Projecto de Lei nº 225/VII, do PSD, sobre
notificações judiciais
Intervenção do deputado António Filipe
11 de Fevereiro de 1998
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
A questão das notificações judiciais, hoje em debate, é um problema relevante.
Embora as iniciativas legislativas em apreciação apareçam como uma medida avulsa,
desenquadrada de uma reformulação geral da política de segurança interna que
é, do ponto de vista do PCP, necessária e urgente, incidem sobre um problema
real, que afecta gravemente a capacidade das forças de segurança para o cumprimento
das suas missões próprias, que tem vindo a agravar-se de ano para ano, e que,
não temos dúvidas, tem de ser resolvido.
O último Relatório Anual de Segurança Interna apresentado pelo Governo à Assembleia
da República, relativo a 1996, dá conta da gravidade deste problema.
Pode ler-se na parte elaborada pela GNR, que esta força de segurança procedeu
em 1996 a 405.789 notificações que lhe foram solicitadas, o que correspondeu
a um aumento de 13% face às 357.712 que efectuou em 1995. Refere-se inclusivamente
no Relatório, que, cito: "Paralelamente à falta de efectivos, verifica-se
que de ano para ano aumentam continuamente as solicitações feitas à Guarda especialmente
pelos tribunais para execução de notificações e outras tarefas, o que se traduz
no empenhamento de um cada vez maior número de efectivos. Não obstante as tentativas
para colmatar este problema, esta situação mantém-se com grave prejuízo do desvio
de efectivos da sua missão de segurança pública."
Saliente-se que já no Relatório do ano anterior a GNR havia chamado a atenção
para o aumento de 9% das notificações entre 1994 e 1995, afirmando que, volto
a citar: "para além do tremendo empenhamento de pessoal e viaturas e dos
encargos com o consumo de combustível que têm sido suportados quase exclusivamente
pelo seu próprio orçamento, o cumprimento de todas estas obrigações a que a
Guarda não se pode eximir por imperativo da sua missão geral, afectam significativamente
a sua actividade prioritária que é a segurança de pessoas e bens".
Em relação à PSP os dados divulgados nos Relatórios de Segurança Interna não
particularizam o número exacto de notificações realizadas por esta força de
segurança, mas dão conta do número impressionante de 980.991 diligências processuais,
onde estas se incluem, assinalando um aumento de 16,5% em relação a 1995.
Desde há muito tempo que o PCP tem vindo a afirmar que esta situação não pode
continuar e tem apresentado propostas para a sua resolução. Já na presente Legislatura
esta questão esteve em debate por iniciativa do PCP, quando em Janeiro de 1997
aqui debatemos o Projecto de Lei nº 12/VII do PCP de Grandes Opções de Política
de Segurança Interna e de medidas imediatas para defesa da segurança dos cidadãos.
No quadro das Grandes Opções propostas pelo PCP, esta questão da ocupação das
forças policiais na realização de notificações é equacionada. Como se pode ler
no preâmbulo desta iniciativa, o PCP propõe a aprovação de uma lei de Grandes
Opções de Política de Segurança Interna, que aproxime a polícia dos cidadãos,
que dote as forças de segurança com meios suficientes e adequados, que ponha
de parte as acções repressivas que atentam contra os direitos dos cidadãos,
que dinamize a intervenção das populações, das comunidades e das autarquias
na discussão de soluções para os problemas de segurança, e - sublinho este ponto
- que altere o respectivo dispositivo, por forma a assegurar o seu empenhamento
prioritário em acções de prevenção da criminalidade e de garantia da segurança
e tranquilidade das populações.
Nesse sentido, propomos, quanto à distribuição dos recursos humanos, que estes,
"devem ser especialmente afectados às missões específicas de segurança
interna, pelo que outras missões, designadamente as diligências judiciais, devem
ser asseguradas por estruturas próprias dos Tribunais".
E na parte respeitante às medidas imediatas, consta também do Projecto de Lei
do PCP, o reforço "com toda a urgência das secretarias judiciais com novos
funcionários, tendo em vista a realização das diligências que vêm sendo efectivadas
por agentes das forças de segurança, permitindo desta forma libertar estes agentes
para o exercício das suas missões fundamentais de garantia da segurança dos
cidadãos."
Este Projecto de Lei foi debatido em 9 de Janeiro de 1997 e baixou à Comissão
sem votação, à espera que o Governo apresentasse uma Proposta de Lei sobre a
mesma matéria, de acordo com um compromisso que nesse mesmo dia foi assumido
pelo Ministro da Administração Interna e que até ao dia de hoje não foi cumprido.
