Intervenção do Deputado
António Filipe
Prevenção e combate ao branqueamento
de capitais provenientes de actividades criminosas
8 de Março de 2001
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
O PCP submete hoje à apreciação da Assembleia da República
dois projectos de lei que assumem o objectivo essencial de criar condições
legais para que, em Portugal, seja dado um salto qualitativo na prevenção
e no combate ao branqueamento de capitais provenientes de actividades criminosas.
No programa com que o PCP se apresentou às eleições para
a Assembleia da República foi assumido o compromisso de propor a criação
de um Programa Nacional de Prevenção e Combate ao Branqueamento
de Capitais, com os objectivos de alargar a aplicação das normas
sobre a prevenção, criminalização e repressão
do branqueamento de capitais e reforçar a cooperação internacional;
de adoptar mecanismos de regulamentação, controlo, transparência
e fiscalização das entidades financeiras; de aperfeiçoar
a legislação para prevenir e combater a acções das
associações criminosas e para uma mais fácil confiscação
dos patrimónios de origem criminosa; de eliminar o obstáculo do
segredo bancário; de aprofundar a acção e a coordenação
das entidades que intervêm na prevenção e repressão
do branqueamento de capitais.
Os projectos de lei do PCP hoje em debate honram esse compromisso e a iniciativa
do PCP de promover o seu agendamento potestativo traduz o nosso inconformismo
perante os fraquíssimos resultados que até à data têm
sido obtidos no combate ao branqueamento de capitais e traduz a nossa convicção
de que a possibilidade de se dar um salto em frente nesta matéria é,
acima de tudo, uma questão de vontade política.
O diagnóstico quanto à enorme dimensão e gravidade do branqueamento
de dinheiro proveniente do crime organizado, quanto à insuficiência
prática dos meios de combate que contra ele têm sido mobilizados
e quanto à necessidade de intensificar esse combate, suscitam a unanimidade,
no plano nacional e na generalidade das instâncias internacionais.
Nas conclusões do Relatório sobre a situação da
toxicodependência e do tráfico de drogas que uma comissão
eventual desta Assembleia aprovou por unanimidade em 1998, pode ler-se que "não
obstante o esforço e a dedicação das polícias nacionais
e internacionais, constata-se que apenas uma pequena parte da droga traficada
é apreendida e que, regra geral, são detidos apenas os traficantes
menores, sem que se consiga atingir o coração e o cérebro
das grandes redes internacionais e dos chamados barões da droga. Este
negócio, que movimenta em todo o mundo verbas fabulosas, utiliza hoje
sofisticados meios de actuação e está associado a outros,
numa cadeia de conexões complexas que se articulam entre si e em redor
de fenómenos como a criminalidade organizada, o tráfico de armas,
a prostituição, o branqueamento de capitais, o desvio de precursores,
etc."
Para concluir adiante que "quanto à investigação e
controlo das situações de tráfico de drogas, continuam
a subsistir indefinições, designadamente em matéria de
coordenação" e que "a investigação e penalização
do branqueamento de capitais, bem como do desvio ilícito de precursores
- tal como acontece na maioria dos países - tem revelado fracos resultados,
sendo insignificante o número de casos levados a julgamento".
Esta situação seria reconhecida pelo próprio Governo em
1999, na sua Estratégia Nacional de Combate à Droga, onde se reconhece
que "a dimensão do fenómeno do branqueamento de capitais
à escala internacional constitui, hoje, uma reconhecida ameaça
para a integridade, confiança e estabilidade dos próprios sistemas
financeiros e comerciais, quando não do próprio sistema constitucional
e democrático dos Estados"; e onde se assume a "opção
estratégica de reforçar o combate ao branqueamento de capitais
oriundos do tráfico ilícito de drogas".
No entanto, os fracos resultados obtidos no combate ao branqueamento de capitais
são particularmente impressivos. A observação das estatísticas
que vão sendo divulgadas revelam um progresso tão lento e uma
expressão tão reduzida que não podemos, todos nós,
deixar de questionar as causas reais deste estado de coisas.
