Intervenção do Deputado
António Filipe

Regime de pagamento de custas e de patrocínio judiciário dos membros do governo
e dos altos dirigentes da Administração Pública
quando demandados em virtude do exercício das suas funções

15 de Dezembro de 2000


Sr. Presidente,
Srs. Deputados

Quero apenas fazer umas breves considerações, depois de ter ouvido atentamente quer o Sr. Deputado Fernando Seara, como proponente da apreciação parlamentar, quer outros Srs. Deputados e, particularmente, as explicações dadas pelo Sr. Secretário de Estado.

O que quero dizer é que, embora não nos repugne o princípio de determinados servidores do Estado - permita-se-me a expressão -, quer titulares de cargos públicos quer pessoas que profissionalmente desenvolvam serviço público e estejam particularmente expostas a demandas dos cidadãos, puderem ter isenções de custas, parece-nos inadequada a forma como, neste diploma, isto é feito para os membros do Governo e outros titulares de altos cargos públicos.

Aliás, creio que as explicações que o Sr. Secretário aqui nos deu acabam por ser uma confissão de aspectos mal conseguidos neste diploma. Desde logo, no que se refere ao problema da norma da retroactividade, a explicação que o Sr. Secretário de Estado aqui nos deu deixa por explicar por que é que se estabelece uma norma destas no diploma. Isto é, a retroactividade é algo de excepcional, em princípio, as leis valem para o futuro e, portanto, devo confessar ao Sr. Secretário de Estado que, quando vi esta norma, o meu raciocínio foi logo este: bem, o Governo há-de de ter alguma razão para estabelecer aqui uma norma de retroactividade, provavelmente estará a querer abranger alguém.

Este é um aspecto que gostaríamos aqui de clarificar, porque discordaríamos frontalmente que, através da atribuição de eficácia retroactiva a este diploma, se procurasse, enfim, ressarcir alguém de algum eventual prejuízo que tivesse sofrido pelo facto de este diploma não existir. Ora, como o Sr. Secretário de Estado disse que não houve intenção nenhuma de estabelecer a retroactividade deste diploma, o problema que se coloca é saber por que é que esta norma cá está, ainda por cima sendo algo de excepcional. Por que é que, pura e simplesmente, não se elimina esta norma de retroactividade e se estabelece que o decreto-lei, independentemente do seu conteúdo substancial, é para valer para o futuro, como é norma dos diplomas legislativos.

Depois, o Sr. Secretário de Estado acaba também por reconhecer que o âmbito de aplicação deste diploma não é o mais correcto. Devo dizer que não me repugna nada aceitar isto quanto aos magistrados, quanto aos profissionais da GNR e da PSP, digamos, quanto aos agentes das forças policiais em geral, dada a exposição em que se encontram relativamente aos demais cidadãos em matérias que se prendem directamente com direitos, liberdades e garantias, existindo a possibilidade real de sofrerem várias demandas de vários cidadãos pelas mais diversas razões, mas creio que não nos mesmos termos em que os membros e os titulares de altos cargos públicos. É que a situação é, apesar de tudo, muito diferente.

Mas, ainda assim, se se entender que os membros do governo e os titulares de altos cargos públicos têm justificação para ter esta tutela dos seus direitos, então, a questão que tem de colocar-se é em relação aos demais funcionários públicos. Pode até surgir o problema de haver um funcionário público que tenha, por qualquer razão da sua vida, de demandar um membro do Governo por qualquer coisa relacionada com as suas funções e estão em desigualdade objectiva. Portanto, uns têm isenções de custas e outros, no mesmo processo, não a têm.

Assim, creio que a forma mais adequada para resolver este problema seria equacionar, em termos globais, quais são as categorias de cidadãos que devem estar isentos de custas em função das actividades que desenvolvem e não fazer diplomas para que se acorra aos polícias, para que se acorra, agora, aos membros do Governo e, depois, se entendermos justificável, se acorra a outros, a outros e a outros... Portanto, creio que esta não é a forma mais correcta de legislar.

Por outra lado, um outro problema que não está bem equacionado e que é o do patrocínio judiciário. O Sr. Secretário de Estado vem dizer que são consultores, mas, de entre os consultores, aqueles que sejam advogados, e apetece perguntar-lhe a que título irão eles prestar patrocínio. É por serem consultores? É por serem advogados? E, em matéria de honorários, recebem-nos como consultores ou como advogados?
Há aqui um problema que, creio eu, não está resolvido e seria bom que ficasse devidamente clarificado.