Intervenção da Deputada
Margarida Botelho
Lei Quadro do Associativismo Juvenil
8 de Fevereiro de 2001
Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados,
O movimento associativo juvenil constrói e defende a democracia participativa, ao reforçar a intervenção dos jovens na vida social, numa perspectiva de luta por uma democracia política, social, cultural e económica.
Como Partido que defende uma democracia avançada e que considera a juventude como uma força social indispensável ao progresso e ao desenvolvimento do país, esta foi sempre uma preocupação grande no trabalho parlamentar do PCP. Desta dinamização resultaram, nomeadamente, a actual Lei n.º 124/99, de 29 de Agosto, que consagra o direito de associação de menores, uma reivindicação antiga do movimento associativo, e a simplificação do processo de constituição das associações juvenis, por diversas ocasiões apresentado pelo PCP na Assembleia da República e finalmente aprovado na generalidade no passado mês de Outubro.
A Lei Quadro que o PCP propõe define um conjunto de princípios que devem nortear o relacionamento entre o Estado e o movimento associativo juvenil, reafirmando o respeito e a sua autonomia devem merecer e o direito a ser encarado como uma prioridade do Estado, e reforçando a efectiva participação juvenil na definição da política de juventude.
Entre as diversas propostas que apresentamos nesta Lei Quadro, destacamos as seguintes:
- a equiparação, em termos de direitos, entre
as associações juvenis legalmente constituídas e os grupos
informais de jovens sem personalidade jurídica, respondendo mais adequadamente
à realidade do associativismo e da participação juvenis.
De facto, com a legislação actualmente existente, torna-se difícil
às instituições que desejem de alguma forma apoiar os grupos
informais justificá-lo em termos contabilísticos. Sublinhamos
aqui o papel que as autarquias locais têm desempenhado no desenvolvimento
do associativismo juvenil, apesar das dificuldades que muitas vezes lhes são
colocadas. Parece-nos que seria útil que a Assembleia da República
viesse a reflectir sobre uma forma, clara e transparente, de tornar este apoio
mais eficaz;
- defendemos que os apoios do Estado às associações devem
reger-se pelos princípios da transparência, da objectividade, do
respeito pela autonomia e independência das associações
e dos seus dirigentes. Tendo em conta o papel do associativismo na coesão
e transformação sociais, o PCP propõe que o Estado preste
uma atenção especial a zonas de maiores dificuldades para a juventude
(como territórios educativos de intervenção prioritária,
taxas de desemprego e precariedade juvenis especialmente elevadas, desertificação
e envelhecimento, etc.)
- propomos que, ao contrário do que sucede hoje, em que o Instituto Português da Juventude atribui mais peso à sua actividade própria, o IPJ terá como principal função apoiar as actividades do associativismo juvenil, consagrando-lhes a maioria dos seus recursos, assumindo-se fundamentalmente como uma entidade de apoio ao associativismo. Reforça-se também o princípio da gestão participada do IPJ;
- previmos determinados benefícios e isenções, de vária ordem, no sentido de apoiar as actividades, a manutenção das sedes das associações, etc.;
- estabelecemos a aplicação às associações juvenis das regras do mecenato e do estatuto de utilidade pública;
- propomos a extinção do Registo Nacional das Associações Juvenis. Consideramos que os critérios aos quais as associações têm de corresponder para se registarem no RNAJ são eles próprios limitativos. Além disso, o RNAJ tem funcionado mais como filtro no acesso aos apoios do IPJ do que propriamente como inventariação das associações. Propomos uma Inscrição Nacional, instrumento que não tem o objectivo de fazer qualquer tipo de certificação das associações juvenis, como o RNAJ hoje, mas apenas o de dar a conhecer a sua existência;
- estabelecemos que o Governo apresentará à Assembleia da República no prazo de seis meses um Programa de Fomento do Associativismo Juvenil;
- referimo-nos aos direitos especiais dos dirigentes associativos
juvenis, mantendo no essencial todos os que existem já hoje consagrados;
- tornamos mais claro o direito que as associações juvenis têm
de participar na definição das políticas de juventude.
