Alteração do Código Penal, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho (Altera o regime de uso e porte de arma), agravando as penas por crimes praticados em ambiente escolar e estudantil ou nas imediações de estabelecimentos de ensino
Intervenção de Odete Santos
9 de Fevereiro de 2006

 

 

 

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados

O discurso que perpassa por todo o projecto de lei é o discurso da law and order — lei e ordem. Um discurso antiquado de quem brande a repressão, fazendo orelhas moucas a todas as questões de prevenção intimamente relacionadas com a situação social e económica dos alvos das medidas repressivas.

Este é o discurso de quem, apregoando a máxima «quanto menos Estado, melhor Estado» no que diz respeito à intervenção económica e social, pugna pelo inverso «quanto mais Estado, melhor Estado» no que diz respeito aos instrumentos repressivos. Objectivo que assenta que nem uma luva, no que toca à violência no meio escolar, ao processo de mercantilização da educação a que vimos assistindo internacionalmente.

Não se ria, Sr. Deputado. É isto o vosso projecto de lei.

Assim, aos desmuniciados económica e socialmente, expelidos dos mais altos níveis do sistema educacional, juntar-se-ão os que de marginalização em marginalização caminham para a máxima agressividade.

Entendamo-nos, os visados especialmente por este projecto de lei são jovens e adolescentes.

São jovens e são adolescentes!

Ouçam, Srs. Deputados!

Se é verdade que os comportamentos violentos no meio escolar podem ser exógenos e ser provenientes dos bairros circundantes invadidos pela miséria e pela toxicodependência — e estamos a citar uma tese de doutoramento em educação social, apresentada em 2004, na universidade de Granada e na Universidade Portucalense, por Sónia Azevedo), a verdade também é que os comportamentos violentos em meio escolar são igualmente endógenos,

Povêm de alguns alunos e são manifestações de revolta contra a própria escola que desafiam em manifestações rebeldes contra a hierarquia e a disciplina escolares.

(...) Não falam mais alto do que eu.

Não se riam para disfarçar, Srs. Deputados.

Vou continuar, Sr. Presidente. Até porque me diverte vê-los a reagir assim, porque se vêem desmascarados.

Um estudo realizado em 2001, com base em inquéritos feitos junto de 6903 alunos de escolas escolhidas aleatoriamente, com as idades médias de 11, 13 e 16 anos, revelou, entre outros dados significativos, que: os inquiridos envolvidos em comportamentos de violência em todas as suas formas situavam-se nos 13 anos de idade; os jovens provocadores de violência são aqueles que têm hábitos de consumo de tabaco, álcool e mesmo de embriaguez e também são os que experimentaram e consumiram drogas no mês anterior à realização do inquérito; os vitimados pela violência são os que andam com armas (navalha ou pistola) com o intuito da sua própria defesa; os adolescentes que vêem televisão quatro horas ou mais por dia são os que estão mais frequentemente envolvidos em actos de violência; as vítimas e os agentes de violência não gostam de ir à escola, acham aborrecido ter que a frequentar e não se sentem seguros no espaço escolar; 16,05% das vítimas vivem em famílias monoparentais e 10,9% dos provocadores vivem com famílias reconstruídas.

O vosso projecto de lei não pode deixar de repercutir-se gravemente em termos de medidas tutelares educativas nestes jovens. Gravemente!

Estamos, portanto, a debater propostas de agravamento substancial de penas de vários artigos do Código penal, para uma população juvenil oscilando entre os 11 e os 16 anos, população juvenil essa com graves problemas sociais e económicos.

Desde logo, e em primeiro lugar, porque a filosofia do projecto de lei constitui uma grave entorse às regras do Direito Penal moderno, ao próprio artigo 18.º da Constituição da República. Como diz o Prof. Figueiredo Dias, é nesta área do Direito Penal que «o Estado e o seu aparelho penal formalizado não devem fazer mais, mas menos».

A justiça, os tribunais não podem servir como instrumento de repressão de crises sociais profundas, crises estruturais.

Mas as soluções chocantes propostas desafiam também a filosofia do nosso Código Penal, nomeadamente no que toca à finalidade das penas. Um dos objectivos que os Srs. Deputados parecem não conhecer é o da reinserção social.

Este projecto de lei visa tão-só a justiça retributiva, a expiação como vingança. E a este propósito citaremos ainda Figueiredo Dias: «Enquanto este Código Penal estiver em vigor, o poder político não poderá deixar de sustentar as suas intenções político-criminais mais profundas e de se opor a que elas se vejam a cada momento confrontadas com um discurso contraditório da law and order, discurso este, em todo o caso, as mais das vezes secundado por uma opinião pública sensível ao mercado do crime e do medo, fomentado pelos meios da comunicação social».

Se é verdade que existe violência nas escolas, a verdade também é que essa não é a regra e que há soluções na área da prevenção que ainda não foram tomadas.

Apesar de vários e numerosos documentos internacionais, nomeadamente da Unesco e das Nações Unidas, destacando-se também já na área da repressão uma nova justiça penal — a justiça restaurativa, a justiça para as vítimas de que o Sr. Deputado Nuno Magalhães se queixava — e novas formas de resolução de conflitos penais, como a mediação escolar, envolvendo toda a comunidade educativa, como o demonstram vários estudos, o adolescente e o jovem podem adoptar comportamentos agressivos em resultado da violência que os circunda.

Aquele adolescente de 13 anos, em recuperação da toxicodependência que o vitimara em estabelecimento apropriado, respondeu da seguinte forma ao jornalista do Jornal de Notícia, que, em 3 de Maio de 2004, o inquiria sobre as causas do seu comportamento violento: «É assim que a malta vive no bairro».

Ora, a verdade é que nada se faz relativamente à prevenção, que implica a determinação das causas que levam à violência, que são causas económicas e sociais, como a pobreza, a violência doméstica, o alcoolismo, a toxicodependência, a promiscuidade, entre outras.

Ainda que muito resumidamente, apontamos alguns indicadores negativos que acabam por violar os direitos humanos das crianças, dos adolescentes e dos jovens do nosso país:

Em primeiro lugar, a privação material dos portugueses. Relativamente às dificuldades económicas são cerca de 60% os portugueses afectados.

Outro indicador negativo é o da pobreza. Segundo a Unicef, Portugal é o país, entre os países ricos, que tem maior taxa de pobreza infantil e o que tem das maiores taxas de pobreza de adultos.

Refiro ainda o indicador relativo a crianças e jovens em risco. Tem havido um aumento constante de crianças e jovens com problemáticas de risco.

Tem havido um aumento de percentagem no abandono escolar, no absentismo escolar e na prática de crimes, os quais, entre 2000 e 2001, subiram de 113 para 378.

É, pois, sobre esta população juvenil que querem fazer abater, fundamentalmente, os rigores da lei penal.

Pela nossa parte sufragamos uma interessante afirmação da tese de doutoramento que atrás citámos, com que termino esta intervenção: «É imperioso mudar o enfoque sobre a questão da marginalidade e, consequentemente, sobre os direitos humanos. As medidas tutelares educativas só deverão ser tomadas se outras acções preventivas tiverem sido já executadas e tiverem falido. (…)»

«Não adianta tratar um sintoma sem primeiramente investigar a sua causa. É muito fácil rotular os actores de violência de desequilibrados, de maus, de desestruturados e não fazer nada para alterar estes comportamentos ».