Não basta repetir até à exaustão que o branqueamento
de capitais é extraordinariamente difícil de controlar. É
preciso reflectir sobre o que permite que o branqueamento seja tão fácil
e faz com que o seu controlo seja tão difícil.
A nossa profunda preocupação com o combate ao branqueamento de
capitais resulta da convicção de que o insucesso neste combate
compromete irremediavelmente o alcance dos esforços que são feitos,
a outros níveis, no combate à droga e ao crime organizado, em
geral.
Por detrás das fortunas que são introduzidas na economia legal,
estão muitos milhares de pessoas física e psiquicamente destruídas,
estão muitos milhares de famílias destroçadas, estão
centenas de mortes anuais por overdose, está um número incalculável
de crimes e de ameaças contra a segurança de pessoas e bens.
Mas a nossa preocupação reside ainda no facto de existir uma associação
directa entre o branqueamento de capitais e a criminalidade altamente organizada.
Este crime desenvolveu-se a partir da necessidade de esconder a origem real
de verbas que, de tão avultadas, se tornam naturalmente suspeitas. Pressupõe
uma estrutura organizada, com real poder económico, capaz de influenciar
pelas mais diversas e ínvias formas o exercício do poder político,
minando seriamente os fundamentos da própria democracia.
Os autores e beneficiários do branqueamento de capitais são os
"parentes ricos" do tráfico de drogas. São os que retiram
os maiores lucros com os menores riscos. Ao invés, o combate ao branqueamento
de capitais é o "parente pobre" das políticas contra
a droga. O de que menos se fala, aquele em que menos se acredita, e seguramente,
o que piores resultados obtém.
E no entanto, todos reconhecerão que a eficácia no combate ao
branqueamento de capitais tem uma importância decisiva no sucesso de qualquer
estratégia de combate à droga que se pretenda minimamente coerente.
Os circuitos do branqueamento são uma parte essencial do "aparelho
circulatório" das redes criminosas. Daí que, lesar seriamente
as actividades de branqueamento provocaria ferimentos no próprio coração
do negócio e abalaria os seus próprios fundamentos. Será
porventura um dos objectivos mais difíceis da luta contra a droga, mas
é seguramente dos mais decisivos.
A ineficácia do sistema judiciário perante este tipo de criminalidade
coloca-nos perante a evidência de uma Justiça normalmente implacável
em relação aos mais fracos e ineficiente em relação
aos mais poderosos. A complacência perante o branqueamento de capitais
é porventura uma das expressões mais evidentes da real submissão
da política de muitos Estados a interesses inconfessáveis do poder
económico.
Complacência que se reflecte com clareza, na enorme e crescente contradição
entre, por um lado, as resoluções e recomendações
e a reprovação verbal das práticas criminosas, e por outro
lado, a adopção de orientações globais de desregulamentação
que a facilitam. Não é possível defender com seriedade
uma política de combate ao branqueamento de capitais que tenha um mínimo
de eficácia e defender ao mesmo tempo a intocabilidade dos paraísos
fiscais ou do segredo bancário que protegem objectivamente essa prática.
Importa por isso, do nosso ponto de vista, encontrar soluções
legais que, no respeito pela democracia e pelos direitos fundamentais dos cidadãos,
respondam mais adequada e prontamente às exigências do combate
ao crime organizado.
E uma dessas exigências diz respeito à necessidade imperiosa de
lesar o património dos traficantes. Porque, como afirmou o eurodeputado
italiano Leoluca Orlando, eleito presidente da Câmara de Palermo numa
coligação anti-mafia, um chefe mafioso preso, mas que mantém
o seu património, é mais perigoso que um chefe mafioso em liberdade
que já não detenha o seu património. Porque um chefe mafioso
preso que mantém o seu património tem todos os instrumentos para
controlar o sistema de poder.
