Jornadas Parlamentares do PCP na AR e no PE
Intervenção de Abertura de Carlos Carvalhas
Lisboa, 19 de Abril de 2004

 

As preocupações e temas destas Jornadas correspondem a graves problemas do país.

O nosso aparelho produtivo tem vindo a ser subalternizado, em relação às actividades financeiras especulativas e parasitárias.

Perdemos a metalomecânica pesada, estamos em vias de perder a fabricação de comboios e a nossa especialização produtiva tem-se desvalorizado. A nossa produção é batida pela concorrência no mercado interno e externo. Perdemos quotas de mercado e temos uma crescente substituição da produção nacional pela estrangeira.

Esta situação tem sido agravada com as privatizações e a venda de importantes empresas ao estrangeiro, com a política de redução do défice sacrificando o investimento público produtivo, com o estreitamento do mercado interno pela via da diminuição dos salários reais e do empobrecimento de milhares de famílias. É aquilo que Paulo Portas chama pôr “a casa em ordem” adoptando um velho slogan de Salazar.

As consequências estão à vista com o aumento do desemprego, o endividamento das famílias, das empresas e do país ao estrangeiro e com a recessão. Esta desgraçada política não pode continuar.

Enquanto os outros países da União Europeia avançam e recuperam, Portugal continua atolado na recessão, sem que se veja a dita retoma, mil vezes anunciada e mil vezes adiada como o evidenciam todos os indicadores estatísticos. Até as exportações caíram em Janeiro pela primeira vez nos últimos dois anos.

Como podem ter um nível de vida digno milhares de famílias com rendimentos baixíssimos e todos os dias a perder poder de compra com os aumentos e mais aumentos sobretudo de bens de primeira necessidade? Como podem sobreviver milhares de reformados com as suas pensões e aumentos de miséria ?

Como podem perspectivar o seu futuro milhares de jovens com contratos a prazo, milhares de jovens licenciados e especializados se não encontram emprego?

A falência desta politica é uma evidência.

Nestas Jornadas iremos avançar com algumas propostas dirigidas à defesa e valorização do aparelho produtivo nacional e à defesa dos trabalhadores vítimas de encerramentos e deslocalizações.

Perante o alargamento da União Europeia, perante a valorização do Euro em relação ao dólar, perante a recessão e a crescente subcontratação da economia portuguesa, é cada vez mais necessária uma política de defesa do interesse nacional e não de servilismo em relação à união europeia.

É necessário que o Governo português junte a sua voz à de outros países no sentido da revisão do Pacto de Estabilidade com a introdução de critérios que privilegiem o crescimento, o emprego, a convergência real das economias; que pressione no sentido da baixa da taxa juro do Banco Central Europeu, como modo de compensar a apreciação do EURO, aliviar financeiramente as pequenas e médias empresas e alargar o mercado interno europeu e nacional; que defenda a concretização do principio da Coesão Económica e Social e o reforço do Orçamento Comunitário.

A nível do País é necessário aumentar o investimento público produtivo, alargar o poder de compra das massas populares, proteger o nosso mercado interno através de medidas habilidosas, como o fazem por exemplo, a Espanha e a Itália, valorizar a produção nacional e conservar importantes empresas e centros de decisão pondo fim às privatizações.

Temos tido uma importante acção coordenada entre o nosso grupo parlamentar, os nossos deputados no Parlamento Europeu e o Grupo Unitário de Esquerda Verde Nórdico, o que tem permitido potenciar a nossa intervenção em defesa do interesse nacional e de uma Europa de paz, mais social e mais democrática. E temo-lo feito com grande determinação e coerência, ao contrário de outros, como o Partido Socialista, que ainda recentemente votou no Parlamento Europeu uma Resolução, à excepção de um dos seus deputados, defendendo o cumprimento estrito do Pacto de Estabilidade, quando aqui o seu Secretário Geral, pede a sua reavaliação e o cabeça de lista fala do “Bezerro de ouro” do défice. É a duplicidade de posições, uma para consumo interno, outra para consumo europeu. Também no PSD, pudemos ler esta semana o Ministro da Economia dizer que “...as pessoas não vivem do défice” e o que é preciso é distribuir a riqueza. A que governo é que ele pertencerá? Estaria ele a imitar o Paulo Portas? Então não é verdade que com este Governo tem havido uma política de concentração da riqueza e de acentuação das desigualdades? É olhar para os dados sobre o consumo de produtos de luxo ou olhar para os dados da pobreza, do desemprego e dos vínculos laborais precários.

Uma outra questão, que necessita de reflexão é a necessidade de um maior envolvimento da Assembleia da República no acompanhamento e fiscalização do processo de decisão e legislativo na União Europeia.

É uma questão que também exige novas medidas dados os passos que se estão a dar na União Europeia.

