Proposta de Lei nº 160/VII e Projecto
de Lei nº 403/VII, do PCP, que alteram o Código Penal
Intervenção da deputada Odete Santos
12 de Março de 1998
Senhor Presidente
Senhor Ministro da Justiça
Senhores Deputados:
A Proposta de Lei que hoje discutimos, e que deu entrada na Assembleia só em
26 de Janeiro do corrente ano, tem uma génese que não pode deixar de ser recordada
neste debate.
Porque, rejeitada a sua antecessora, apresentada há quase 1 ano, o Senhor Ministro
da Justiça logo afirmou que tinham sido impedidas alterações que melhor permitiriam
o combate aos crimes sexuais, nomeadamente à pedofilia, e o combate à violação
de direitos dos trabalhadores.
O PCP fez saber a sua oposição à anterior proposta (que, com o rabo escondido,
se fazia passar por lebre) porque não aceita que o Direito Penal se transforme
num Direito Penal de Segurança interna; porque, em suma, estava contra a criminalização
do exercício do direito à indignação, contra a criminalização dos cortes de
estradas tout court. Perante a posição do PCP, e dada a urgência manifestada
pelo Governo no combate a insidiosas formas de criminalidade, tudo fazia crer
que a proposta de lei voltasse rapidamente à Assembleia da República, expurgada
das normas relativas às manifestações em estradas.
Enganámo-nos
O que o Governo colocou de novo no Banco das Urgências foi a repressão do direito
à indignação. Isso é que voltou à Assembleia com celeridade.
As restantes propostas do diploma, com vista a um novo tratamento de condutas
lesivas das liberdades dos cidadãos, dos trabalhadores, das mulheres, só aqui
regressaram em 26 de Janeiro do corrente ano, mais de meio ano depois de terem
sido arrastadas pelo chumbo do corte de estradas.
As prioridades do Governo ficaram, pois, bem definidas.
As alterações ao Código Penal, aprovadas em 1995, tiveram o voto contra do PCP.
Não tanto pela avaliação global das alterações introduzidas. O voto contra foi
um sublinhado à discordância em relação ao uso do Código como um meio de intervenção
político-partidária para acalmar os sentimentos de insegurança que grassavam
na sociedade.
Foi um sublinhado à necessidade de priorizar as medidas processuais penais por
forma a aproximar a aplicação da pena do momento da prática do crime. Criando-se
assim, a confiança na Justiça Penal.
Foi um sublinhado à necessidade de reforma no Direito Penitenciário, por forma
a tornar possível a reinserção social dos condenados.
Foi ainda um sublinhado à urgência de ajustar a organização judiciária.
Estes instrumentos continuam a faltar no nosso ordenamento jurídico. Sendo certo
que já se encontra agendada a proposta de Lei de revisão do Código do Processo
Penal, a verdade é que há atrasos relativamente às outras matérias.
O actual Código pode ser melhorado naquilo que se mostre imprescindível ao combate
à criminalidade.
Não deve, no entanto, passar-se essa fasquia, porque se é verdade que os Códigos
hoje, fenecem mais rapidamente, a verdade é que são indesejáveis alterações
constantes naquilo que pouco trará, e às vezes nada, na eficácia do combate
à criminalidade.
Tendo isto em consideração, o PCP que apresentou numerosas propostas de alteração
em 1994, fez das não aprovadas uma escolha criteriosa, apresentando neste Projecto
apenas algumas, e repensando uma ou outra proposta anunciada pelo Governo.
Na parte geral do Código, o PCP apenas apresenta propostas para o artigo 5º,
alargando a extraterritorialidade na aplicação da lei penal, por forma a conferir
mais eficácia ao combate à pedofilia.
No entanto, deve realçar-se que o combate a esta vil exploração de menores,
já é possível com o actual Código Penal.
Sendo de acompanhar as preocupações manifestadas pelos Deputados da CDU da Região
Autónoma da Madeira, perante a inércia no combate à exploração sexual de menores.
Não sendo a pedofilia uma característica apenas desta Região, mas sendo ali
mais visível por estar relacionada com o turismo sexual, não sendo a pedofilia
uma característica apenas dos finais do século XX, mas sendo hoje mais visível
pela maior visibilidade dos direitos das crianças, adolescentes e jovens, deve
ser eficazmente combatida, pois são os direitos humanos das vítimas que estão
em causa. O direito à liberdade e à autodeterminação sexual.
