Intervenção da deputada
Odete Santos
Declaração política sobre
a Marcha Mundial das Mulheres
contra a pobreza e a violência
6 de Janeiro de 2000
Senhor Presidente
Senhores Deputados
O ano 2000 será assinalado pela mobilização das mulheres do mundo inteiro que desde Outubro de 1998 preparam a Marcha Mundial das Mulheres contra a pobreza e a violência.
No dia 17 de Outubro-Dia Internacional da luta contra a pobreza, as mulheres vão concentrar-se junto às nações Unidas para fazerem ouvir mais alto a sua luta que é a luta pelos direitos humanos.
Em que mundo vivemos? Interrogam-se as mulheres.
Com efeito, o século que conheceu importantes movimentos femininos com vista à conquista da igualdade e da liberdade, que foi palco de importantes conferências internacionais promovidas pelas Nações Unidas, terminará com a marca gritante das desigualdades que submetem os povos e onde têm um especial sublinhado as desigualdades de que são vítimas as mulheres.
A última Conferência sobre a situação mundial das Mulheres- a Conferência de Beijing de 1995 - aprovou uma Plataforma de Acção na qual, entre outras medidas, os Estados se comprometeram:
- A reduzir as despesas militares excessivas e a promover políticas de desarmamento.
- A promover os direitos e a independência económica das mulheres, nomeadamente o acesso ao emprego, condições de trabalho apropriadas e acesso aos recursos económicos
- A eliminar a discriminação profissional e todas as formas de discriminação no emprego
- A garantir a não discriminação e a igualdade perante a lei e na prática.
- A rever, adoptar e aplicar políticas macro- económicas e estratégias de desenvolvimento respondendo às necessidades das mulheres vivendo na pobreza.
E afirmaram ainda, os Estados, na Plataforma de Acção, que os Direitos Fundamentais das Mulheres compreendem o direito de ser donas da sua sexualidade, aí se compreendendo a saúde sexual e reprodutiva, sem nenhuma coacção, discriminação ou violência.E compreendem, tais direitos fundamentais, o direito de tomar decisões naquele domínio, livremente e de forma responsável...
E os Estados do mundo inteiro comprometeram-se ainda:
- A tomar medidas coordenadas para prevenir e eliminar a violência sobre as mulheres
- A estudar as causas e consequências dessa violência e a eficácia das medidas de prevenção
- A eliminar o Tráfico de Mulheres e a apoiar as mulheres vítimas do Tráfico e da Prostituição
As Nações Unidas vão fazer no mês de Junho do corrente ano o balanço dos primeiros 5 anos de vigência da Plataforma de Acção.
Mas é já bem evidente que a concretização das resoluções se cifra por uma percentagem diminuta, a qual muitas vezes até pode ter tradução na Lei, mas não tem, na maioria dos casos, tradução prática.
Isto é, os Direitos das Mulheres que são direitos humanos, estão em grande medida por realizar. Apesar dos progressos que se devem à luta das mulheres.
Como está por realizar amplamente o direito dos povos à liberdade.
E isto porque não pode separar-se esta questão das causas estruturais da pobreza.
É aí que nascem as desigualdades. É aí que nascem as discriminações. E, com a ajuda de um sistema neopatriarcal, o alargamento a todo o género feminino das discriminações.
Mas estas desigualdades não têm, de facto, qualquer fundamentação genética.
E a pobreza também não é uma questão genética nem é uma fatalidade.
A pobreza, tal como se diz no documento de proclamação da Marcha mundial é um fenómeno construído económica, cultural e socialmente.
A pobreza deve-se ao sistema económico que domina o mundo e que tem por aliado um neo patriarcado, que promove a cultura da violência.
O neoliberalismo, produto reciclado do velho capitalismo, por força da mundialização dos mercados, trouxe de facto o triunfo das desigualdades, da pobreza, da feminização da pobreza, o triunfo da violência, da violência sobre as mulheres que atinge mesmo formas extremas de uma velha escravatura- a prostituição e o tráfico de mulheres, vendidas nos mercados transnacionais dominados pelo crime organizado.
Em que mundo vivemos? Pergunta-se no documento da proclamação da Marcha.
É um mundo que conheceu conquistas assinaláveis, mas que vê chegar o fim do Milénio com uma população em que 2/3- quatro biliões de que a maioria são mulheres e crianças- vivem abaixo do limiar da pobreza relativa, e em que 1,3 biliões, de que 70% são mulheres ,abaixo do limiar da pobreza absoluta!
E a pobreza, como se diz no Relatório de 1998 sobre o Desenvolvimento Humano do Fundo das nações Unidas para a População e Desenvolvimento, " significa mais do que a falta do que é necessário para o bem estar material: ela é a negação das oportunidades e da possibilidade das opções mais essenciais ao desenvolvimento humano- a longevidade, a saúde a criatividade- mas também das condições de vida decentes - dignidade, auto-estima e respeito pelos outros, acesso a tudo o que dá valor à vida.
