Projecto de Lei nº 292/VII, do CDS/PP, que revê o Regime Jurídico
do Segredo de Justiça
Intervenção da deputada Odete Santos
15 de Outubro de 1997
Senhor Presidente
Senhores Deputados:
Impõe-se, dadas as circunstâncias que enquadraram a apresentação do presente
Projecto de Lei, que se precise um facto que é indesmentível:
Na alteração do regime actual do segredo de justiça, confluem os interesses
dos cidadãos, da Magistratura e da Comunicação social.
Os cidadãos vítimas de crimes pretendem que o segredo de justiça se limite ao
estritamente necessário à investigação dos crimes de que foram vítimas.
Os arguidos beneficiarão de que o segredo de justiça se limite ao que é estritamente
necessário à defesa do seu bom nome e reputação, assegurando tal direito, por
exemplo, a revelação, em resultado de acto de investigação, de que não praticou
um acto grave participado, embora as investigações continuem para apuramento
de acto de menor gravidade.
A Magistratura, beneficiará porque se tornará mais transparente, nomeadamente
se puder ela própria ajuizar sobre se determinados actos investigatórios, ainda
devem estar sujeitos ao segredo de justiça. E porque, desta forma, se cimentará
a sua independência.
Os jornalistas verão reforçado o seu direito de acesso às fontes de informação,
direito fundamental consagrado na Constituição da República.
O próprio sensacionalismo que alguns ditam aos profissionais da comunicação
social perde margem de manobra.
Este é o quadro que impõe a alteração das normas do Processo Penal relativas
ao segredo de Justiça. Sem esquecer a necessidade de alteração de algumas outras
em nome de direitos constitucionais, como acontece com as relativas à proibição
de testemunhar sobre aquilo que o Governo considere segredo de Estado. Porque
isto representa uma submissão da Justiça ao Poder Executivo. Uma manifesta violação
do princípio da separação de poderes.
Sem esquecer algumas normas do Código do Processo Penal que têm tido a leitura
inconstitucional que permite a coacção sobre o jornalismo de investigação para
revelação das fontes de informação.
Sem esquecer também a proibição de declarações de voto dos Juizes discordantes
de sentenças penais, apenas nos Tribunais de primeira instância.
É pois vasto o campo em que terá de haver uma alteração do secretismo. Tanto
do secretismo de Estado, como do secretismo da Justiça.
Os magistrados do Ministério Público, e os Magistrados em geral, há muito que
vêm chamando a atenção para a necessidade de alterar o segredo de Justiça. Que
visando proteger a investigação e simultaneamente o bom nome e reputação dos
cidadãos asseguraria também a independência da Magistratura, contra lobbies
de pressão.
Recentes exemplos evidenciaram que a extensão do segredo para além da investigação,
foi origem de violentos ataques à Magistratura.
De facto, embora o segredo de justiça não esteja configurado no Código em termos
absolutos, a verdade é que a forma desproporcionada de protecção do mesmo, que
tem passado despercebida sempre que são estratos sociais anónimos a confrontar-se
com a violação do seu bom nome, desvaloriza o mesmo, apaga-o da consciência
social, por forma a que o mesmo é violado quase quotidianamente sem a consciência
no público em geral, de que se esteja a cometer um crime, contribui para a imprensa
sensacionalista ofendendo o jornalismo sério de investigação. Forma uma cena
mediática forte avessa ao jornalismo sério, retira transparência e enfraquece
as instituições democráticas.
Será no equilíbrio de todos os interesses em confronto, que podem e devem ser
harmonizados, que deve ser reformulada a legislação processual penal em tudo
o que o que contenha um secretismo que não se coadune com os critérios de adequação,
proporcionalidade e necessidade na restrição a direitos, constantes do artigo
18º da Constituição da República. Que deverá ser reformulada a lei processual
penal em tudo o que contenda com direitos e liberdades fundamentais, como a
liberdade de imprensa. Naquilo que se confronte contra a independência dos Magistrados,
contra a transparência da Justiça.
A rolha que se coloca aos magistrados vencidos nas decisões impedindo-os de
divulgar em declaração de voto a sua posição, envergonha o regime democrático
que assenta afinal no exercício do direito de crítica.
O Projecto de Lei que discutimos não tem a amplitude que defendemos em relação
à revisão de normas do Código do Processo Penal que consideramos impróprias
da matriz de um Código de um Estado de Direito Democrático.
Avança, no entanto, nalgumas propostas que tornam possível uma melhor reflexão
sobre o segredo de justiça.
Consideramos correcto que o segredo de justiça se limite à fase de investigação.
E correcto é que possam ser encaradas medidas que, sem pôr em causa a actividade
investigatória, reponham o bom nome e a reputação do cidadão visado. Qualquer
que ele seja.
Cremos, no entanto, que se pode ir mais longe.
Cremos que se pode e deve dar a possibilidade ao Tribunal, mesmo na fase de
investigação, de decidir " acerca da publicidade a dar a certos actos processuais
de acordo com os interesses em conflito e não com um faseamento processual rigidamente
estabelecido " O Tribunal ponderará todos os interesses: a presunção de
inocência, a dignidade, bom nome e reputação dos intervenientes, e independência
do Tribunal. Tal como já acontece, por exemplo, em relação à publicidade de
audiências e à transmissão de imagens e tomadas de som.
Somos, pois, pela adequação do segredo de justiça à democracia, pela alteração
de regimes previstos num Código apresentado e aprovado pelo P.S.D. Que fez o
mal e caramunha.
E não considerou o arguido, neste aspecto, um sujeito de direitos.
Mas bom é que se saiba que a administração da Justiça não está acima do direito
de informar, mesmo quando aquela recobre direitos e garantias fundamentais.
Porque em matéria de direitos, liberdades e garantias não se pode estabelecer
uma hierarquia entre os bens jurídicos e as respectivas normas.
O direito de informar não existe apenas para satisfazer curiosidades. O direito
de informar cumpre uma função social.
O jornalismo de investigação pode lançar mão de fontes que tenham conhecimento
directo dos factos relacionados com um crime, mesmo que esteja pendente um processo,
sem que esteja a cometer um crime de violação de segredo de Justiça. E não pode
ser coagido a revelar as suas fontes de informação Porque os jornalistas não
são polícias, nem seus ajudantes.
Como dissemos, a conformação do segredo de justiça com a matriz democrática
da lei processual penal, contribuirá para o reforço dos direitos dos cidadãos,
dos direitos dos Magistrados, dos direitos dos profissionais de informação.
É nesse quadro que propugnamos a extirpação de secretismos e violências constantes
do actual Código do Processo Penal.
Que não se coadunam com a Democracia.