Abertura das Jornadas Parlamentares do PCP
Intervenção de Jerónimo de Sousa,
Secretário-geral do PCP
Coimbra, 4 de Maio de 2006
Realizamos estas Jornadas Parlamentares com justificadas apreensões. À medida que o tempo passa e avançam os meses de governo do PS avolumam-se as preocupações dos portugueses e os problemas do país.
A retoma da confiança e os sinais positivos ciclicamente proclamados como antecâmara da saída da crise em função do anúncio de programas salvadores, da dinâmica bolsista ou da publicitação das OPA´s, não têm qualquer expressão na realidade económica e social do país.
É cada vez mais evidente e irrefutável que o rumo traçado pelo governo do PS e as políticas que o suportam não estão em condições de romper com o ciclo vicioso depressivo que se instalou há demasiado tempo no país.
Na verdade, as políticas restritivas e monetaristas centradas no combate ao défice das contas públicas, a que se juntam as políticas de privatização, liberalização e crescente desregulamentação dos mercados, não resolvem o problema do défice, nem dinamizam a economia e o emprego.
Apenas tem agudizado a crise com um impacto muito negativo na evolução da economia portuguesa e com consequências desastrosas no plano social.
É este modelo de políticas económicas que precisa de ser questionado e abandonado e não o débil Estado social ou um modelo social que, em vários domínios, responde ainda de forma frágil aos problemas sociais dos portugueses.
A solução dos problemas do país e dos portugueses que vivem do seu trabalho não se resolve com o recorrente recurso a medidas de contenção e diminuição dos seus rendimentos e no crescente corte e diminuição dos seus direitos sociais nos domínios da saúde, educação ou segurança social.
A gravidade da situação não se avalia apenas pelo facto do país atravessar o mais longo período de estagnação dos últimos 25 anos e a mais alta taxa de desemprego, mas também e, particularmente, pela perspectiva que se apresenta para o futuro: - uma preocupante perspectiva de evolução que projecta o país em crescente divergência com os outros países europeus até, pelo menos 2010.
Não são previsões nossas. São os recentes relatórios de instituições internacionais que o confirmam e que o PS aceita resignadamente, particularmente as suas sugestões e propostas de mais liberalização e precariedade das relações de trabalho e que condenam o país ao atraso.
O relatório da Primavera do Banco de Portugal está aí também para confirmar o resultado extremamente negativo de um ano de governo do PS e da preocupante evolução que se apresenta.
É talvez tempo e o momento de o país se questionar acerca de quem é a responsabilidade desta evolução negativa, mas também de quem é a responsabilidade da preocupante evolução que se perspectiva para o país para os próximos anos.
É tempo de pedir contas, não apenas e muito justamente aos partidos do Bloco Central, PS, PSD e do CDS-PP, mas também aos economistas cortesãos, a começar pelos responsáveis do Banco de Portugal tão zelosos se mostraram e mostram no escrupuloso cumprimento do receituário das políticas económicas neoliberais.
Anos a fio a ditar receitas, a secundar e avalizar políticas que se confirmam desastrosas para o país e sem que, sobre eles, pesem qualquer consequência.
A mesma impunidade com a decisão altamente prejudicial como foi a venda de ouro, como se confirma agora que este continua a ser um valor refugio e que às cotações de hoje a sua venda teria rendido mais 30 milhões de euros.
Não tardaram uns e outros, em nome do combate ao défice, propor e aplicar novas medidas penalizadoras dos trabalhadores, dos reformados e dos pequenos e médios empresários.
Não tardam uns e outros a fazer coro mais uma vez, com os mais proeminentes gestores e administradores da banca, empresários de topo e seus respectivos administradores, com o apoio dos colunistas de serviço na imprensa que dominam, a transformar os direitos dos trabalhadores e do povo em privilégios a que urge por fim.
Direitos que na nova linguagem destes falsos construtores da modernidades passaram a ser sempre o resultado de aquisições ilegítimas dos interesses corporativos.
Entretanto ainda ontem se anunciava que os lucros dos quatro maiores bancos cresceram, neste primeiro trimestre mais 31%.
E se uns, ainda hoje, se ficam neste cínico discurso que, sob a capa da modernidade, querem fazer regressar o mundo do trabalho a um passado sem direitos, através de um programa a concretizar em pequenos passos, outros começam a trabalhar para naturalizar como inevitável o fim de todas as conquistas sociais do movimento operário e dos trabalhadores.
Não se trata já apenas de justificar o fim do direito ao emprego e a um salário digno, ou do direito a uma reforma justa, alguns falam já da inevitabilidade do fim às férias pagas e do 13º mês.
Inevitabilidade que eles apresentam como a única saída num mundo de economia globalizada.
É preciso dizer sem rodeios que não há apenas uma saída para os problemas do país e muito menos a saída de retrocesso e de agravamento da vida dos portugueses que os arautos do neoliberalismo apresentam e que a política de direita dos últimos governos do PSD/CDS-PP e do actual governo do PS assumem e aplicam nas suas teses essenciais.
Para resolver os problemas do país e defender e melhorar as condições de vida do povo portugueses há soluções que passam pela defesa dos nossos sectores produtivos com mais investimento na sua valorização e na elevação do nosso padrão de especialização produtiva, mais investimento na promoção do crescimento económico e uma maior e mais forte aposta na educação e na formação.
Há outro caminho e outras soluções políticas que ponham fim ao faz de conta das falsas alternativas e do rotativismo de alternância sem alternativa.
Tal como não é inevitável a degradação dos direitos laborais dos trabalhadores que o governo do PSD/CDS-PP impôs com a aprovação do Código de Trabalho e com o subterfúgio da promoção do desenvolvimento económico.