Para além do alargamento da extraterritorialidade, entendemos ser necessário
repensar os requisitos para a instauração do procedimento criminal.
Não nos convencem os argumentos dos que defendem que a regra deve ser a exigência
de queixa, e que mesmo nos casos de menores de 12 anos a regra deve ser a não
instauração de procedimento criminal, excepto quando o interesse da vítima impuser
o contrário. É que, se é verdade que um processo criminal pode fazer correr
riscos de estigmatização, que o processo penal pode, contudo, reduzir, a verdade
também é que muito maiores danos, à saúde psíquica e física das vítimas, à personalidade
das mesmas, são causados pelos crimes sexuais contra as mesmas cometidos. Estes
comportamentos criminosos são hoje insuportáveis e há um sentimento colectivo
de repulsa, que tendo correspondência no valor dos bens jurídicos violados,
torna imperativo que não se permita a sua impunidade, sem ponderosa justificação.
O que se faz no Projecto de Lei do PCP:
Na área dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, área que o
PCP elegeu para este seu Projecto pela relevância dos bens jurídicos violados,
nomeadamente porque muitas vezes são menores e mulheres que são vitimizados,
cingimo-nos a propostas imprescindíveis.
Muitas outras foram apresentadas em 1994 que deixámos cair, porque as alterações
a introduzir no Código se devem pautar pela intervenção mínima, a acrescer à
intervenção mínima da própria lei penal, como é óbvio.
Assim, limitámo-nos a aperfeiçoar a tipificação do crime de lenocínio, retirando-lhe
requisitos- prática dos actos com intenção lucrativa ou como exercício de profissão-
por forma a alargar-se a perseguição penal de comportamentos, que por explorarem
situações de abandono ou de necessidade, não resultam de consenso entre vítimas
e agentes.
Propomos a agravação das penas relativamente ao abuso sexual de crianças, na
medida em que não se percebe como a utilização de menores na pornografia possa
ser punida apenas com uma pena de prisão até 3 anos, pena igual, como consta
do actual Código, à aplicável no caso de prática de actos exibicionistas.
Propomos que os crimes sexuais de que sejam vítimas menores de 12 anos sejam
públicos, só excepcionalmente, e para salvaguarda do interesse da vítima, podendo
deixar de instaurar-se procedimento criminal.
As propostas apresentadas pelo Governo no Capítulo dos crimes contra a liberdade
e autodeterminação sexual, merecem algumas delas a nossa concordância.
Outras, deverão ser ponderadas.
Quer porque, algumas são um retorno a conceitos morais que se extirparam do
Código em 1995, quer porque outras se situam a meio caminho do que seria desejável.
Defendemos em 1994 que em relação a crimes cometidos com violência, se deveria
prever apenas o crime de coacção sexual punível com uma moldura superior à actual,
uma moldura de 3 a 10 anos, actualmente aplicável ao crime de violação. Este
crime ficaria assim subsumido naquele, tendo como vítimas mulheres e homens,
e como agentes homens e mulheres.
A tipificação de um crime especial de que são vítimas apenas as mulheres, está
longe de representar uma discriminação positiva. Bem pelo contrário.
A solução que propusemos em 1994 é preferível à hoje propugnada pelo Governo
que corre o risco de ser ainda insuficiente, e de deixar esvaziado o crime de
coacção sexual.
Senhor Presidente
Senhor Ministro da Justiça
Senhores Deputados:
Batemo-nos em 1994 por que fosse introduzido um novo capítulo relativo às infracções
laborais.
Na verdade, entendemos que há hoje comportamentos insuportáveis à vida em sociedade,
que violam bens jurídicos dos trabalhadores que não podem ser punidos apenas
com uma coima.
Já no Acordo Económico e Social de 1991 e que era a reformulação do ilícito
criminal em matéria de direito de trabalho.