Sr. Presidente,
Sras. e Srs Deputados,
A necessidade de aprovar uma Lei Quadro do associativismo juvenil fica bem espelhada na existência dos três projectos hoje em discussão. Estamos, como estamos sempre, disponíveis para melhorar na especialidade o nosso projecto.
Não podemos, no entanto, deixar de referir algumas questões da proposta de lei do Governo e do projecto de lei do PSD:
Cinco observações sobre a proposta do Governo:
- a primeira sobre o método: é lamentável que o Governo
não tenha convocado o Conselho Consultivo de Juventude para se pronunciar
sobre esta matéria, como lhe compete, principalmente depois de o Grupo
Parlamentar do PS ter pedido sucessivos adiamentos deste agendamento e da discussão
na especialidade do projecto-lei 156/VIII, alegadamente para que o CCJ fosse
ouvido sobre esta matéria. Aliás, o CCJ não reúne
há, pelo menos, 6 meses;
- segundo ponto: consideramos extremamente negativo que se continue a fazer
do RNAJ um separar das águas entre o associativismo formal e o não
formal. Chega-se ao ponto de um dos critérios que define o que é
uma associação juvenil ser estar 'registada junto do IPJ', ao
mesmo tempo que só se pode ter estatuto de utilidade pública se
nele estiver inscrita, e de se obrigar a que os grupos de jovens enviem anualmente
uma listagem com os nomes dos seus membros. Ou seja, o RNAJ continuará
a funcionar como um claro limite ao desenvolvimento do associativismo e o Governo
não resiste à tentação de o tentar manter em limites
rígidos;
- uma outra nota para discordar frontalmente do entendimento que tem o Governo sobre o associativismo não formal. Este não é, como refere o preâmbulo, 'uma forma rudimentar de associativismo'. A estratificação do que é mais rudimentar ou mais evoluído é, além de desfasado da realidade, uma intromissão nas formas de organização dos jovens. O associativismo formal e o não formal são realidades diferentes, igualmente respeitáveis, igualmente interventivas;
- o que o Governo propõe em relação ao direito de antena é um retrocesso, ao estabelecer que 'apenas pode ser exercido por intermédio de organizações federativas'. Mais uma vez, o Governo restringe e orienta a forma de organização dos jovens e o exercício deste direito;
- para o PCP, a valorização da transparência e da objectividade na atribuição de apoios às associações juvenis reveste-se de uma importância especial. Seguimos o Governo nesta preocupação, mas devem tornar-se mais claros os limites da fiscalização aqui proposta, nunca pondo em causa o princípio da confiança;
- em quinto lugar, congratulamo-nos com o facto de o Governo decidir reconhecer, finalmente, a necessidade de um processo especial de constituição das associações juvenis. Falta apenas a honestidade de reconhecer, pelo menos no preâmbulo, que o processo que propõem é praticamente ipsis verbis o projecto-lei n.º 156/VIII, originário do PCP e que está neste momento em discussão na especialidade na Comissão de Juventude e Desporto.
Pelo que dissemos atrás, parece-nos que ficou claro que ao projecto de lei do PSD temos principalmente a opor duas ordens de argumentos: por um lado, não abarca uma realidade crescente que é a do associativismo informal; por outro lado, continua a fazer do RNAJ um atestado das associações.
Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados,
A oportunidade que temos hoje reveste-se de especial importância. Podemos dotar as associações juvenis, a administração central e as autarquias de um instrumento orientados para o trabalho e para a intervenção que, obviamente, tem faltado. O desafio que se coloca a esta Assembleia é o de construir uma lei que responda às verdadeiras necessidades do associativismo juvenil de hoje, no sentido do seu desenvolvimento.