Tal como se previa, dois anos e meio após a sua aprovação o que mudou foi apenas o quadro dos direitos dos trabalhadores, agora mais fragilizados, nomeadamente o direito à contratação colectiva, cuja solução o governo do PS adia, ao mesmo tempo que deixa em aberto a possibilidade de o alterar para pior.
Tal como não é inevitável nem a única e mais ajustada solução aquela que o governo apresentou a semana passada para a segurança social. Propostas que confirmam e dão razão às preocupações e denúncia do PCP em relação à intenção do governo de aumentar a idade da reforma.
Proposta que irão penalizar e reduzir os direitos dos trabalhadores e dos reformados com o aumento coercivo da idade da reforma, a diminuição do valor das pensões e com a abertura ao aumento das contribuições dos trabalhadores.
Propostas que vêm na linha das soluções dos partidos da direita de redução dos direitos e do aumento das responsabilidades sem contrapartidas.
É grave que o governo venha anunciar a antecipação da aplicação da forma de cálculo em função de toda a vida contributiva, voltando atrás com o compromisso assumido de garantir um período de transição.
Como é inaceitável a proposta de actualização dos valores das reformas em função da evolução da economia.
Da nossa parte não renunciaremos à apresentação das nossas propostas alternativas de diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social. Compromisso que o governo do PS assumiu no quadro da sua Lei de Bases da Segurança Social aprovada em 2000 e que se prepara para abandonar.
Nestas Jornadas Parlamentares que aqui realizamos em Coimbra iremos ao encontro dos muitos problemas, dos problemas reais que os trabalhadores, os agricultores, os pequenos e médios empresários e as populações enfrentam.
Estaremos atentos e daremos particular atenção aos problemas da Agricultura e dos agricultores. A começar pelo não pagamento das medidas agro-ambientais de 2005 e 2006.
Não é possível aceitar como boas e razoáveis as justificações do governo para suspender à posteriori, casuisticamente, contratos realizados entre a Administração e os agricultores.
O governo não tem razão e os seus argumentos são falsos.
É falso o argumento que condiciona o pagamento à disponibilidade do Orçamento de Estado.
E se esse é um problema, então desde já afirmamos a nossa disponibilidade para uma rectificação orçamental que permita ao governo assumir os seus compromissos.
É falso o argumento que é para corrigir injustiças. O ministro vem agora dizer que são escandalosas algumas das Ajudas porque atribuem milhões de euros a uns, poucos, grandes agricultores. Desculpas de mau pagador.
Quando o PCP denunciava as alterações nos critérios para a aplicação dessas Ajudas nunca os governos do PS e PSD-CDS quiseram corrigir tais injustiças. Porque não alterou o Governo e o Ministério da Agricultura essa legislação em 2005?
Não alterou porque o governo e o Ministro da Agricultura quiseram continuar «amigos» dos grandes proprietários do Alentejo e Ribatejo. Não é para corrigir as injustiças é para não pagar, agora aos cerca de 20 000 pequenos e médios agricultores.
Tal como o governo não responde também a muitos outros problemas que afligem os agricultores.
Não responde às dificuldades das Adegas Cooperativas que devem aos seus sócios um e mais anos de campanha.
Tem em dívida os apoios à electricidade verde e mantém-se insensível perante a subida de preço do gasóleo verde.
Assiste impávido à saída de centenas de pequenos de agricultores da Segurança Social por incapacidade de pagarem as suas contribuições.
Mantém e impõe limitações produtivas, com a imposição de quotas leiteiras desajustadas ao desenvolvimento do sector agro-pecuário.
Algumas destas dificuldades e problemas podem ter solução, como, o PCP na Assembleia da República e fora dela, tem demonstrado, inclusive com as propostas que fizermos em sede de Orçamento do Estado. Assim o Governo o quisesse!
Discutiremos nestas Jornadas Parlamentares o andamento das medidas e das políticas de combate aos fogos florestais.
Mas, entretanto é bom que o governo, em vez de acções de propaganda, desenvolva com medidas e acções concretas no terreno, garantindo as verbas necessárias às acções de prevenção, limpeza e vigilância que já deviam ter iniciado pelo menos em Novembro de 2005.
Superar com mais investimento e um melhor planeamento a meta decidida pelo governo de previsão de área ardida de 100.000 ha/ano até 2012.
Meta que é possível reduzir para metade com uma mais forte aposta na salvaguarda do nosso importante património florestal e os interesses dos produtores florestais, como se preconizava no Plano apresentado pelo Instituto Superior de Agronomia.
Retomaremos a exigência de uma verdadeira política de transportes que promova o desenvolvimento harmonioso e a coesão de todo o território nacional e daremos uma particular atenção ao transporte ferroviário, base fundamental da rede nacional de transportes.
Num momento em que se investem milhões na alta velocidade que não questionamos, é incompreensível que do pondo de vista das populações e do desenvolvimento regional se desinvista e se destrua a linha clássica ferroviária.
Como é incompreensível em função dos interesses do país que com tal desinvestimento se esteja a privilegiar o desenvolvimento do transporte rodoviário, mais poluente e mais dependente de recursos energéticos que o país carece.
É hoje e cada vez mais uma opção dos países mais avançados o desenvolvimento da ferrovia como um transporte estruturante de uma moderna rede nacional de transportes.
É nossa profunda convicção de que país não está condenado a uma única alternativa que o conduz ao atraso e ao aprofundamento das desigualdades económicas e sociais.
No verdadeiro interesse dos portugueses é possível e necessário realizar uma política alternativa.