Jornadas Parlamentares do PCP
Intervenção de Bernardino Soares na Abertura das Jornadas Parlamentares do PCP
Porto, 14 de Fevereiro de 2003

 

Senhoras e Senhores Convidados
Camaradas e Amigos,

Ao escolher a saúde como tema central destas Jornadas Parlamentares o Grupo Parlamentar do PCP salienta a importância desta questão para a vida das populações. No quadro geral de ataque aos direitos sociais e aos serviços públicos, o Serviço Nacional de Saúde é hoje um dos principais alvos da política do Governo, visando o seu desmantelamento e desarticulação.

Estamos conscientes de que a saúde é, cada vez mais, uma das principais preocupações dos portugueses; de que são justas as frequentes manifestações de insatisfação com os serviços públicos; e de que o nosso país continua a ter graves carências neste sector.

As Jornadas Parlamentares do PCP serão assim um momento em que nos debruçaremos sobre medidas essenciais para a revitalização do Serviço Nacional de Saúde, para a resolução dos seus problemas e constrangimentos, e uma oportunidade para o balanço das alterações já introduzidas ou perspectivadas para breve pelo Governo.

Realizamos estas Jornadas na cidade do Porto, não apenas porque consideramos salutar a sua descentralização, mas para permitir o contacto com a realidade específica desta região, seja nas questões da saúde, porque aqui existem importantes unidades do Serviço Nacional de Saúde, seja em relação à grave situação económica e social do distrito e a outras matérias fundamentais para a vida das populações, com destaque para a questão dos transportes públicos e acessibilidades.

Saudamos as populações e os trabalhadores deste distrito e expressamos a nossa solidariedade com todos os que se manifestam e lutam pelos seus direitos exigindo uma política de acordo com as necessidades do país. Saudamos por isso os agricultores que ontem fizeram ouvir o seu descontentamento em relação à política agrícola; saudamos os profissionais das forças de segurança que recentemente manifestaram de forma inequívoca a sua oposição a uma política que desconsidera as suas necessidades e justas aspirações.

Nos próximos meses teremos uma nova e já anunciada ofensiva legislativa do governo, em que se destacam entre outras a profunda ofensiva na educação e a prometida continuação do ataque à administração pública e aos seus trabalhadores.

Continuamos a considerar importante a procura de pontos de encontro no combate à política do Governo, não confundindo evidentes diferenças de opinião entre as oposições, com a prioridade indispensável à denúncia desta política. Mas é justo assinalar que recentes convergências do Partido Socialista com a direita em matérias decisivas tornam mais fácil a vida ao governo e ajudam ao branqueamento das suas políticas.

Prossegue a “mata cavalos” a votação na especialidade do Código de Trabalho, com a Assembleia da República remetida a entidade certificadora do acordo tricéfalo obtido pelo Governo, condenando as centenas de propostas da oposição a serem trituradas pelo intransigente rolo compressor da maioria. Manteremos o empenhamento de sempre neste combate, dando corpo à continuada luta e protesto dos trabalhadores portugueses.

Face ao caderno de encargos apresentado pelo governo, desde já alertamos que é indispensável realizar os debates anunciados de forma a permitir a pluralidade de propostas a apresentar e a garantir uma análise aprofundada, e pelo tempo necessário, de cada matéria.

A Assembleia da República não pode ser a “loja de conveniência” do Governo, de onde este leva o que precisa, e quando precisa, mesmo à custa do equilíbrio na programação dos debates e da busca do melhor esclarecimento.

Quanto mais aumenta o desgaste do Governo e a impopularidade das suas políticas, e talvez até como reacção a isso, mais a maioria assume uma postura inflexível, perante os direitos e as propostas dos restantes partidos, acentuando-se a degradação do funcionamento da Assembleia da República.

A maioria introduziu no regimento uma espécie de “lei da rolha” para muitas das iniciativas das oposições, fazendo com que existam debates em que iniciativas sobre a mesma matéria têm dignidade e tratamentos diferentes; transformou o debate sectorial de perguntas ao governo criado com o novo Regimento, numa intervenção do ministro seguida de perguntas dos vários Deputados (o que se traduz na aberração de a sessão de perguntas começar com uma resposta); impede sistematicamente a avocação de votações na especialidade para plenário, impedindo até o seu debate, mesmo tendo a possibilidade de rejeitar com os seus votos a alteração proposta.

