Senhor Presidente
Senhor Ministro da Justiça
Senhores Membros do Governo
Senhores Deputados
Há verdades insofismáveis que não podem ser escamoteadas, porque correspondem
a um diagnóstico de uma crise de que são vítimas os cidadãos.
É verdade que a Justiça é cara, morosa, de eficácia duvidosa.
A Justiça é inacessível aos cidadãos de mais débeis recursos.
A Justiça é habilmente manipulada pelos mais poderosos que passam incólumes
por acusações de corrupção, por suspeitas de envolvimento na grande criminalidade.
Que desafiam o Poder Judicial e o Poder Político.
Corroendo de uma forma insidiosa a legitimidade do poder político. Os cidadãos
queixam-se de que a Justiça só recupera a sua eficácia quando se trata de punir
sintomas de graves doenças da sociedade, que se encerram entre os muros das
prisões à míngua de soluções que ataquem o cerne da questão.
Quando se trata de punir a marginalidade resultante de exclusões sociais que
até serve de alimento à grande criminalidade.
Assim, o centro da interpelação do PCP é efectivamente o cidadão.
O que se confronta com uma Justiça morosa, cara e quase inacessível.
Sabemos que não há soluções fáceis, e que a crise da Justiça não se resolve
a curto prazo.
Não nos movem quaisquer intuitos que não sejam os de contribuir para colocar
o debate sobre a crise da Justiça no lugar certo.
De onde muitas vezes se desvia por formas subtis de ataque ao Poder Judicial.
Por ser, como diz o Professor José Matoso, motor de funcionamento da Ordem Social.
Não nos movem quaisquer intuitos que não sejam o de contribuir para um Poder
Judicial forte, situado longe de querelas político - partidárias. Um poder que
administre Justiça em nome do Povo, e que não pode ser alvo de quaisquer medidas
que desta ou daquela forma, por acção ou por inércia, o instrumentalizem.
Mas não podemos deixar de denunciar demissionismos como os que resultam das
afirmações do Senhor 1º Ministro num período de forte mediatização da crise
da Justiça. Para o Senhor 1º Ministro o Governo nesta área pouco pode fazer,
porque se trata dos tribunais.
Mas não é assim.
O Poder executivo é que define as condições em que a Justiça deve ser administrada.
E logo aí se abre um vasto campo de actuação do Poder Político, com vista a
garantir uma Justiça de proximidade, uma Justiça menos morosa, eficaz, acessível
mesmo aos cidadãos de mais fracos recursos.
A crise da Justiça nasce em 1º lugar, a montante da intervenção do aparelho
judiciário.
A conflitualidade aumenta diariamente, por forma a poder falar-se de uma verdadeira
explosão no recurso à Justiça.
O discurso do neoliberalismo económico tem como complemento na área do Direito,
um discurso libertário, no sentido de que todas as demissões do Estado relativamente
aos cidadãos, todo o laissez faire laissez passer tem o seu remédio no Poder
Judicial.
A atitude desreguladora do Estado neoliberal, que tem no actual Governo um aprendiz
de feiticeiro, está, por exemplo, na origem do consumismo que dá lugar ao endividamento
das famílias que enxameia os Tribunais.
Aquela atitude fomenta exclusões que torna cidadãos, nomeadamente jovens, potenciais
candidatos do sistema prisional.
Serve de arrimo a grupos poderosos, usando as mais sofisticadas formas de criminalidade,
manipulando as garantias em processo penal, pondo em crise o próprio sistema
garantístico.
Cedo o cidadão comum se apercebe de que não é verdade que a cada direito corresponda
uma acção, e que ao amputar-se a ele mesmo de poderes de intervenção ao lado
dos mais desfavorecidos, o Estado favorece a impunidade dos mais poderosos.
Sobretudo na Justiça Penal.
Os recentes afloramentos mediáticos da crise da Justiça mais não fizeram do
que radicar no cidadão essa convicção, afastando-o ainda mais da Justiça.
A crise da Justiça, em 2º lugar, resulta também - e esta pecha vem de há muito
da escassez dos meios, técnicos e humanos, postos à disposição da investigação
criminal.