Importa também lembrar neste debate que, quer o PSD, quer o PS, têm, nesta matéria,
responsabilidades que não podem escamotear. O PSD, que nunca resolveu este problema,
apesar de ao longo de vários anos ter lamentado a sua existência e o seu constante
agravamento. O PS, que nos tempos em que foi oposição, criticava a passividade
do Governo PSD e prometia resolver o problema se fosse Governo.
Estamos por isso hoje confrontados com uma situação que não deixa de ser curiosa:
O PSD, na oposição, a propor que seja feito aquilo que enquanto foi Governo
nunca fez. E um Governo PS que não resolve agora aquilo que antes prometeu resolver.
Neste caso com uma agravante: É que o actual Governo, não só não dá sinais de
resolver o problema das notificações judiciais, como não dá sinais de clarificar
perante a Assembleia da República e perante o país, quais são as grandes orientações
para a sua política de Segurança Interna, continuando a navegar à vista, ao
sabor das inspirações e do estilo dos Ministros da Administração Interna que
se vão sucedendo.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Relativamente às soluções concretas que o PSD hoje propõe, importa dizer o seguinte:
Quanto ao Projecto de Lei 225/VII, que propõe a criação nas secretarias dos
tribunais de todas as instâncias, de serviços externos de comunicação de actos
processuais, encaramo-lo favoravelmente, na medida em que, como acabei de referir,
no entender do PCP, a realização das notificações judiciais deve ser assegurada
por pessoal afecto aos Tribunais, sendo evidentemente necessário dotá-los com
funcionários suficientes para o efeito.
Quando dizemos que não faz sentido que sejam os agentes das forças de segurança
a realizar notificações judiciais, não estamos a desvalorizar a importância
dessa função para o funcionamento da Justiça. É uma função importante e digna.
O que verdadeiramente não faz sentido é que o Estado esteja a investir na formação
de agentes de forças de segurança com funções específicas de combate à criminalidade
e de manutenção da segurança pública, e que depois, conhecidos os problemas
de segurança e tranquilidade que existem, esses funcionários sejam encarregados
de funções que podem ser exercidas, com vantagem, por outros funcionários.
Já o Projecto de Lei 220/VII suscita outros problemas. Propõe o PSD que em processo
penal passe a funcionar a via postal como regime regra para as notificações,
alterando nesse sentido, o Código de Processo Penal vigente.
A primeira observação é de ordem metodológica: Estando em curso um processo
de discussão da reforma do Processo Penal faz sentido que esta proposta seja
debatida nesse quadro. Não seria, de facto, boa metodologia, introduzir alterações
avulsas no Código de Processo Penal ao mesmo tempo em que o processo da sua
revisão global se encontra em curso.
A Segunda observação é de ordem substantiva. É sabido que, como refere o próprio
preâmbulo do Projecto de Lei, a possibilidade das notificações em processo penal
serem feitas por via postal foi introduzida pelo Código de Processo Penal de
1987, o que representou um avanço em matéria de celeridade processual.
Simplesmente, passar da possibilidade da utilização da via postal para a institucionalização
desse meio como regime regra, com a preterição evidente do contacto pessoal
com o notificando, pode suscitar problemas de segurança jurídica e de garantia
de direitos de defesa que não podem ser esquecidos. Sem dúvida que a celeridade
processual e a simplificação de processos são valores importantes a ter em conta,
mas, em processo penal, não são os únicos valores em presença.
Num país como o nosso, em que subsistem taxas elevadas de analfabetismo e de
iliteracia, e em que a familiarização de grande número de cidadãos com o funcionamento
dos tribunais e com a documentação processual está muito longe de ser uma relação
fácil, há que acautelar devidamente as regras aplicáveis às notificações, sob
pena de poderem ser dados saltos no escuro que venham a ter consequências nefastas
em matéria de direitos, liberdades e garantias.
De qualquer modo, em sede de revisão do Código de Processo Penal haverá oportunidade
de ponderar devidamente esta questão.
Já quanto à primeira questão, a de desonerar as forças de segurança dos encargos
com notificações judiciais, de forma a permitir a sua ocupação prioritária em
missões relacionadas com a garantia da segurança e da tranquilidade dos cidadãos,
não temos qualquer dúvida quanto à sua urgente necessidade.
Disse.