A Assembleia da República não pode ficar à margem, nem pode ficar perante factos consumados.

As medidas neoliberais, as privatizações dos serviços públicos, o desmantelamento do chamado Estado social, a ofensiva contra direitos e conquistas dos trabalhadores, exige o conhecimento prévio para ter a resposta devida a nível das instituições e fora delas.

A terceira questão, que deve merecer a nossa atenção é a dita Constituição Europeia. Tudo indica que esta seja assinada pelos governos até Julho. É por isso que o Partido Socialista e o PSD/PP, à margem da Assembleia da República estão numa habitual negociata para rever a Constituição, para a submeter à chamada Constituição Europeia neoliberal, que pretende consagrar um “directório” de grandes potências, em que nem no aspecto formal se admite a igualdade entre Estados. É para isto que o PS pede o cartão amarelo ao governo? A concretizar-se ficaremos a saber em letra de forma que tanto o PS como o PSD entendem que a Constituição Europeia se deve sobrepor à Constituição Portuguesa.

O Primeiro Ministro antes de assinar tal Tratado deve promover um debate na Assembleia da República. Não se pode deixar que isto passe debaixo da mesa, com o ruído do EURO 2004 e as eleições para o Parlamento Europeu, apesar da dita Constituição dever ser objecto de um referendo e da obrigatória ratificação. É uma questão séria de mais para passar à margem do conhecimento da opinião pública como gostariam alguns. Pela nossa parte tudo faremos para que este debate tenha lugar.

Por último, ainda o Iraque. O Primeiro Ministro voltou ontem a dizer que a GNR está no Iraque a solicitação da ONU. Ora a verdade, é que o Governo decidiu apoiar a ocupação do Iraque e enviar forças da GNR à margem da ONU, tal como Bush e Blair. A Resolução da ONU, que veio depois não legitimou uma guerra dita preventiva contrária à paz e à letra e ao espírito da Carta. Mas a decisão tomada ontem por Zapatero de retirar as tropas espanholas sem esperar por 30 de Junho, é objectivamente uma estalada a Durão Barroso na sua vassalagem a Bush e às suas palavras de ingerência sobre os assuntos internos do Estado Espanhol. Durão Barroso ainda não se deu conta do fiasco que está a ser a decapitação do terrorismo e a dita pacificação e democratização do Iraque.

Mas a decisão de Zapatero também devia fazer reflectir o PS sobre as suas ambiguidades. Tanto mais que um dirigente nacional José Sócrates, disse ontem em Viseu que Zapatero apenas procurou corrigir um erro. E o PS não quererá corrigir nada?

A GNR deve sair do Iraque. Portugal não deve ficar atrelado a uma guerra ilegítima para servir os interesses petrolíferos das multinacionais americanas e britânicas.

Durão Barroso devia reflectir nas palavras do «Observatori Romano», que sobre as forças italianas disse que dados os constrangimentos no Iraque aquelas não eram forças de paz, mas forças de morte. A retirada da GNR do Iraque era um gesto que facilitaria o relacionamento com o mundo Árabe, daria peso a Portugal numa futura negociação de Paz e era mais um facto a pressionar a Administração Bush a aceitar uma verdadeira transferência da segurança para a ONU.

Também nestas Jornadas, queremos deixar uma palavra de solidariedade ao povo da Palestina e condenar mais este acto de terrorismo de Estado cometido por Israel com o apoio tácito dos EUA, o único País que teve o descaramento de não o condenar. O cínico argumento de que a invasão e a ocupação do Iraque facilitaria a Resolução da questão palestiniana aí está na prova dos factos.

Este novo assassinato é mais um impulso à espiral de violência. Nestas Jornadas queremos reafirmar que condenamos todas as formas de terrorismo e que este não se combate com assassinatos premeditados ou com mais violência. Combater o terrorismo, reafirmamos é também combater os factores que o alimentam, a frustração e a humilhação dos povos, a sua dominação e exploração, a opressão e a fome, os off-shores e a venda sórdida de armas, o não respeito pelas diferenças culturais, a substituição do Direito Internacional pelo Direito dos Estados Unidos de invadirem e ocuparem um país a quilómetros de distância na base de uma mentira.

Os trabalhos que ainda vamos ter pela frente na Assembleia da República, exigem muita intervenção e muita iniciativa. Pela nossa parte não ficaremos de braços cruzados a ver o encerramento de tantas empresas como a Bombardier e a ver o aumento do desemprego, da pobreza, da degradação do nível de vida de tantos portugueses. Não ficaremos de braços cruzados perante a liquidação de direitos duramente conquistados com a Revolução de Abril que esta semana comemoramos.

Por isso boas Jornadas, boas conclusões e bom trabalho.