O PCP propõe assim, um primeiro lugar, que sejam aperfeiçoados
os mecanismos legais existentes em Portugal para o combate ao branqueamento
de capitais. Nomeadamente, com o alargamento da criminalização
do crime de branqueamento a formas graves de criminalidade que ainda não
estão abrangidas; com a agilização da quebra do segredo
bancário quando esteja em causa o inquérito, instrução
ou julgamento de processo relativos a branqueamento de capitais; com o alargamento
do prazo de suspensão de operações bancárias suspeitas;
com o alargamento dos deveres de comunicação e notificação
que impendem sobre as entidades que intervenham na contabilidade, auditoria
financeira, transporte de bens e valores ou como intermediárias de negócios
que envolvam montantes financeiros elevados; Com a obrigação de
identificação e conservação por um período
de 10 anos, dos registos das transacções à distância.
É evidente que estas medidas não são invenções
nossas. A sua aplicação tem vindo a ser discutida em várias
instâncias internacionais e designadamente no âmbito da União
Europeia, no quadro da revisão da Directiva de 1991 sobre o branqueamento
de capitais. Mas entendemos que Portugal não deve limitar-se à
discussão dessas medidas no plano internacional. Deve, quanto antes,
adoptar medidas legislativas para a sua urgente aplicação no plano
interno.
E é também natural que desde a apresentação destes
projectos de lei pelo PCP, em Março do ano passado, até hoje,
a reflexão sobe estas matérias tenha evoluído e outras
soluções se afigurem mais adequadas. Estamos por isso inteiramente
disponíveis - e não apenas disponíveis - empenhados, na
procura de soluções que, designadamente em matéria de quebra
do segredo bancário e de possibilidades de confiscação
de bens provenientes do crime, possam ir mais além do que as que constam
já dos nossos projectos.
Uma outra área de preocupação, que se reflecte num outro
projecto hoje em debate, diz respeito à coordenação das
várias entidades que têm o dever de assumir responsabilidades legais
no combate ao branqueamento. Muito especialmente neste domínio, a situação
em Portugal é confrangedora. Várias entidades têm, em Portugal,
responsabilidades legalmente atribuídas em matéria de prevenção
e combate ao branqueamento de capitais. Umas no domínio da investigação
e acção penal; outras no domínio da prevenção.
No entanto, vivem de costas absolutamente voltadas. Encontrar um meio desburocratizado
de coordenação institucional entre representantes de entidades
como a PGR, a PJ, as entidades de supervisão do sistema financeiro, e
várias entidades fiscalizadoras, sem alteração ou interferência
nas competências legais de cada uma destas entidades, mas para troca de
informação e coordenação de actividades contra o
branqueamento de capitais, é uma exigência urgente para uma melhor
intervenção neste domínio.
Com a apresentação destas propostas, fazemos votos para que ainda
nesta legislatura se possam reunir nesta Assembleia, as vontades necessárias,
para que Portugal dê um passo significativo em frente na luta contra a
criminalidade organizada.
Disse.
(...)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona,
Respondo com todo o gosto.
Gostaria de dizer, em primeiro lugar, que me referi à matéria
da quebra do segredo bancário como sendo uma das matérias cuja
discussão tem evoluído, desde a apresentação do
nosso projecto de lei, em Março do ano passado, faz agora 1 ano.
Nós próprios, neste projecto de lei que apresentámos, propomos
uma alteração ao sistema ainda vigente, que mantém a necessidade
de autorização judicial, mas cremos tratar-se de uma matéria
que deve ser seriamente discutida.
Assim, em nossa opinião, perante um crime de branqueamento de capitais,
em que a quebra do segredo bancário dos autores ou dos suspeitos desse
crime seja decisiva para a descoberta da verdade, entendemos que deve ser discutida
com toda a seriedade qual a melhor forma, garantindo direitos fundamentais,
que permita às autoridades judiciárias aceder prontamente às
contas bancárias desses suspeitos.
Trata-se, portanto, de uma questão que, pensamos, está em discussão.
