Intervenção da Deputada
Odete Santos
Regula a estrutura e funcionamento do Centro
de Estudos Judiciários e introduz um regime excepcional
de afectação de magistrados judiciais jubilados
4 de Fevereiro de 2000
Sr. Presidente,
para além das questões que já abordei no pedido de esclarecimento
que fiz, diria ainda o seguinte, até reflectindo sobre algumas questões
e respostas que o Sr. Ministro da Justiça deu a esta Câmara: penso
que é importante que as medidas de excepção sejam cautelosas,
porque não vivemos, apesar de tudo, na área da justiça,
numa situação de excepção. Aliás, há
um movimento de juízes, que até subscreveu uma petição
relativamente às medidas a tomar, que diz, precisamente, que não
se vive numa tal situação de excepção que vá
provocar medidas que possam ser entorses à garantia dos direitos dos
cidadãos. Portanto, as medidas a tomar devem ser cautelosas.
Não tenho informação nessa área, mas há medidas
expeditas aprovadas em sede de Direito Penal, como o processo abreviado, e,
que me conste, isso não tem funcionado, pelo que a Assembleia também
corre o risco de aprovar algumas medidas que, depois, não são
executadas. Era, pois, importante que aquilo que já foi aprovado e que
permite agilizar a justiça nesta matéria, em sede de Direito Penal
e Processual Penal, fosse realmente aplicado.
Quanto ao exemplo do que se passa no estrangeiro, relativamente a questões
de menor litigância, terá análises diferentes conforme o
país, tendo sido citada a Holanda. Mas isso tem muito a ver com duas
coisas: primeira, como é que as questões sociais estão
resolvidas a montante, podendo a resposta que o Estado dá a essas questões
sociais determinar essa menor litigância; e, segunda, nalguns casos, estou
convencida de que não há essa resposta mas que, depois, em virtude
de políticas económicas neoliberais, se age a jusante, cortando
os direitos aos cidadãos - "vocês têm direitos no papel,
mas não os podem exercer".
De facto, estamos numa encruzilhada, pelo que não sei se até ao
ano 2003 estarão resolvidos os vastíssimos problemas sociais com
que se defrontam os cidadãos portugueses, mas penso que não estarão.
Aliás, em alguns casos - e agora permitam-me este parêntesis -,
a justiça é muito célere e é por isso que as pessoas
dizem que há uma justiça de classe. Por exemplo, no caso da Norporte,
que fica na zona de Alhos Vedros, o tribunal foi extremamente célere
na execução de uma medida
(...)
Bom, Sr. Presidente, já me caíram os papéis para o chão,
mas consegui repor tudo no devido sítio.
(...)
Conforme estava a dizer, em relação, por exemplo, ao caso da
Norporte, o tribunal foi extremamente célere a resolver uma medida. É
certo que se tratava de uma providência cautelar mas também se
conta pelos dedos o número de providências cautelares, até
pedidas por trabalhadores, que têm uma resolução tão
expedita.
E há um assunto sobre o qual, já agora, e uma vez que estou a
intervir, embora saiba que nada tem a ver com os tribunais, gostaria de dizer
o seguinte: as pendências das falências, onde estão aprovados
créditos dos trabalhadores e que demoram 10 anos ou mais a ser resolvidas,
como é o caso da Mundet, no Seixal, têm de ter, de facto, solução
urgente. Por amor de Deus!
Mas, conforme estava a dizer, se se começa a avolumar o frenesim de que
isto está numa situação de calamidade, podemos correr o
risco de entrar por um caminho em que se diga "não, senhor, não
há estes direitos". E esse risco deve ser afastado.
Quanto às medidas de excepção, temos algumas reservas no
que diz respeito à execução prática de algumas delas
e à tradução do seu êxito, mas devem ser coordenadas
com outras medidas definitivas que os juízes também apontam e
que, de facto, vão configurar um modelo de justiça mais expedita,
mais pronta a resolver alguns problemas, como nas arbitragens, na mediação
em direito de família, onde isso é fundamental, bem como nas regulações
do poder paternal e nas cobranças de alimentos, que se estendem no tempo.
Isto precisa de ser resolvido com essas medidas expeditas, onde cabem também,
e não temos quaisquer dúvidas disso, os julgados de paz.
