos objectivos do Milénio das Nações Unidas não se conta a regulamentação das novas escravaturas.
Antes o combate às reais causas que às mesmas conduzem. A Pobreza. A Miséria extremas.
É assim insólito que das bandas do Governo surjam vozes a louvar a legalização.
Não sendo o exercício da prostituição um crime, nós estamos contra a legalização do lenocínio, do proxenetismo.
O que é preciso é medidas de reinserção social das exploradas. Como consta de um projecto de resolução que apresentámos.
Em defesa da dignidade de todas as mulheres.
Disse.
(...)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira,
Não esperava
outra posição de V. Ex.ª se não esta que lhe ouvi.
Aliás, escrevi outro dia num artigo que me recordava de, em 1991 ou 1992, ter sido uma Deputada do
Partido Socialista que aqui, neste Plenário, recomendou, no dia 8 de Março, que fosse ratificada a Convenção
de 1947, que é exactamente aquela que diz que «explorar as pessoas na prostituição é contra a dignidade
do ser humano». Foi essa Deputada do Partido Socialista que, em 1991 ou 1992, efectivamente, pôs
muito bem esta questão e a Convenção foi ratificada depois, logo no ano a seguir!
No fascismo não tinha sido ratificada porque, é claro, havia os bordéis, etc.; depois acabaram os bordéis, mas ficaram as medidas de segurança para as mulheres que eram apanhadas no exercício da prostituição.
Por isso me admirei quando, efectivamente, do mesmo partido começaram a vir vozes no sentido de ser
necessário fazer a «legalização» da prostituição. Para mim esta é uma expressão mal utilizada, porque
exercer a prostituição em Portugal não é crime, portanto o que deviam dizer era que era necessário fazer a«regulamentação» da prostituição.
Considero que é muito importante a 1.ª Comissão estudar e debater este assunto, pois não sei se a
Subcomissão para a Igualdade tem tempo neste momento para o fazer, uma vez que está a tratar da forma
como as crianças são tratadas.
Este assunto é muito importante, porque isto não é um fenómeno que acontece só cá, em Portugal! Isto
está espalhado!
Não será por acaso que foi importado para Portugal ou exportado de outros países aquele congresso,
que, manifestamente, tem por detrás, como aconteceu nos outros países, o proxenetismo organizado, que
quer, efectivamente, que não haja peias à sua actividade. Por isso é muito importante que quem está contra
esta vaga construa uma barreira e pare, de vez, aquilo que se está a fazer com apelos a uma «legalização
», parecendo que os que estão contra o fazem por motivos morais. Mas não é! É por otivos éticos, é
por causa dos direitos humanos!!
Aplausos do PCP, de Os Verdes e de Deputadas do PS e do PSD.
É por isso que, efectivamente, estamos contra!
De facto, Sr.ª Deputada, falei de alguns exemplos de aumento da prostituição, mas há outros exemplos
na Austrália. Há, por exemplo, o Grupo de Budapeste, que foi um grupo criado por quase 40 países paraestudar as questões das migrações que aponta, embora em nota de rodapé, o que é lamentável, que a
maior parte das migrações entre países é para o exercício da prostituição.
Dizer que há «prostituição forçada» e «prostituição livre» é um insulto, porque muitas mulheres que,
supostamente, vão voluntariamente para a prostituição fazem-no forçadas!!
Outro dia, num documentário uma mulher, suponho que da Ucrânia, foi uma primeira vez enganada para
a Turquia, julgando que ia trabalhar numa actividade normal. Para ela o trabalho era esse. Depois, conseguiu
escapar, mas acabou por ter de voltar, sabendo já ao que ia, mas afirmou que, como tinha o irmão
extremamente doente, em risco de morrer, e não havia meios de subsistência lá em casa, essa era a
maneira de ela contribuir para salvar o irmão…
Portanto, essa distinção é uma distinção falaciosa, porque, efectivamente, o que está por detrás disso
não é ser «a mais velha profissão do mundo», porque é totalmente falso!! A mais velha actividade do ser
humano foi a agricultura e a caça. Quando dizem que é «a mais velha profissão do mundo» é quase como
dizer: rendam-se à evidência, porque isto sempre assim foi e sempre assim há-de ser.
Nós, que estamos contra isto — eu, a Sr.ª Deputada, outras Sr.as Deputadas e outros Srs. Deputados —,
lutamos pela dignidade da mulher, lutamos por medidas de reinserção social destas mulheres que se prostituem,
lutamos ao lado delas e queremos, efectivamente, que elas sejam livres! Esse é o caminho!!