Por nossa parte, estamos inteiramente disponíveis para encontrar soluções,
inclusivamente mais ágeis do que aquelas que propomos neste projecto
de lei - quero que esta ideia fique muito clara. Não nos fixamos, pois,
rigorosamente, na formulação que aqui propusemos há um
ano atrás.
Mas quero também esclarecê-la de que, em rigor, estamos a falar
de coisas distintas. É que, em matéria de branqueamento de capitais,
estamos perante a investigação de crimes com uma extraordinária
gravidade e que implicam penas de muitos anos de prisão.
Entendemos que há que salvaguardar, rigorosamente, direitos dos cidadãos
que são fundamentais, mas que, para nós, têm de ser conciliados
com a necessidade de garantir condições para que as autoridades
judiciárias possam, de facto, investigar esses crimes. Estamos a falar
de questões muito sérias, estamos a falar de crimes extraordinariamente
graves e, portanto, entendemos que o sigilo bancário não deve
ser oposto quando estão em causa valores com esta natureza. Portanto,
esta é, fundamentalmente, a nossa posição nesta matéria.
(...)
Sr. Presidente
Sr. Ministro da Justiça,
Começaria por fazer um reparo à parte final da sua resposta ao
pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Patinha Antão, na medida em
que o Sr. Ministro está a discutir uma iniciativa do PCP sobre uma matéria
relativamente à qual o Governo ainda não apresentou iniciativa
nenhuma e vem dizer que é o PCP que se junta. Creio que se há
aqui alguém que se junta a alguma coisa é, de facto, o Governo,
que decidiu, e muito bem, juntar-se a este debate para discutir as iniciativas
do PCP.
Sr. Ministro, gostaria de registar positivamente a sua intervenção,
no que diz respeito ao seu conteúdo, e de dizer que as duas questões
que colocou, o problema do segredo bancário e o da chamada inversão
do ónus da prova, são da maior pertinência neste debate.
Parece-nos que faz, de facto, todo o sentido discutir, com toda a seriedade,
a forma de agilizar a quebra do segredo bancário, em ordem a permitir
a investigação de crimes com esta complexidade e gravidade, assim
como faz todo o sentido encontrar uma forma de, sem pôr em causa o princípio
da presunção de inocência dos arguidos em processo penal,
lesar o património de quem tenha sido condenado por um crime como, por
exemplo, o de tráfico de droga e que, de facto, exteriorize sinais de
riqueza que são, evidentemente, imputáveis a essa actividade criminosa.
A discussão que se está a realizar em vários países
para encontrar uma solução para isso, com recurso à justiça
cível, é uma discussão que, do nosso ponto de vista, faz
todo o sentido e, por isso, estamos empenhados em que essa matéria se
discuta, na especialidade, com toda a seriedade. Os votos que fazemos vão
no sentido de que, de facto, se concretize o compromisso aqui assumido pelo
Governo, de apresentar, ainda nesta sessão legislativa, uma iniciativa
que possa, quanto antes, recolher os vários contributos que venham a
ser dados nesta Câmara sobre essa matéria, e possamos aprovar uma
boa lei. São esses os votos que fazemos e estamos inteiramente disponíveis
e empenhados em dar esse contributo.
Mas há ainda uma questão que quero colocar ao Sr. Ministro, a
qual tem a ver com a coordenação.
O Sr. Ministro referiu-se ao órgão criado no âmbito da lei
de investigação criminal, como referiu que o que o PCP propõe
não é só isso ou não é sobretudo isso. O
que o PCP propõe é que se encontre uma forma de haver troca de
informação entre entidades que devem dispor de informação
relevante, desde logo para a prevenção do branqueamento de capitais,
mas também como um auxiliar precioso para a investigação,
porque o que verificamos é que os poucos casos de branqueamento que são
detectados são-no em consequência da investigação
de outro tipo de crimes que ficam a montante, não havendo resultados
absolutamente nenhuns quanto à investigação do branqueamento,
ele próprio, como crime. Para isso é necessário, de facto,
uma troca de informação que, neste momento, não há
e uma coordenação que não tem existido. É esta a
nossa preocupação e também gostava de ouvir o ponto de
vista do Governo sobre esta matéria, bem como sobre as medidas que entende
que devem ser tomadas neste domínio.