A pobreza é verdadeiramente a privação da cidadania.
E dessa privação sofrem de uma maneira especial as mulheres. As mulheres que representam metade da população mundial e fornecem 2/3 das horas de trabalho. Mas não ganham mais do 1/10 do rendimento mundial, e não possuem mais do que 1/100 da fortuna mundial.
Por isso a partir do próximo dia 8 de Março,em várias acções que culminarão na Jornada Final em 17 de Outubro as mulheres do Mundo inteiro vão reclamar um sistema económico mundial justo, participativo e solidário. Vão reclamar uma repartição justa e equitativa das riquezas do Planeta. A mundialização da solidariedade. Um combate decidido à pobreza que torna os pobres, e de uma forma particular as mulheres, mais especialmente vulneráveis às discriminações e à violência.
Vão reclamar medidas decididas no combate á violência que continua a abater-se sobre todas as mulheres, nas formas mais invisíveis, Por via da persistência de uma cultura neopatriarcal que continua a encarar o sexo feminino como um sexo inferior, vocacionado naturalmente para o sofrimento de toda a sorte de humilhações.
Vão reclamar um combate decidido ao crime organizado e de uma forma especial ao crime que envolve a pior das escravaturas: a prostituição e o tráfico de mulheres.
Para que nunca mais possa ler-se, como se lê num estudo da OIT, que dados os rendimentos produzidos com aquelas actividades se deveria lançar uma taxa sobre esses rendimentos. O que equivaleria a legalizar a actividade de proxenetas, a actividade criminosa que vive da violência mais brutal sobre o sexo feminino.
Senhor Presidente
Senhores Deputados:
O Relatório que Portugal certamente apresentará até à Próxima Assembleia Geral das nações Unidas, a realizar em Junho do corrente ano para fazer a avaliação da concretização nos primeiros 5 anos das medidas constantes da Plataforma de Acção de Beijing, não poderá deixar de reflectir alguns dos problemas com que se debatem as mulheres portuguesas.
É certo que a nossa legislação se situa seguramente entre as mais avançadas no que toca aos direitos das mulheres. Conhece nos últimos tempos, e em sede legislativa, um interesse especial pelas questões da violência,após a aprovação em 1991 de um projecto de Lei do PCP reforçando as garantias e a protecção dos direitos das mulheres vítimas de violência, que é hoje a lei 62/91.
No entanto, o Relatório não poderá deixar de reflectir a vida real das mulheres portuguesas.
Nomeadamente a que se relaciona com índices que revelam inquietantes taxas de feminização da pobreza e degradação de condições de vida.
Não poderá deixar de reflectir a real violência de que são vítimas as mulheres nos locais de trabalho, e que se cifra, nomeadamente, na privação de exercício de direitos decorrentes da maternidade.
A verdade é que não pode abstrair-se de dados constantes de estudos do INE, do próprio Ministério do Trabalho e Solidariedade, dos dados relativos ao rendimento mínimo garantido.
Aumenta o número de famílias monoparentais femininas.
Regista-se um decréscimo na frequência da escolaridade obrigatória.
Torna a registar-se um aumento do índice de envelhecimento.
A provar que é preciso mudar a vida.
A precaridade de emprego vai aumentando.
As mulheres ocupam 70% dos empregos a tempo parcial.
Aumenta o número de desempregados com o ensino superior.
Entre todos os titulares do rendimento mínimo a maioria são mulheres- 68%.Dados de Julho de 1999.
As famílias monoparentais femininas titulares do rendimento mínimo são 21%, enquanto as monoparentais masculinas são 1%. As mulheres sozinhas são 14% e os homens sozinhos são 10%.
As Mulheres ganham em média menos 25% do que os Homens.
Os nados vivos de mães adolescentes representam cerca de 7% do total. O que revela uma alta taxa de gravidezes adolescentes.( cabe perguntar: Para quando a execução dos diplomas sobre educação sexual nas escolas?)
Mais de metade das mães adolescentes são inactivas.
As mães jovens, foram as que tiveram maior proporção de gravidezes não assistidas ( 3, 2%).
Acrescentemos o que consta do último Relatório sobre o Desenvolvimento Humano das Nações Unidas: nos países da OCDE uma mulher com filhos trabalha em média mais 3,3 horas por dia- trabalho não pago.
O nosso Retrato revela : as mulheres portuguesas são vítimas de discriminações e desigualdades.
Estão bem longe de gozar da plena cidadania. Da plena Liberdade.
E Liberdade, segundo alguém escreveu
" é o direito de escolher, o direito de criar para si mesmo a escolha alternativa. Sem a possiblidade de escolha e o exercício desse direito, o ser humano não é nada mais do que um instrumento, uma coisa."
Disse.