Em relação às medidas propostas, creio que a questão
da formação dos magistrados deve merecer uma atenção
muito especial, porque hoje é sabido e consabido que a formação
dos magistrados é, fundamentalmente, a continuação do ensino
nas faculdades de Direito, o que dá origem a que, por exemplo, um juiz
estagiário tenha apresentado, nos seus trabalhos, uma sentença
com 100 folhas, como se, de facto, quiséssemos isso de um magistrado.
O que queremos de um magistrado é que se aperceba quando as testemunhas
estão a mentir. E hoje mente-se desalmadamente nos tribunais!
É verdade! É verdade, Srs. Deputados! Há uma cultura de
impunidade! Devo dizer que até fico impressionada quando vejo os filmes
dos Estados Unidos da América, onde as pessoas têm um medo tremendo
de mentir, inclusive os réus.
(...)
Exacto! É nos filmes, porque, se calhar, lá não se passa
assim. Também terá razão, Sr. Deputado! É uma propaganda
capitalista, sim, senhor!
Mas, Srs. Deputados, pondo de lado a graça, de facto, hoje, o julgador
tem de ser uma pessoa inserida na vida e, se calhar, foi por isso que acabámos
com o sexénio, não é verdade?! Aliás, às
vezes, até já tenho dúvidas sobre se devíamos ter
acabado com isso.
Mas o que se quer, Srs. Deputados, é um magistrado que perceba, que conheça,
que tenha experiência de vida.
Quanto aos tais testes psicológicos, que também foram introduzidos
na última legislatura e que parecem querer espalhar a ideia de que agora
já não são só as mulheres que são sensíveis
e que não podem exercer a judicatura mas também os homens muito
sensíveis têm de ser expulsos do curso, porque, conforme tenho
ouvido dizer, essa avaliação psicológica, às vezes,
é feita mediante a provocação de lágrimas ou reacções
da sensibilidade natural das pessoas, não podem continuar.
Portanto, a questão da formação tem, efectivamente, de
ser alterada, porque, se não, podem lá ficar três ou quatro
anos e teremos os mesmos problemas.
Finalmente, a questão dos juízes jubilados dependerá da
adesão. No meu caso, se me tivesse reformado - e no meu caso é
reformado e não jubilado -, não queria voltar ao serviço,
porque há muitas outras coisas para fazer na vida.
Mas os Srs. Magistrados jubilados vão responder a isto e veremos qual
é a adesão.
Por fim, em relação à questão da nomeação
como juízes de direito de licenciados em direito, ou seja, relativamente
à questão daqueles juízes que não serão juízes
de carreira, penso que é preciso haver algum cuidado. Creio que é
certa a opção tomada no sentido de não tornar esta possibilidade
numa carreira definitiva, mas não sei qual vai ser a resposta, porque
pode acontecer que haja grandes expectativas das pessoas que respondam a esta
abertura, mas também pode suceder aquilo que aconteceu em Itália
com os tribunais liquidatários, ou seja, pode acontecer que as pessoas
não se sintam motivadas. Estamos perante uma encruzilhada, razão
pela qual vamos continuar a avaliar as outras medidas de fundo e a forma como
vai ser feito o entrosamento com tudo isto.
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Justiça,
não temos qualquer parti pris contra as medidas aqui propostas, mas
gostaríamos de reflectir sobre o sucesso de uma ou de outra, porque a
avaliação também pode ser diferente. Por exemplo, em relação
aos tribunais liquidatários de Itália - questão que, se
calhar, entronca em alguma proposta aqui apresentada -, verificou-se que foram
goradas as perspectivas de admitir, como se previa, os tais 1000 juízes
referidos no relatório italiano que ontem aqui citei, tendo-se apresentado
muito menos concorrentes, enquanto que, para o lugar de juiz de carreira há
um excesso tão grande que obrigou à realização de
alguns testes psicotécnicos de "cruzinhas", para se poder responder
a tantas solicitações. Essa é uma das questões que
esta proposta de lei traz.