Todos nos recordamos, porque são factos bem recentes - do mandato do Governo
do PSD, dos conflitos que estiveram latentes em torno dos escassos meios postos
à disposição do Ministério Público, da amputação de poderes do Ministério Público
na fiscalização da actuação da Polícia Judiciária, e dos riscos de intromissão
do Executivo no exercício da acção penal, que resultaram da anterior Lei Orgânica
do Ministério Público.
Mas todos nos recordamos muito melhor dos acontecimentos bem recentes, que despoletaram
nova mediatização da crise. Pondo em causa, dada a envergadura do processo -
o da Universidade Moderna - a análise serena da conjugação de esforços entre
uma polícia vocacionada para a investigação, e o Ministério Público, dirigindo
essa investigação.
No cerne dessa crise está de facto a questão dos meios postos à disposição de
qualquer daquelas entidades.
O Ministério Público tem hoje instrumentos legislativos, justificados pela necessidade
de combate à grande criminalidade.
Redobradas são, assim, as exigências de resultados palpáveis, no respeito pelos
direitos liberdades e garantias dos cidadãos, relativamente à grande criminalidade
como a do branqueamento de capitais.
Por forma a que se desvaneça a falta de confiança no Poder Judicial resultante
da convicção da impunidade dos poderosos.
Não se pode iludir o óbvio.
Existe, para o exterior, uma guerra entre magistraturas. Que as torna vulneráveis
e as enfraquece.
E temos para nós que a inabilidade do Ministério da Justiça no seu relacionamento
com as mesmas foi factor de peso no despoletar dessa guerra.
O Ministério da Justiça não pode forçar a aprovação de sopetão, de alterações
ao Código do Processo Penal, discutidas na especialidade nas piores condições.
O Ministério da Justiça tem o especial dever de criar as condições que fomentem
a coesão no Poder Judicial. Porque o poder político democrático é parte interessada
num Poder Judicial forte, que, como um verdadeiro poder cauciona a legitimidade
do Poder Político.
Mas a crise da Justiça resulta também, em 3º lugar, da sua proverbial morosidade.
Que arrasta em muitos casos a sua ineficácia.
Esta morosidade não é de facto fácil de resolver. E não pode ser resolvida,
como alguns desejariam à custa do sistema garantístico que tem de continuar
vigente quando em confronto estão cidadãos de desiguais poderes. De desiguais
recursos.
A morosidade está relacionada com o aumento da conflitualidade. Mas também com
a inércia na adopção de soluções informais para um número considerável de litígios
que devem ser entregues aos Julgados de Paz. Nesta matéria o Ministério da Justiça
nada fez.
Hoje, trabalhar nos Tribunais tornou-se um verdadeiro inferno. Para todos os
operadores. Para os Magistrados, para os Advogados, para os Funcionários Judiciais.
Hoje para os cidadãos, que assistem aos adiamentos sucessivos dos processos,
aceder aos Tribunais para o exercício de Direitos, tornou-se um calvário, a
dar razão ao provérbio " Mais vale um mau acordo do que uma boa demanda"
E, no entanto, tem aumentado o número de processos findos, segundo mostram as
estatísticas. Mas aumenta sempre mais e mais o número de processos entrados.
Pelo que o trabalho esforçado do aparelho judiciário é manifestamente impotente
para atacar, até onde é possível ,sem violação dos direitos liberdades e garantias,
a morosidade da Justiça.
Até porque, e esta é outra das razões que contribuem para a crise da Justiça
- e que vem detrás - reconheça-se - não se fez a modernização devida dos meios
ao dispor do aparelho judiciário.
Há efectivamente atrasos na modernização, nomeadamente em relação aos meios
informáticos.
Se é certo que nos sucessivos orçamentos houve aumentos nas dotações orçamentais
do Ministério da Justiça, a verdade é que os meios foram escassos na modernização
que poderia contribuir de uma forma eficaz para o combate a estrangulamentos
que geram morosidades.
Os computadores continuam a ser máquinas de escrever.
A gestão dos tribunais está entregue a quem tem muitas outras tarefas e não
pode racionalizar recursos.
Cada Tribunal continua a ser uma estrutura estanque, de difícil acesso aos outros
tribunais. A Justiça é uma máquina pesada que não se agilizou em função das
novas exigências.