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Basílio Horta,
Não vou responder às questões que suscitou e que já
tinham sido suscitadas pela Sr.ª Deputada Celeste Cardona, mas gostaria
de o questionar sobre um aspecto em concreto.
O Sr. Deputado desejou que estes projectos de lei fossem aprovados, para poder
contribuir, em sede de comissão, com propostas de alteração,
que serão, naturalmente, bem-vindas - embora creia que, evidentemente,
não seria preciso eu dizê-lo - para o debate desta matéria,
mas criticou um dos projectos de lei que apresentámos, que é aquele
que diz respeito à coordenação entre várias instituições,
considerando que esta não seria a solução adequada.
Ora, há pouco mais de dois anos, aqui, nesta Assembleia, no âmbito
de uma comissão parlamentar eventual que existiu na última Legislatura,
procedemos a uma audição, precisamente sobre este problema do
branqueamento de capitais, na qual tivemos oportunidade de ouvir várias
entidades fiscalizadoras, para além de o Banco de Portugal ter recusado
qualquer colaboração com essa comissão, sobre esta matéria,
o que, na altura, foi considerado, pela própria comissão parlamentar,
como altamente significativo e deplorável. Mas, pelas entidades que colaboraram
connosco, através dos seus directores-gerais - entidades, todas elas,
com competências legalmente atribuídas -, fomos confrontados com
situações em que nem sequer os directores-gerais se conheciam
pessoalmente. Essas entidades deveriam ter uma colaboração normal,
no âmbito desta matéria! Tratou-se de uma coisa espantosa, porque
essa audição parlamentar serviu para apresentar, pessoalmente,
o Inspector-Geral das Actividades Económicas ao Director-Geral das Alfândegas!
Se a audição outra utilidade não tivesse tido, teve, pelo
menos, essa!
Pelo menos, se outra utilidade não tivesse tido, teve essa!
Portanto, Sr. Deputado, vimo-nos confrontados com a situação dramática
em que se encontrava a coordenação das várias entidades
administrativas que têm de intervir nesta matéria. Por isso, procurámos
chegar a uma solução que permitisse que, pelo menos, essas pessoas
se sentassem à mesa e discutissem o que é que cada um pode ou
está a fazer em matéria de combate ao branqueamento de capitais
para que não vivam de costas voltadas uns para os outros ou sem se conhecerem
pessoalmente.
Gostava, portanto, de perguntar ao Sr. Deputado se não crê que
há um problema muito grave a resolver em matéria de coordenação
das várias entidades administrativas que intervêm em matéria
de prevenção da utilização do sistema financeiro
para branqueamento de capitais.
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Joaquim Sarmento,
Ouvi atentamente a sua intervenção e creio que proferiu algumas
observações pertinentes relativamente ao problema do segredo bancário
e ao da jurisprudência existente sobre esta matéria. Creio que
tal será algo que nos ocupará na comissão e, pelas intervenções
já aqui ouvidas hoje, creio que teremos oportunidade de ter um interessantíssimo
debate, e esperamos que saiam daí soluções adequadas e
que representem um progresso no ordenamento jurídico português.
Estamos convencidos de que assim será.
Há, no entanto, um aspecto da sua intervenção que eu não
gostaria de deixar passar em claro, refiro-me à ideia de esperarmos pela
directiva comunitária. O Sr. Deputado poderá dizer, como disse
o Sr. Ministro da Justiça, que a directiva está em ultimação,
que vai ser aprovada muito em breve e que, portanto, poderemos confrontar as
soluções que propomos com aquilo que constar da directiva, por
forma a proceder à sua transposição quando aprovarmos a
lei. Porém, esta directiva está em discussão há
vários anos, e o Sr. Deputado também não ignora que a directiva
de 1991, que é a última que existe a nível da União
Europeia sobre esta matéria, também demorou muitos anos a discutir.
