Debate sobre a participação de Portugal na 3ª fase da
União Económica e Monetária incluindo Pacto de Estabilidade
Intervenção do Deputado Lino de Carvalho
13 de Fevereiro de 1997
1 - O agendamento de um debate, todos o sabemos, não é casual. Obedece, muitas vezes, a critérios de oportunidade. Ora o debate que, hoje, aqui fazemos, proposto pelo Governo é particularmente oportuno para os seus propósitos. Por um lado e a pretexto das afirmações de responsáveis da Alemanha, da Holanda, dos banqueiros europeus, aproveitar para agitar uma pretensa bandeira da dignidade nacional ofendida, e lançar uma cruzada "nacionalista" obrigando o PSD a subscrever a política do PS (como decorre do projecto de resolução conjunto) e a engolir os truques mediáticos de aparente distanciamento ensaiados recentemente pelo seu Presidente.
Com esta operação o PS (e o PSD) ainda aproveitam para tentar desviar o debate e a atenção do povo português das questões centrais, incómodas ligados à UEM e à Moeda Única, que querem escamotear, que querem esconder atrás de um intitulado "desígnio nacional".
Só que o verdadeiro "desígnio nacional", a verdadeira defesa da dignidade e do interesse nacional está na defesa de políticas que promovam o desenvolvimento, o progresso social e o emprego numa Europa de Nações iguais e soberanas e não numa qualquer adesão à moeda única e ao pelotão da frente.
São as questões substantivas que o PCP não se demite de debater por muito que contrarie o casamento do PS e do PSD.
2 - Vejamos algumas
"A introdução de uma moeda única gerida por um Banco Central Europeu é um projecto essencialmente político que implicará e, portanto conduzirá rapidamente a políticas económicas comuns (com a consequente perda de soberania numa questão tão sensível como é da gestão da moeda) e à construção de uma Europa Federal. É, aliás, mesmo a sua razão de ser".
Sabe quem afirma isto, Senhor Primeiro Ministro? Não são só os comunistas. Isto que acabei de ler é o texto de uma resolução da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, aprovada, há duas semanas, em Estrasburgo com os votos dos Deputados Socialistas e do PSD, redigida por um seu companheiro do Partido Socialista da Finlândia, e que as recentes declarações da Alemanha, da Holanda ou dos banqueiros europeus só vêm sublinhar.
3 - Quanto às vantagens da moeda única para as regiões periféricas como Portugal é hoje também um dado adquirido que tais regiões arriscam-se a ver o seu desemprego aumentar na medida em que a relativa aproximação das taxas de juro levará a que os investimentos se concentrem "nas regiões mais prósperas da União Europeia" porque aí a composição orgânica do capital ou, se quiserem, o desenvolvimento tecnológico, proporcionará então melhores taxas de rentabilidade para os capitais investidos.
Para impedir esta tendência inelutável seria necessário assegurar uma extrema mobilidade da força de trabalho, obrigando os trabalhadores a deslocarem-se de uma região para outra, de um País para outro. Aliás, o exemplo dado é sempre o dos EUA onde a desregulamentação e ausência de garantia de direitos dos trabalhadores foi levada ao extremo. Como isto é inaceitável a perspectiva mais optimista, para alguns, é que os "reformados da Europa do Norte optem pelos céus mais clementes do mediterrâneo" e, por essa via, transformando Portugal num atractivo centro de dia para a 3ª idade, criar-se emprego no apoio aos mais idosos. Convenhamos que é uma perspectiva pouco compatível com o futuro rosa que o Eng. António Guterres e o PS nos oferecem no folheto de propaganda que nos enviaram para casa.
4 - Na panóplia de argumentos com vista à integração de Portugal na 3ª fase da UEM avulta ainda a ideia de que "nas viagens e no comércio entre países da União Europeia deixará de haver despesas cambiais na troca de moedas". Sendo um argumento que tem pouco a ver com as preocupações dos 70% de portugueses que ou não fazem férias ou não as gozam fora de portas, a verdade, senhores Deputados, é que já actualmente tais despesas são residuais - não representam mais do que 0,017% do PIB - e a tendência é para continuarem a baixar, importando ainda lembrar quanto a este argumento que o grosso do comércio internacional (como, por exemplo o petróleo) se faz em dólares pelo que as trocas internacionais irão continuar a gerar custos de transações cambiais.