Que nem sequer se modernizou em função das exigências do registo da prova.
Que continua sem se fazer tornando um mito o 2º grau de jurisdição em matéria
de facto.
Mas a Justiça, sente o cidadão - é uma máquina que para ele se caracteriza pela
carestia. E esta é uma outra razão, a 5ª numa ordem não hierarquizada, que gera
a falta de confiança dos cidadãos.
Apesar de todos os esforços dos profissionais do foro, nomeadamente dos advogados,
continuam a verificar-se insuficiências na realização do princípio constitucional
do acesso ao direito.
Os advogados estagiários presentes nos Tribunais, assegurando com a sua presença,
a defesa dos arguidos por nomeação in loco, não dispõem dos melhores condições
para assegurar uma defesa que nem sequer podem preparar. Reserva-se-lhes um
papel quase de figurantes, de que os cidadãos se apercebem.
Não há Justiça, desabafa-se. O prato está desequilibrado.
É o que dizem os cidadãos quando são confrontados com as prescrições do processo
penal. E aqui estamos confrontados com outra das razões de desconfiança que
incide sobre a Justiça. Logo, com outra das peças do puzzle da crise da Justiça.
Na situação de conflitualidade vivida nas auto proclamadas democracias ocidentais,
na situação de estrangulamento do aparelho judiciário que se vive em Portugal
é impossível que não se verifiquem prescrições.
Mas esta não é razão que se apresente ao cidadão atingido pela morte do exercício
da acção penal que solicitou ao recorrer aos Tribunais.
Por outro lado, quando os cidadãos vêem prescrever processos mediáticos que
envolvem a criminalidade de colarinho branco, sentimos então avolumar-se o desabafo
- Não há Justiça!
Se do aparelho Judiciário passarmos à execução de penas e ao sistema prisional,
encontramos novas razões de desconfiança na Justiça.
O sistema prisional, apesar de ter beneficiado de investimentos e algumas melhorias
,não assegura a reinserção social.
As penas aplicadas são por isso penas perdidas.
De facto, a sobrelotação dos estabelecimentos prisionais é preocupante.
É um dado assente que a droga, a toxicodependência, aumenta de uma forma significativa
a clientela dos Tribunais, a clientela dos estabelecimentos prisionais.
A toxicodependência está normalmente associada a crimes contra o património
e mesmo a crimes contra as pessoas.
É um dado assente que muitos condenados regressam, de novo ao convívio prisional.
Em relação à Justiça Penal, nomeadamente em relação à Justiça que se abate sobre
os toxicodependentes, questiona-se sempre o porquê da não aplicação de formas
de intervenção viradas para a reinserção social do delinquente, previstas na
legislação sobre a droga.
E confrontamo-nos sempre com a argumentação de que o Ministério Público não
tem a garantia de que o Instituto de Reinserção Social possa fazer - e de facto
não pode - o acompanhamento da situação por forma a prevenir o cometimento de
novos crimes por parte do delinquente abrangido pela medida.
A justiça penal, em nome das preocupações justas com a segurança dos cidadãos,
perante a inexistência de uma política de reinserção social, tem-se visto constrangida
a recorrer ao sistema prisional.
Sabendo que é ao executivo que compete a criação de condições para a recuperação
da confiança noutras formas de execução de penas. E mesmo noutras formas de
execução da pena em regime prisional que passam por uma reformulação dos Tribunais
de Execução de Penas onde sejam reconhecidos elementares direitos dos reclusos,
como o direito a recorrer de decisões e o direito a constituir advogado nos
processos nos mesmos pendentes.
Não existe ninguém preso pelo crime de branqueamento de capitais. O grande tráfico
de droga escapa às malhas da Justiça Penal. Os arguidos de colarinho branco
usam e abusam de um sistema de garantias e passeiam a sua impunidade.
Nas prisões, um número significativo de delinquentes jovens, de delinquentes
toxicodependentes, muitos deles vítimas das exclusões sociais, cumprem penas,
enquanto cada dia corre é mais um risco de afastamento da ressocialização.