O que gostaria de lhe perguntar prende-se com o seguinte: em relação
a duas medidas, esta proposta tem, como visão temporal, o ano 2003, e
registei que o Conselho Superior da Magistratura preferiria que estes juízes
se integrassem numa bolsa. Ou seja, preferiria que alterássemos o artigo
da lei de uma maneira diferente, o que implicaria que as medidas deixassem de
ser provisórias e passassem a constar da lei para que o Conselho pudesse
recorrer a elas sempre que fosse necessário.
Pergunto, pois, o seguinte: por que é que se perspectiva só o
ano 2003? Estão apuradas as pendências, aquilo que cada magistrado
pode resolver, que indicam que o trabalho dos tribunais vai responder completamente
a essa catadupa de processos que vai entrando? Está previsto que, de
repente, os cidadãos deixarão de ter de recorrer tanto aos tribunais?!
Mas gostaria que me respondesse às questões concretas relativas
ao número de pendências.
Em segundo lugar, em relação à questão da medida
que aí está a título definitivo e tem a ver com o encurtamento
do prazo de formação dos magistrados, devo dizer que penso que
o prazo hoje também não servirá de muito. Com respeito
pela categoria profissional, técnica, intelectual das pessoas que ministram
o curso, foi dito por magistrados que hoje o curso do Centro de Estudos Judiciários
não responde àquilo que é fundamental que um magistrado
tenha em conta, que é a avaliação dos factos, perante uma
certa cultura de impunidade que se instalou.
Aquilo que pergunto, deixando agora de lado outra questão, de que depois
falarei, em relação aos tais testes psicológicos, é
o seguinte: está prevista uma remodelação na maneira como
se formam magistrados que possa justificar que este encurtamento não
irá prejudicar o supremo acto de julgar, que é a avaliação
da vida, ao fim e ao cabo?
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado,
o sábado passado deve ter sido o dia de Espanha em Portugal. Digo isto
porque não fui a esse seminário, mas estive num outro, em Santarém,
que também contou com espanhóis e onde se discutiu a questão
da violência doméstica. Tive muita pena de não ir a esse
seminário, mas, de facto, tive de ir a este outro em Santarém.
Sr. Deputado Jorge Lacão, penso que fui muito clara naquilo que disse.
Não está posta em causa a qualidade das pessoas que ministram
os ensinamentos no Centro de Estudos Judiciários, até porque conheço
algumas delas e sei que são pessoas com elevadas qualidades, nomeadamente
humanas. Não é, portanto, isso que está em causa e, aliás,
não tendo feito qualquer reflexão sobre isso, mas tendo já
experiência de alguns anos de tribunal, posso dizer que há variações
na qualidade e que logo a seguir à institucionalização
do Centro de Estudos Judiciários e à instituição
dessa formação dos magistrados judiciais saíram do CEJ
magistrados de elevadíssima qualidade no que respeita às relações
humanas. A técnica todos terão, mas, muitas vezes, o que está
em causa não é a aplicação do Direito que está
em causa mas o outro substracto do magistrado.
No entanto, essa questão das relações humanas tem vindo
a degradar-se, possivelmente porque estamos numa sociedade de muita competição,
o que causa a crispação que existe nos tribunais entre os vários
operadores, advogados, magistrados e funcionários judiciais. Há
uma terrível crispação e, portanto, é preciso reflectir
um pouco sobre isso. Não advogo, de forma alguma, que se volte ao modelo
antigo, que passava por um Ministério Público vestibular para
a magistratura judicial, mas devo dizer que também não concordei
com a hipótese de fazer as pessoas esperarem dois anos para irem para
o Centro de Estudos Judiciários. Houve, há muito tempo, uma tentativa
de fazer isso e eu, que daqui a pouco já pertenço ao mobiliário
Dizia que houve, há muito tempo, uma tentativa de fazer isso e eu lembro-me
de dizer que o facto de só se poder concorrer ao CEJ com, pelo menos,
25 anos, era uma discriminação em função da idade.
Não concordo com isso, até porque conheço pessoas de muito
mais idade que são péssimas no trato e têm pouco de humanos
e conheço jovens com uma grande compreensão do mundo e dos seus
problemas.
Assim, posso afirmar que o meu grupo parlamentar está completamente disponível
para essa diligência da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias, que achamos muito oportuna.