Para além disto, nesta matéria não é a União
Europeia a única organização internacional que se pronuncia.
Há resoluções das Nações Unidas adoptadas
sobre esta matéria, que apontam para algumas destas medidas que aqui
preconizamos. Há um texto aprovado precisamente na assembleia geral extraordinária
das Nações Unidas que foi realizada em 1998 e na qual o Governo
português teve até uma participação muito interessante
de coordenação dos trabalhos, pelo que não podemos ficar
exclusivamente à espera de decisões da União Europeia,
deitando pela borda fora toda a outra reflexão e todo o restante conjunto
de medidas que, no plano de várias organizações internacionais,
têm vindo a ser discutidas. Agora dizem-nos que a directiva está,
de facto, em fase de ultimação, mas creio que não podemos
condicionar a actividade legislativa desta Assembleia exclusivamente a pensar
nisso, quando se sabe, por exemplo, que algumas das disposições
da directiva de 1991 nunca foram transpostas para Portugal. Fazemos aqui propostas
relativamente a matérias que têm vindo a ser discutidas no âmbito
da revisão da directiva, mas também propomos a transposição
de algumas matérias que já deviam ter sido transpostas para a
ordem jurídica portuguesa há muitos anos e não foram. Como
tal, esta ideia de que só legislaremos aquilo que a União Europeia
nos determinar é uma ideia que não podemos de maneira alguma aceitar.
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Patinha Antão,
Começo por dar as boas-vindas ao PSD pela sua aceitação
em participar num debate, substancial, nesta Câmara, sobre matéria
de branqueamento de capitais, porquanto os decretos-leis que estão em
vigor no nosso país foram aprovados por governos do PSD, mediante autorização
legislativa desta Câmara.
Portanto, o PSD nunca aceitou ou apresentou uma proposta de lei material relativamente
ao branqueamento de capitais, para podermos discutir, como estamos a discutir
hoje, soluções substantivas. O PSD limitou-se a usar a maioria
absoluta de que dispunha na altura para obter autorizações legislativas,
que o governo utilizou para fazer decretos sobre a matéria, que, aliás,
são os que vigoram.
Eu estava curioso para conhecer as propostas do PSD nesta matéria, dadas
as críticas que formulou às propostas que apresentámos,
mas não vi. Não vi, da parte do PSD, a apresentação
de uma solução alternativa para este assunto, tendo-se limitado
a criticar algumas soluções que aqui propusemos.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que aceitamos discutir as críticas que
faz, uma a uma, em sede de especialidade, porque, como é evidente, a
discussão em sede de especialidade é precisamente para isso. Portanto,
vamos discutir o bem fundado das soluções que apresentamos, e
aguardamos que o PSD nos diga o que propõe de facto para resolver um
problema com que Portugal - como, aliás, outros países - está
confrontado, que é o da reduzidíssima eficácia dos mecanismos
de combate ao branqueamento de capitais, porque esta é a questão
de fundo. E a intervenção que o Sr. Deputado fez em nome do PSD
acaba por não se assumir como uma parte da solução mas
mais como uma parte do problema, pois problematiza as várias soluções
aqui propostas, mas não apresenta nada que possa contribuir construtivamente
para a sua solução.
O Sr. Deputado fala também na avaliação feita pelo GAFI,
dizendo que não é má, e que a nossa legislação
até tem aspectos positivos, uma vez que tem uma eficácia considerável.
Mas nós vamos ver que eficácia é essa.
Sr. Deputado, vamos às estatísticas da justiça relativas
a 1999 e verificamos que a Polícia Judiciária averiguou 34 processos,
dos quais resultaram dois julgamentos findos, uma condenação e
zero detidos. Nos dados relativos a 2000, que constam do relatório aprovado
em sede da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades
e Garantias sobre estes projectos de lei do PCP, o que é que vemos? Vemos
67 processos investigados, 11 acusados e zero detidos.
