Intervenção da Deputada
Margarida Botelho
Projecto de Resolução nº 77/VIII,
que aprova
medidas de combate a factores de risco
na adolescência e na juventude
13 de Outubro de 2000
Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados,
O projecto de resolução do PS é surpreendente. Não
pelos temas, que nos parecem do maior interesse e utilidade. Não pela
recolha de dados feita, que é uma boa base trabalho já para
o Livro Verde que propõem.
A surpresa deste projecto vem de algumas afirmações que são
feitas que nem parecem vindas do partido que apoia o Governo.
Gostaria de ler alguns excertos sobre as questões da educação: 'A frustração que muitas vezes resulta do acesso ao ensino superior atinge níveis impressionantes. Porque a média não foi suficiente para o curso que se queria e os projectos de vida vão sendo adiados ou completamente alterados, tornando por vezes impossível definir um projecto de vida.' Mais à frente, refere que o acesso ao superior: 'é um factor de pressão que pode chegar mesmo a pôr em causa relações de amizade devido à competição que se estabelece entre os alunos. A solidariedade, que seria um dos valores fundamentais a desenvolver nos jovens é, nestes períodos, completamente posta de lado.' E fala ainda o PS em depressões e esgotamentos entre os estudantes.
O que aqui nos surpreende não é a análise, que nos parece correctíssima. Há anos que o PCP vem dizendo isto. Os 65 mil estudantes do secundário que em Maio passado saíram à rua falavam disto mesmo. O que é francamente surpreendente é que o PS saiba estas verdades todas e não faça nada para as alterar. Há boas medidas à espera de serem aplicadas: o fim das provas globais, dos exames nacionais e a extinção do numerus clausus. Se, como dá a entender o Grupo Parlamentar do PS, o sistema de acesso ao ensino superior é um problema de saúde pública, recupere-se muito rapidamente o tempo perdido.
Este projecto de resolução esquece que muitos destes factores
de risco têm causas sociais e económicas cuja responsabilidade
é do Governo.
Como é possível que se escreva que a dificuldade no 'acesso
ao estatuto de adulto' é um dos factores de risco na adolescência
e na juventude e depois se prossigam políticas de precarização
do emprego que impedem qualquer estabilidade, qualquer autonomia dos jovens?
Como é possível que se fale da dificuldade em construir projectos
de vida e se apoie um Governo que fez o que fez ao crédito jovem para
compra de habitação? Não é por acaso que dados
insuspeitos da União Europeia referem Portugal como o país onde
os jovens mais tarde se autonomizam. O país onde apenas 4% dos jovens
até aos 24 anos têm casa própria!
Outro exemplo claro é o do alcoolismo: dados recentes traduzem um
aumento do consumo global, e não apenas entre os jovens, como o PS
deixa aqui implícito. A Resolução do Conselho de Ministros
40/99 estima existirem 1 milhão e 800 mil bebedores excessivos, dos
quais 800 mil serão dependentes. As repercussões deste problema
expressam-se na relação com as principais causas de mortalidade
e nos muitos milhares de famílias afectadas por doenças graves,
violência doméstica, acidentes de viação e de trabalho
inaceitáveis e situações de grande dramatismo humano.
A gravidade do problema impõe a urgência de medidas eficazes
de intervenção sobre as causas sociais que estão na origem
desta situação, de informação e prevenção
primária, de educação e promoção da saúde,
do alargamento do dispositivo e dos meios dos serviços de alcoologia,
de apoio médico, medicamentoso, psicossocial e à reinserção
sócio-laboral, de fiscalização da acessibilidade do álcool
às crianças e em zonas próximas de estabelecimentos de
ensino, de cumprimento e fiscalização da legislação,
nomeadamente sobre publicidade, de alterações de natureza legislativa
e fiscalizadora, de reforço das estruturas de coordenação
da luta contra o alcoolismo. Isto é o que falta ao Governo fazer!
Sr. Presidente,
Sras e Srs. Deputados,
No que diz respeito à parte deste projecto que realmente propõe
questões, temos uma sugestão e uma dúvida.
A sugestão é para que a organização do debate
referido na alínea A) seja entregue à Comissão Parlamentar
de Juventude e Desporto, que nos parece a mais adequada para tal.
A dúvida é acerca do Livro Verde. Não sobre a utilidade
que normalmente os governos dão aos dados que se recolhem nestes livros,
mas sobre quem o fará. Não nos parece que sejam os deputados
da Assembleia da República os técnicos mais avalizados para
fazerem esta reflexão.
Para terminar, não resisto a outra citação do projecto de resolução: 'esta discussão que aqui se promove não deve apenas configurar um desígnio paliativo'. Pois não, concorda o PCP. Esta discussão sobre a saúde dos jovens que aqui se promove exige políticas concretas, mas de esquerda.