Interpelação do PCP ao Governo sobre MOEDA
ÚNICA
Intervenção do Deputado Lino de Carvalho
19 de Março de 1997
O caso Renault fez aparecer muitas vozes aparentemente indignadas contra o comportamento desta transnacional europeia. Mas esta "indignação", expressa desde logo ao mais alto nível por M. Santer, tem um nome: hipocrisia. Porque tanto a Comissão Europeia como os Governos europeus sabem que o processo de deslocalização das empresas e de encerramento e despedimento súbito dos trabalhadores é uma consequência inerente ao modelo de economia capitalista em construção na Europa e no mundo, é uma consequência da chamada liberdade de circulação de capitais, é uma consequência do mercado único que se irá acentuar, acelerar e multiplicar com a moeda única.
É, pois, uma refinada mentira a afirmação, como fez o PS no folheto de propaganda do euro, que a moeda única vai criar postos de trabalho.
A moeda única vai, pelo contrário, criar mais desemprego, e ser factor de pressão e chantagem sobre os trabalhadores para um emprego de menor qualidade e mais precário.
É um dado adquirido que uma integração económica mais profunda no quadro de uma moeda única, com políticas monetárias e cambiais comuns, vai estimular a deslocalização das grandes empresas e das transnacionais para os países e regiões da Europa mais prósperas e com maiores produtividades. Como diz o Argumentário Euro "as posições concorrenciais das empresas reflectirão, fundamentalmente, as diferenças de produtividade e de inovação". Sabido que não são as empresas portuguesas as mais destacadas nesse terreno - nem o irão ser nos próximos anos - aí estará o Governo a oferecer como alternativa e como vantagem comparativa uma força de trabalho mais barata e com menos garantias sociais. E não venha o Senhor Primeiro Ministro falar em "consciência social" do Governo do Partido Socialista. Porque essa consciência social está bem expressa na afirmação produzida há poucos dias pelo Secretário de Estado da tutela quando, ao referir-se ao "programa para a internacionalização da economia portuguesa" apelava às empresas portuguesas se considerassem que estavam a perder competitividade devido aos salários, a deslocalizarem-se para regiões e países em que os salários fossem mais baixos que os portugueses. Como está expressa no comentário do Engenheiro António Guterres à recente investigação de sociólogos do Ministério da Qualificação e Emprego que estimam já em mais de 2 milhões de empregos (46% dos trabalhadores) o volume do trabalho precário em Portugal. Face a dados que confirmam uma situação socialmente intolerável esperar-se-ia de um Primeiro Ministro de um Governo do PS, no mínimo, preocupação e adopção de medidas de combate à crescente precarização e desregulamentação das relações de trabalho. Mas não. Numa reacção que faria inveja à Senhora Tatcher (ou ao Senhor Chirac, já que se encontrava em Paris) o Engº António Guterres, veio dizer que a precaridade de emprego em Portugal é um fenómeno natural e assegurou ao patronato francês que assim iria continuar a ser. De uma penada o Primeiro Ministro de um Governo "socialista" deita por terra a legítima ideia de que os avanços civilizacionais e tecnológicos devem ser colocados ao serviço da Humanidade, proporcionando uma melhor qualidade de vida, nela se integrando a criação de "mais e melhor emprego" e o "combate ao abuso do trabalho precário e temporário" (citações do Programa Eleitoral do PS). No fundo, o que o Engº António Guterres lamenta é que a situação laboral em Portugal não seja ainda como a do Reino Unido da Senhora Tatcher e do Senhor Major onde não há restrições aos contratos a prazo, onde o número de contratos a prazo sucessivos concluídos com o mesmo trabalhador podem ser ilimitados, onde não há limitação legal à duração semanal de trabalho nem obrigação de um mínimo de férias anuais; onde os períodos experimentais podem ir até dois anos; onde os despedimentos são feitos sem pré-aviso. É a isto que o Governo do PS e o Engº António Guterres aspiram quando assumem como boa a interpretação do patronato sobre a Lei das 40 horas ou quando fazem apelo permanente às políticas de moderação salarial e de desregulamentação das relações de trabalho.
Tudo em nome da "competitividade" e da "globalização da economia". Tudo em nome da "moeda única". É o sucesso contra o emprego, contra os salários, contra as despesas sociais. É a chantagem sobre os trabalhadores: ou te precarizas e aceitas salários moderados ou me deslocalizo; ou aceitas a mobilidade e vais atrás das empresas ou te desempregas. É o "sucesso" da economia sempre à custa de quem trabalha que faria as delícias de qualquer ideólogo do fundamentalismo neo-liberal.
Como afirma o Relatório do Conselho da Europa "as Regiões periféricas do território da União Europeia, menos preparadas e já pobres, arriscam- se a ver o seu desemprego aumentar, sobretudo se os desempregados recusam a mobilidade - isto é, a transferência - para zonas de forte crescimento".
Senhor Presidente, Senhores Deputados,
Não venham com a cassete da visão catastrofista do PCP. Respondam- nos com argumentos, se os têm. E respondam não só a nós. Respondam também às várias Universidades Europeias que fizeram, para o Parlamento Europeu, o estudo sobre as "consequências sociais da UEM", respondam às resoluções do Conselho da Europa; respondam aos múltiplos analistas que em Portugal e por essa Europa fora têm as mesmas preocupações que o PCP.
Se estão tão certos que o PCP não tem razão aceitem a realização de um amplo debate nacional, aceitem a realização de um referendo.
A Europa está a ser construída contra os trabalhadores e contra o emprego. A moeda única está a ser preparada sacrificando-se o bem estar, a estabilidade e as garantias de quem trabalha. Não foi isto, não é isto que foi, que é, prometido aos povos. Por isso cuidem-se: em Portugal, em França, na Alemanha o descontentamento, as lutas e os movimentos sociais alastram. E continuarão a crescer à medida que os trabalhadores perceberem que mercado único e moeda única são cada vez mais sinónimo de deslocalização, mobilidade, trabalho precário, desemprego.