O Sr. Deputado acha que há eficácia no combate ao branqueamento
de capitais quando verificamos que não há rigorosamente ninguém
que esteja detido em prisões portuguesas por este crime e quando todos
concordamos com a enorme dimensão que este crime assume em Portugal,
como em outros países?! Sr. Deputado, há um problema. E o que
propomos é que se encontrem soluções para o problema. Porém,
o Sr. Deputado limitou-se a vir aqui colocar objecções às
soluções que são propostas, mas sem nada adiantar da parte
do PSD.
(...)
Sr. Presidente,
Apenas umas breves palavras no final deste debate, em primeiro lugar, para valorizar
o próprio facto de se ter feito o debate. Enquanto, em representação
do partido que apresentou estas iniciativas e promoveu este agendamento, consideramos
positivamente este debate, desde logo porque é a primeira vez que a Assembleia
da República debate substantivamente o problema do branqueamento de capitais,
mas também pelo próprio conteúdo do debate, quer na concordância
manifestada relativamente aos projectos apresentados, quer nas divergências
que, naturalmente, também enriqueceram o debate e dão motivo para
a discussão na especialidade. Parece-nos que existem condições
para que, ainda nesta Legislatura, a Assembleia da República possa fazer
uma lei substantiva em matéria de branqueamento de capitais e possa ter
um impacto positivo no combate que é necessário travar em Portugal
relativamente a esta actividade criminosa.
Esperamos, portanto, que, deste processo legislativo, saiam decisões,
e, do nosso ponto de vista, têm de ser decisões corajosas. Isto
é, perante uma questão com esta gravidade, com esta magnitude,
é evidente que não é possível defender maior eficácia
no combate ao branqueamento de capitais e, ao mesmo tempo, recusar decisões
que têm de ser tomadas para que essa eficácia possa existir. Entendemos
que, designadamente em matéria de ónus da prova, que aqui foi
referido, bem como em matéria de segredo bancário, é preciso
tomar decisões, ainda que elas possam contrariar interesses que estejam
estabelecidos.
Relativamente a esta matéria, queremos manifestar a nossa inteira disponibilidade
e o nosso empenho em encontrar soluções corajosas, que possam
ter um impacto real na superação desta situação
de ineficácia que se tem verificado na repressão do crime de branqueamento
de capitais. Vamos aguardar a apresentação da proposta de lei
para que a discussão na especialidade possa ser conjunta. É evidente,
para nós, que é assim que se deve proceder.
Relativamente à proposta de lei n.º 123/VIII, que propõe
a criação de uma comissão nacional no âmbito da realização
de um programa de combate ao branqueamento de capitais, estamos convencidos
de que é uma boa solução em matéria de coordenação
e, do nosso ponto de vista, é necessária. Entendemos, pois, que
esta solução proposta merece ponderação. Ouvimos
a incomodidade manifestada pelo Sr. Ministro da Justiça, de ter de presidir
a uma comissão que inclua representantes de outros ministérios
e entendemos que a questão pode ter a sua pertinência, pelo que
vale a pena discutir isso.
Entendemos também pertinentes reparos que foram feitos acerca da existência
de outras comissões. Vamos ver que comissões existem e vamos discutir
em comissão calmamente o que é necessário fazer nesta matéria.
Relativamente a este projecto de lei, nós próprios admitimos a
possibilidade - e fá-lo-emos - de apresentar um requerimento para que
ele baixe à comissão sem votação, naturalmente não
prejudicando a necessária discussão na especialidade do projecto
de lei n.º 124/VIII quando for oportuno fazê-lo, na sequência
da apresentação pelo Governo da prometida iniciativa legislativa.
Reafirmo os votos que formulei aquando da intervenção que fiz
da tribuna, de que aproveitemos esta oportunidade para melhorar o ordenamento
jurídico português em matéria de combate ao branqueamento
de capitais.