Não só isto não foi cumprido como foram rejeitadas as propostas de criminalização
apresentadas pelo PCP as relativas ao incumprimento de normas de Higiene Segurança
e Saúde no Trabalho, causadoras de mortes e de graves sequelas físicas e psíquicas
nos trabalhadores, como se piorou, no actual Código a tipificação do crime de
exploração do trabalho infantil, hoje muito dificilmente enquadrável no artigo
152º do Código Penal.
Nestas matérias como noutras que rigorosamente se devem definir, de acordo com
a importância do bem jurídico definido pela ordem axiológica constitucional,
entende o P.C.P. que é tempo de enveredar pelo caminho de outros Códigos, como
o Código Espanhol e o Código Francês que procederam à neocriminalização de algumas
condutas violadoras de direitos dos trabalhadores.
No que propomos ficamos ainda atrás destes Códigos que criminalizaram, por exemplo:
atentados dolosos à estabilidade no emprego, aí se incluindo a contratação a
termo
A neocriminalização na área do Direito do Trabalho,tem um importante efeito
dissuasor, que deve assinalar-se.
Com efeito, tal como afirma a doutrina espanhola, em matéria de direito penal
do trabalho, as penas de privação da liberdade podem até ser de duração muito
limitada, pois os seus destinatários são pessoas " muito sensíveis à privação
da liberdade e à perda do status com que se relaciona A eficácia intimidatória
da prisão, inclusive de muito curta duração, é especialmente temida nos agentes
que violam direitos dos trabalhadores, segundo revelam investigações criminológicas
levadas a cabo nos mais diversos âmbitos geográficos.
Propomos a criminalização da infracção dolosa às regras de higiene, saúde e
segurança no trabalho quando se verifique perigo para a vida e saúde dos trabalhadores.
Criminalização que acompanha o que já hoje consta do Código quanto à infracção
das regras de construção.
A exploração do trabalho infantil, aparece também criminalizada no nosso Projecto,
bastando provar a violação dolosa das normas que protegem os menores. Sem prejuízo,
como é óbvio de punição mais grave que ao caso caiba.
Pode efectivamente acontecer que se consigam provar os requisitos do artigo
152º do Código Penal. Entendemos, porém, que mesmo com as alterações propostas
pelo Governo ao crime de maus tratos, continuará a ser difícil o enquadramento
de casos de exploração de trabalho infantil. Para o que restará a proposta do
PCP.
É que, estando em causa, com o trabalho infantil, o desenvolvimento da criança,
parece-nos ser a conduta suficientemente grave, por estar em causa a degradação
do futuro de crianças, jovens e adolescentes, para determinar a criminalização
na formulação proposta pelo PCP.
Ainda quanto aos ilícitos laborais entendemos ser de acolher uma proposta do
Governo relativamente à burla respeitante a trabalho. Com uma única salvaguarda:
sendo a possibilidade de substituição de uma pena de prisão até 5 anos por multa,
absolutamente anómala nas molduras penais do Código, facto denunciámos como
incompreensível em crimes que enquadram comportamentos dos colarinhos brancos,
entendemos que não se justifica manter a alternativa de multa a uma pena de
prisão até 5 anos, na burla respeitante a trabalho. Porque, como se sabe, a
arquitectura do Código reserva a alternativa para as penas de prisão até 3 anos.
Pensamos que a neocriminalização que propomos na área dos ilícitos laborais,
a juntar-se à criminalização já existente noutros diplomas- como acontece na
lei da greve e na lei dos salários em atraso- comporá um quadro ainda modesto,
de intervenção mínima do Direito Penal. Bem longe do que se encontra previsto
no Código Penal espanhol e no Código Penal Francês.
Por último, e não é por ser a última referência, que a proposta se pode considerar
menos importante, retomamos em relação aos crimes de abuso de liberdade de imprensa,
a solução que sempre defendemos.
Constitui um entrave à liberdade de imprensa a proibição de fazer a prova da
verdade dos factos, quando estes constituam crimes pelos quais ainda não tenha
havido condenação.
Propomos a revogação desta norma que funciona como uma limitação ao direito
de ser informado sobre factos de interesse público. Tal como já o propusemos
em 1994.
Senhor Presidente
Senhor Ministro da Justiça
Senhores Deputados:
O combate à criminalidade e à insegurança passa neste momento, fundamentalmente,
por outras medidas.
Ficamos à espera.