O OE' 97 na Assembleia da República
Sacrificar o País pela moeda única
Artigo publicado no Jornal «Avante!»
Novembro 1996

 

O Parlamento aprovou, na generalidade, o Orçamento do Estado para 1997. No momento da votação, sem surpresas, como corolário de um debate também ele sem grandes novidades, o resultado esperado: com os votos favoráveis do PS e a preciosa abstenção do PSD, o Orçamento foi viabilizado, dele demarcando-se, com o voto contra, todas as restantes formações parlamentares.

Há que dizer, no entanto, que este apuramento final não reflecte com fidelidade o posicionamento político evidenciado pelos diferentes partidos face ao Orçamento do Estado e às Grandes Opções do Plano. Significa isto, por outras palavras, que nem todos estabeleceram uma relação de coerência entre o seu discurso e o voto. Fazendo uso de aparências várias, com efeito, houve quem dissimulasse no sufrágio o sentido das suas verdadeiras opções, do seu querer e vontade política. Excepção feita ao Grupo comunista - que desde a primeira hora manteve uma atitude consequente ancorando a sua rejeição ao Orçamento no entendimento de que este contraria, como sintetizou Carlos Carvalhas, no final do debate, a "viabilização de um futuro melhor para a economia e a sociedade portuguesas" -, a verdade é que tanto o PSD como o CDS/PP não se podem minimamente queixar das orientações ideológicas e muito menos das reais opções políticas que o Executivo plasmou no Orçamento.

No caso do PSD, pela simples razão de que as suas opções políticas e orçamentais não diferem, em rigor, no que é essencial, das adoptadas pelo Governo do PS, ou seja, como sublinhou o secretário geral do PCP, obedecem à mesma "determinante de sacrificar a economia e a sociedade portuguesas ao «bezerro de ouro» da moeda única".

Foi por isso, apesar da razoável encenação, para consumo público, um número falhado aquele a que se assistiu com o PSD a exigir ao Primeiro-Ministro que esclarecesse se a rejeição do Orçamento seria interpretada como aprovação de uma moção de censura. No próprio debate, esta questão esteve presente em todas as intervenções do PSD, de um modo quase exasperante, sem que a resposta viesse. Apenas no último dia, já no período das declarações finais, António Guterres aludiu ao tema - talvez num gesto de boa vontade para ajudar o PSD a salvar a face -, considerando um sinónimo de moção de confiança a rejeição do Orçamento.

Só que esta "bóia de apoio que permitisse ao PSD «justificar» o seu voto de viabilização do Orçamento", como observou Carlos Carvalhas, acabou por vir tarde, pois, momentos antes, antecedendo o discurso do Primeiro-Ministro, Marques Mendes foi forçado a anunciar aquilo que já se sabia desde o comício do Pontal, no Verão passado, isto é, que o PSD iria deixar passar o Orçamento.

Quanto ao CDS/PP, que parece ter deixado cair o que antes era apresentado como frontal oposição à moeda única - a avaliar pelo discurso de Manuel Monteiro que conformou a questão à necessidade de serem previamente feitos estudos sobre as consequências da adesão -, o seu voto contra não pode deixar de ser interpretado, prosaicamente, como uma mera uma questão de "ciúmes" de quem se viu preterido (depois dos serviços por si prestados no último Orçamento), neste romance do PS em busca de parceiro, pelo PSD.