É inadmissível que nos 25 anos do 25 de Abril não se encontre consenso para
um perdão de penas, uma medida humana que representará a confiança do poder
legislativo na ressocialização de condenados.
O Ministério da Justiça tem o diagnóstico da situação de crise da Justiça.
Mas a verdade é que as medidas tomadas se apresentam desconexas e sem que se
possa lobrigar uma linha de rumo, uma linha de futuro para a Justiça.
É certo que a acção do Ministério da Justiça está obviamente condicionada por
outras políticas, nomeadamente na área económica e social, e aí o demissionismo
do Governo aprofunda e aumenta as conflitualidades, criando reais problemas
à Justiça, contribuindo para a sua ineficácia.
No próprio programa do Governo se atira somente para o aparelho judiciário a
resolução de uma conflitualidade complexa.
A gestão da crise tem até passado algumas vezes por medidas repressivas relativamente
a reivindicações, como em relação aos funcionários judiciais e aos funcionários
das Conservatórias dos Registos Comerciais.
Passou por uma actuação fugidia no tratamento com as magistraturas.
Pese embora a herança herdada dos Governos do PSD, nestes 4 anos de Governo
PS mais se poderia ter feito se tivesse havido uma optimização da intervenção
do Governo na área da Justiça.
A modernização do aparelho judicial é factor prioritário do combate ao alastrar
da crise.
O PCP entende que tal modernização é indispensável para que magistrados, advogados
e funcionários tenham as condições de trabalho estritamente indispensáveis ao
esforço que não regateiam para a criação da imagem de uma Justiça dignificada.
Mais próxima dos cidadãos porque munida de indispensáveis requisitos para a
sua eficácia.
O PCP entende que é prioritária a criação de formas informais de resolução de
alguns conflitos, que em percentagem significativa ocupam os Tribunais, e que
com vantagem para a própria coesão social, para a celeridade e para a eficácia
da Justiça, devem ser atribuídos nomeadamente aos julgados de Paz, previstos
na Constituição.
Conflitos que devem ser resolvidos em processo desburocratizado, caracterizado
pela oralidade, que aproxime a Justiça dos cidadãos.
A esta medida que consideramos angular para uma reforma democrática da Justiça,
juntamos a necessidade de criação da carreira do Defensor Público, Indispensável
para introduzir no sistema judiciário a igualdade no acesso ao Direito, igualdade
que não é característica dos sistemas neoliberais.
O defensor Público representaria também uma nova carreira para os jovens licenciados.
Impõe-se a criação de um Observatório da Justiça que com facilidade poderá elencar
com carácter de urgência, medidas de combate à morosidade processual.
Impõe-se que o modelo processual penal entre em vigor para garantir a eficácia
da Justiça Penal relativamente a poderosos grupos que minam impunemente os esteios
do Estado de Direito Democrático.
É necessário que o sistema responda aos cidadãos.
É necessário que se vislumbre pelo menos, uma tentativa de ressocialização dos
reclusos.
É necessário criar as condições para aplicação das medidas alternativas às penas
de prisão.
É necessário inverter-se o aumento da conflitualidade.
Para que se possa caminhar no caminho do combate à crise da Justiça, é necessário
que, de uma vez por todas, o cidadão seja colocado no cerne de várias políticas,
nomeadamente das políticas sociais.
A judicialização da questão social para que remete o programa do Governo constitui
uma forma de iludir o próprio cidadão, por criar a miragem de igualdade. O que
nos moveu, nesta interpelação, foi a necessidade de equacionar o cidadão no
cerne da política da Justiça.
E estamos em crer que para além de divergências que consideramos fruto de uma
falha no diálogo, todos de uma maneira geral, magistrado, advogados e funcionários,
querem contribuir para a criação da Confiança do cidadão no Poder Judicial.
Esta interpelação era necessária.
Foi preciso que tivessem passado 3 anos, foi preciso esta interpelação do PCP,
para o Senhor Ministro vir anunciar a celebração de uma Pacto de Regime para
a Justiça, cujo conteúdo, aliás desconhecemos.
A Crise na Justiça existe. A crise não pode ser iludida, como tem sido, com
medidas tomadas ao sabor das marés.
Porque a maré da Justiça tem de ser a que aproveita ao cidadão.
Disse.