E quanto à estabilidade do Euro é oportuno também lembrar que tal pressuporia que o dólar e o iene fossem eles próprios estáveis nas suas relações cambiais. Tal não acontece e por isso o Euro irá também ter necessariamente de flutuar em relação a uma e à outra das moedas sendo que, obviamente, a margem de flutuação far-se-á em função do interesse do Bundesbank e das economias mais fortes. Portugal e a economia portuguesa terá que se limitar a encaixar os efeitos das decisões tomadas pelo Banco Central e por quem inspira as suas políticas. que significa, por exemplo, que um euro forte à imagem e semelhança do marco e da economia alemã mas seguramente desequilibrado e artificialmente valorizado em relação às economias mais fragéis, como a Portuguesa, terá sérias e graves consequências para as nossas empresas e para a sua capacidade competitiva, designadamente nos mercados fora da zona do euro exactamente aqueles onde poderíamos em relação a outras economias concorrentes ter mais vantagens competitivas. A menos que se esteja a pensar, como de facto pensam os defensores da Moeda Única,que a defesa da capacidade competitiva das empresas e da economia seja feita, como no essencial tem sido, à custa da remuneração da força de trabalho, da pressão sobre os salários e os direitos dos trabalhadores, como instrumento de redução dos chamados custos de trabalho.
5 - Ao contrário do que os defensores da moeda única querem fazer crer Portugal não terá nenhuma voz particularmente forte nas decisões que serão tomadas no âmbito da Zona Euro. Será o Banco Central Europeu, omnipotente, em cujo executivo Portugal não terá assento, que tomará as principais decisões em matéria de políticas monetárias, orçamentais e até fiscais. A margem de manobra que restará para o governo português e para esta Assembleia da República resumir-se-á aos trocos. O déficit democrático já hoje existente no seio da União Europeia aprofundar-se-á de maneira intolerável. Por exemplo, se um País em dificuldades, em recessão, quiser lançar políticas fiscais ou outras de relançamento da economia não o poderá fazer. Aliás, com o chamado pacto de Estabilidade, aceite pelo Governo Português sem nenhum debate ou, no mínimo consulta ao parlamento, esse quadro assume um carácter ainda mais constrangedor. Como é sabido o pacto de estabilidade não se limita a defender a manutenção do déficit ao nível dos 3%. Vai mais longe. Cada País participante no Euro obriga-se a caminhar para "uma situação orçamental próxima do equilíbrio ou excedentária" e só serão aceites políticas de combate a situações de crise em caso excepcional, definido como uma quebra anual do PIB real, no mínimo, de 2%.
Todo este conjunto de condições significa obviamente, e ao contrário do que o PS e o PSD pretendem fazer crer, que as políticas de contenção e de penalização das condições de vida dos portugueses vão continuar, e porventura até ser mais graves, depois da criação da moeda única.
Aí estarão cada vez mais as políticas ditas de moderação salarial, de desregulamentação das relações de trabalho, de desmantelamento dos sistemas de protecção social, de pressão sobre as reformas, dos cuidados de saúde pública, tudo para reduzir a despesa e o déficit público.
Nesta como noutras matérias quem pagará, em última análise, os custos do euro serão os trabalhadores e as camadas mais desprotegidas da sociedade o que justifica plenamente as oposições, críticas e inquietações que perpassam não só pelos Comunistas mas igualmente por muitos sectores socialistas e até sociais-democratas por essa Europa fora.
6 - Propositadamente elencámos argumentos que poderiam ser originalmente dos comunistas - e alguns até são - mas optámos por percorrer alguns dos capítulos mais significativos de resolução aprovada, há duas semanas, na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, seguramente insuspeita de comunista ou de mesmo, ser a favor dos especuladores, de uma Europa dividida e fraca e ser contra a União Europeia como, com linguagem terrorista, o PS afirma no folheto de propaganda do Euro, fazendo ressuscitar a velha fórmula de que os que não são por nós são contra nós.
Senhor Primeiro Ministro, menos provincianismo e mais bom senso e sentido do debate democrático é o mínimo que se lhe exige numa matéria tão importante. A moeda única não é alternativa à situação actual. As economias não são iguais e as moedas reflectem, melhor ou pior diferenças existentes entre os sistemas produtivos. As políticas económicas devem ter como objectivo estimular as economias e criar mecanismos e alavancas que permitam às economias menos desenvolvidas e menos dinâmicas acelerarem o passo.
O movimento das taxas de câmbio dentro de uma determinada banda de flutuação, que pressupõe a existência de diferentes moedas, podem contribuir para essa função de alavanca pondo em execução políticas monetárias mais adequadas às necessidades e especificidades de cada economia. Ora isto não será possível com a moeda única e políticas económicas e monetárias únicas.
7 - Querem impôr-nos o euro à força. Mas tão grave como nos quererem i mpor, também aqui, a teoria do pensamento único, é impedirem os cidadãos de se pronunciarem sobre uma decisão tão crucial para o futuro colectivo como é a passagem à Moeda Única. Independentemente das opiniões diferentes que possam haver desafiamos o Governo, o PS e o PSD a não terem medo do debate e da voz dos cidadãos. Desafiamo-vos a aprovarem o nosso Projecto de Resolução e a permitirem no texto constitucional e na lei, a realização de um referendo nacional onde o povo português seja chamado a pronunciar-se sobre a participação de Portugal na moeda única.