Quanto ao novo sistema de votações PSD e CDS entenderam por bem garantir que as deliberações lhes serão sempre favoráveis, mesmo que não disponham da maioria de facto. Ao não permitirem a contagem por bancadas dos Deputados presentes põem em causa regras básicas de transparência e contemporizam com o incumprimento de um dos principais deveres dos Deputados – o da presença nas sessões plenárias, designadamente no momento da votação.

Mas mais; a maioria volta a colocar a Assembleia da República em risco de ver questionada a regularidade das suas votações, quando nalgum caso a maioria dos presentes for diferente da maioria dos mandatos. O seguro contra todos os riscos da maioria, ou mais precisamente contra todas as faltas, é na prática um evidente retrocesso, depois de todo o debate à volta da questão das votações e do novo Regimento.

Longe vão os tempos em que o PSD, na sequência da polémica votação da Lei da Programação Militar, rejeitou o famigerado “acordo de cavalheiros” passando a vigorar a possibilidade de contagem imediata dos deputados de cada partido em cada votação. O que antes não aceitavam impõem agora por maioria. Assim se vê a coerência do PSD.

A maioria funciona em regime de preconceito em relação às propostas da oposição. Se é da oposição é para chumbar. É assim nas centenas de propostas do código de trabalho, nas do orçamento de estado e até em matérias aparentemente menos polémicas como o combate aos fogos florestais ou ao branqueamento de capitais. Ouvimos até, há bem pouco tempo, a espantosa justificação, de que as propostas do PCP eram na sua maioria correctas mas seriam chumbadas, porque em breve o Governo tomaria as medidas necessárias.

Constituem também factor de empobrecimento das competências da Assembleia da República de fiscalização da actividade do governo as recentes evoluções em várias Comissões de Inquérito, propositadamente bloqueadas pela maioria e que contribuíram para desprestigiar este importante instrumento do Parlamento, daí resultando claro que a um Governo e a uma maioria como a que temos convém que estas Comissões sejam declaradas inúteis e ineficazes. As comissões de inquérito sempre tiveram, como tudo no parlamento, condicionantes políticas de acordo com as maiorias de cada momento. São um insubstituível instrumento de fiscalização do governo e não se resumem apenas ao resultado apurado (ou não) nas conclusões finais, valendo pelas possibilidades alargadas de apuramento e escrutínio dos factos e pelo contraditório indispensável na avaliação de qualquer actividade governativa.

Pela nossa parte não aceitamos a declaração de incapacidade que a maioria pretendeu colar às comissões de inquérito, antes defendemos a sua valorização, designadamente criando mecanismos (como os que já propusemos) que impeçam o bloqueio pela maioria do seu funcionamento.

Estes e outros entorses no funcionamento parlamentar devem merecer a devida atenção do Presidente da Assembleia da República, que dispõe de competências que podem e devem ser usadas no momento próprio, para garantir o prosseguimento regular da actividade do Parlamento e impedir a sua menorização enquanto órgão de soberania.

Prosseguiremos o caminho de apresentação de propostas e políticas alternativas, procurando ir ao encontro dos problemas e das realidades existentes e contrariando a política de desestruturação dos serviços públicos e de privatização crescente dos sectores sociais.

Durante esta 1ª Sessão Legislativa foram discutidas, entre outras, iniciativas do PCP em importantes matérias como a reforma da política comum de pescas, o combate ao branqueamento de capitais, a prevenção dos fogos florestais, a política de combate à toxicodependência, a fraude nas contribuições para a segurança social, a recuperação de núcleos históricos, o direito de petição, a iniciativa legislativa popular, as autoridades metropolitanas de transportes ou o Conselho das Comunidades Portuguesas.

Desenvolvemos uma intensa fiscalização da actividade do governo, através de cerca de quatro centenas de requerimentos e de múltiplos pedidos de apreciação parlamentar de decretos-lei.

Traduzimos em iniciativas políticas e legislativas muitas questões que em cada momento assumiam maior significado da vida nacional. Foi assim com o recente projecto visando a limitação dos processos de deslocalização de empresas, com a iniciativa visando regular a venda do património do Estado ou com o debate, proposto esta semana, sobre política cultural, visando debater as condições de apoio à produção cultural no nosso país.

Este continua a ser o nosso compromisso para o futuro.

Manteremos o combate, sem hesitações, à política do Governo, convictos de que ela é causa de maiores desigualdades sociais e prejudica o desenvolvimento do País. Não desistiremos de levar à Assembleia da República os problemas dos portugueses e do País. Interviremos com determinação na defesa de outra política e de outro rumo para Portugal.