Intervenção da
deputada Odete Santos

Processo especial de tutela efectiva
do gozo da liberdade pessoal

27 de Janeiro de 1999



Senhor Presidente
Senhores Deputados

A última revisão constitucional introduziu em sede de protecção dos direitos, liberdades e garantias pessoais, um preceito, cuja importância deverá ser assinalada.

Com efeito, na sequência de propostas apresentadas pelo PCP e pelo PS, o artigo 20 nº5 da Constituição consagrou , a garantia de procedimentos judiciais céleres e prioritários destinados a tutelar direitos, liberdades e garantias pessoais contra ameaças ou violações desses direitos.

O inciso constitucional comanda ao legislador ordinário a regulamentação desses procedimentos judiciais, visando a tutela efectiva de direitos onde se destacam os que dão conteúdo à democracia participativa - como o direito à liberdade de reunião, de manifestação, de associação, de expressão. Mas onde cabem outros direitos, entre o leque dos protegidos constitucionalmente, como, por exemplo, o direito à liberdade religiosa.

A história da nossa Democracia, e (apesar dos seus 25 anos que conferem já alguma maturidade) mesmo a sua história recente, contém exemplos de violações de liberdades contra as quais ( violações) não dispuseram os cidadãos de procedimentos judiciais que dessem conteúdo útil aos seus direitos.

Casos como regulamentos municipais, de governos civis, exigindo licenciamento para afixação de propaganda política, ou para propaganda política sonora, estarão ainda presentes na nossa memória recente. Ou casos como o da destruição de propaganda de festas partidárias, de objectivos políticos. Ou ainda proibições no sentido de concentrações junto de Ministérios com a alegação, sem fundamento, de que um Ministério é um órgão de soberania, que fizeram sentar manifestantes no Banco dos Réus do Tribunal de Polícia. E até omissões da administração. Como a não publicação de estatutos de uma associação.

Numa época em que se generalizam os lamentos relativamente ao afastamento dos cidadãos relativamente à democracia representativa, impõe-se o cumprimento da garantia constitucional, por forma a que contra arbitrariedades, os cidadãos possam intervir activamente na vida política.

O nosso precito constitucional - diga-se de passagem - é bem mais envergonhado do que o preceito correspondente da Constituição Espanhola, que consagrou procedimentos judiciais céleres e urgentes também para direitos dos trabalhadores como o direito à greve, como aliás propunha o PCP.

Apesar disso, figura entre as benfeitorias introduzidas no texto constitucional.

Cometerá o legislador uma inconstitucionalidade por omissão se não cumprir o comando constitucional, regulando os procedimentos judiciais correspondentes ao direito consagrado. O que não dará saúde à Democracia.

O projecto de Lei do PCP visa cumprir o comando constitucional, colmatando a lacuna que já se verifica.

Não foi nossa intenção substituir procedimentos judiciais céleres que em relação a direitos pessoais já se encontram consagrados na legislação portuguesa. Como acontece, por exemplo, com o habeas corpus.

Mas tão só, e não é pouco, assegurar a efectivação de direitos sem a adequada protecção legal.

É tarefa de melindre, reconhece-se, fazer a destrinça. Será talvez por isso que ordenamentos jurídicos como o Espanhol, mantiveram em relação a alguns direitos, a possibilidade da sua efectivação por mais de um meio. A sua lei 0rgânica nº 1 de 1982 relativa ao direito à honra, à intimidade da vida pessoal e familiar e à própria imagem prevê no artigo 9º, a tutela destes direitos pelas vias processuais comuns, pelo procedimento previsto no artigo 53.2 da Constituição Espanhola - procedimentos judiciais céleres e sumários - e ainda através do recurso de amparo.

Mas é assunto a ponderar em sede de especialidade, por forma a que não se suscitem dúvidas na aplicação do direito.

Na elaboração do projecto confrontámo - nos primeiro com a questão de saber se relativamente aos actos da administração se deveria manter na jurisdição administrativa o procedimento célere e expedito, ou se deveriam ser os Tribunais Judiciais a ser o garante dos direitos liberdades e garantias pessoais contra as arbitrariedades da administração.

Do debate da revisão constitucional retivemos afirmações de outros deputados no sentido de a justiça administrativa ter uma função residual e última contra aquilo que não é susceptível de impugnação e no sentido de não ser a suspensão de executoriedade, existente no contencioso administrativo, o meio adequado por não garantir a celeridade desejada.

Em termos de direito comparado, anotámos que não causou engulhos, por exemplo na Espanha, atribuir aos Tribunais Judiciais a competência para, na matéria que vimos tratando, fiscalizar os actos da administração pública.

Optámos assim por atribuir a competência aos Tribunais Judiciais, mesmo em relação a actos daquela administração. E o enunciado, meramente exemplificativo que fizemos, dos fundamentos da impugnação, destinam-se a realçar a atribuição dessa competência.

Entre os processos de jurisdição voluntária elencados no Código do Processo Civil já se encontra contemplada a tutela da personalidade, do nome e da correspondência.

Pareceu-nos assim, dada a especificidade destes processos, em que se julga em função de cada caso concreto e segundo os interesses em causa, que seria a sede própria para regular a efectivação de direitos, liberdades e garantias pessoais. Por isso, propomos que o regime dos processos de jurisdição voluntária se aplique subsidiariamente ao regime que propomos à Assembleia.

Regime que se caracteriza por prazos muito curtos, já existentes no nosso ordenamento jurídico, por exemplo no contencioso eleitoral; pela exequibilidade da decisão ainda que não notificada por ausência das partes ou do mandatário; pela impossibilidade de adiamento, pela sentença oral ditada para a acta, também já hoje prevista em certos casos no Código do Processo Civil; pelas notificações por via telefónica, telegráfica, fax, ou mesmo e - mail quando os Tribunais estiverem devidamente informatizados conforme promessa do Senhor Ministro da Justiça; pelo carácter urgente dos procedimentos determinando que os prazos nem em férias se suspendam.

Propomos ainda para estes procedimentos um valor que permita o recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça, o efeito devolutivo do recurso, e o pagamento da taxa de justiça apenas a final, situação que também se verifica noutros processos em que a importância dos interesses em causa não sujeita ao pagamento de preparos o exercício da função jurisdicional.

Se o projecto, como esperamos, conhecer a discussão na especialidade, muito há, como é óbvio,. a debater e a aperfeiçoar. Sobretudo ouvindo as entidades que se confrontam com a legislação e sentem dúvidas, deficiências e omissões na aplicação do direito. Como aliás é recomendado pelo Relator do Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais Direitos Liberdades e Garantias, sobre o Projecto de Lei, senhor Deputado Nuno Baltazar Mendes.

Deverão ser ouvidos os Conselhos Superiores das Magistraturas, os organismos representativos das mesmas, a Ordem dos Advogados. Por forma a que não se possa ouvir sobre a lei em perspectiva, as críticas que se vêm tecendo à produção legislativa do Governo e da Assembleia.

Uma lei da importância da que regulamentar os procedimentos judiciais que tutelem liberdades fundamentais deverá recolher aperfeiçoamentos que eventualmente venham a ser propostos.

Pretendemos com o nosso Projecto contribuir para o reforço da Democracia, nomeadamente da Democracia participativa em cumprimento de um preceito constitucional.

Disse.