Intervenção do Deputado
Carlos Carvalhas
Jornadas Parlamentares - Moura
16 de Fevereiro de 2001
Camaradas e amigos:
Estas Jornadas Parlamentares decorrem num quadro político em que o Governo e o Partido do Governo confrontados com o descrédito crescente e com a erosão da sua base social de apoio desenvolve esforços em duas grandes direcções.
1ª) difundir a ideia que estão a arrepiar caminho, que vão mudar de política, que o Governo vai entrar numa" nova fase";
2ª) utilizar todos os meios (alteração da lei eleitoral, dinheiros públicos, governadores civis, lançamentos de primeiras pedras, promessas ...) para os colocar ao serviço da estratégia da comissão eleitoral do PS para autárquicas.
Estas duas direcções têm um ponto em comum: a propaganda. Alterações só no que é secundário ou pontual para manter na mesma tudo o que é essencial.
Depois de falhado o lançamento do um "novo ciclo", com os escândalos da Fundação para a Prevenção Rodoviária, demissões de membros do Governo, silêncio cúmplice em relação ao caso do urânio empobrecido, escândalo da TAP, da GALP..., o Governo lança agora uma nova operação, ouvindo independentes, num "remake" sem fôlego e sem alma de uns "Estados Gerais" de gabinete, intensifica a retórica social e faz de membros do Governo e de governadores civis, comissários eleitorais do PS (veja-se a surrealista reunião do Secretário de Estado do Trabalho com os vários Governadores Civis ou a entrega directa de cheques a colectividades e associações numa fusão e promiscuidade entre o Partido e o Estado).
Mas no que é essencial o Governo mantém a mesma política, que se traduz num «modelo» neoliberal assente nos baixos salários, na precaridade dos vínculos laborais, na concentração da riqueza, no favorecimento das actividades especulativas em detrimento das actividades produtivas.
Os resultados são conhecidos.
Uma boa parte dos fundos estruturais regressam aos países mais ricos da União Europeia, no pagamento de importações de bens de consumo em vez de serem empregues no robustecimento e modernização do aparelho produtivo, agravando-se de forma acentuada o défice da Balança Comercial e o endividamento da economia nacional e dos particulares.
Afastamo-nos da média europeia em relação ao Produto Interno Bruto. Empresas básicas e estrangeiras ficam na alçada de centros de decisão externa. Milhares de jovens, de trabalhadores e de famílias ficam à margem de um nível de vida digno.
O Governo comete um erro de cálculo se pensa que resolve os problemas através do marketing político, das promessas e da retórica discursiva ou através da alteração da lei eleitoral para as autarquias, para ganhar na Secretaria aquilo que não consegue pelo límpido jogo democrático. É uma vergonha.
Não dizia há tempos, o Presidente do Grupo Parlamentar do PS, que o seu partido era o principal culpado de os portugueses não fazerem uma distinção clara entre a gestão do PS e a do PSD? E acrescentava "...estamos acomodados e o PSD chega a ter, na maioria dos casos, atitudes mais avançadas que os socialistas nas autarquias...". Compreende-se assim as motivações de tal lei: o poder pelo poder, a distribuição do poder pelo Bloco Central. É um empobrecimento democrático e um golpe no poder local democrático.
O marketing político não dá resposta à má gestão autárquica nem às dificuldades da economia portuguesa, nomeadamente dos seus défices e problemas estruturais bem como à crescente subcontratação e dependência.
O marketing político não esconde também as semelhanças e convergências no essencial com o PSD e a política de direita: privatizações, concepção federalista da construção europeia, leis eleitorais, política salarial, revisão constitucional, política de compadrio (jobs for the boys) e de clientelas...
O marketing político não apaga a degradação na prestação de muitos serviços públicos e o peso para o futuro das sucessivas derrapagens orçamentais, como é o caso do Orçamento da saúde, ou o caso das concessões de auto-estradas, sem custo para o utilizador (SCUT) já adjudicadas que terão um acréscimo de 350 milhões de contos em relação ao previsto. São os resultados da farsa do "Estado mínimo", e do chamado "Estado regulador", como o PS o define.
Com o leilão de empresas básicas e estratégicas e o aumento do poder económico de meia dúzia de famílias, aumenta também a subordinação do poder político ao poder económico (nacional e estrangeiro), sendo este cada vez mais, o dito poder regulador. O poder regulador neste quadro é o do árbitro de uma das partes, é o poder regulador ao serviço da parte mais forte, exprimindo-se com maior ou menor disfarce na chamada "lei do funil". E é por isso que as reformas não avançam ou ficam muito aquém do que era necessário.
E é também por isso que neste momento queremos questionar o Governo acerca do empreendimento do Alqueva.
As obras do empreendimento avançam. Mas a questão que se coloca é esta. O que é que se vai fazer da componente agrícola? Os milhões que o todo nacional está a investir vai servir a região e o país ou apenas meia dúzia de grandes proprietários?
O que é que se pretende? Fixar jovens agricultores, trabalhadores agrícolas, pequenos e médios proprietários, ou deixar que a zona irrigada seja objecto de concentração fundiária, dominada por grandes proprietários e por multinacionais da agro-indústria?
Se se optar por esta via é claro que teremos uma reprodução no nosso País de uma nova Almeria, com a continuação da emigração e migração dos alentejanos e a vinda para a região de mãos-de-obra barata, nomeadamente do Norte de África, com os dramas mais sociais e dramas humanos ainda recentemente relatados. Continuará a repulsão da população da região e virá mão de obra estrangeira...
O Primeiro-Ministro devia pelo menos reflectir sobre os textos que a Comissão Diocesana de Justiça e Paz da Arquidiocese de Évora tem produzido sobre o Alqueva. Num desses textos afirma-se: "O que devemos perguntar-nos é se, no Alentejo, no passado e especialmente no presente, a terra, a sua propriedade e o seu uso, têm servido de forma satisfatória o bem comum". Não nos parece difícil concluir que não... E concluía que, era necessário "um novo ordenamento fundiário que contribua para a fixação dos jovens e das famílias agricultoras à terra, não prejudicando, antes promovendo, os valores da solidariedade e da coesão social...".
Para um Governo que diz querer governar com consciência social, tem em relação ao Alqueva mais uma oportunidade para o provar.
Pela parte do PCP consideramos que estas preocupações são justas e que não podem deixar de ser tidas em consideração.
É tempo de se pôr de lado os preconceitos e avançar com medidas de inegável eficácia social e económica. Ceder aos privilégios é reproduzir modelos de grande injustiça social, com reflexos negativos para toda a região e para o país, com o cortejo dos problemas sociais e mais tarde de insegurança que são conhecidos. Não vale a pena meter a cabeça na areia. A política de avestruz pode dar para ganhar tempo ao Governo, mas compromete a região e o país.
Nada adianta vir mais tarde confessar os erros cometidos como agora o fazem os arautos da PAC que perante a crise de confiança dos consumidores pelos escândalos alimentares e as despesas orçamentais ligadas à epidemia das vacas loucas, se transformaram de um dia para o outro, candidamente em adeptos da chamada agricultura não produtivista...
Camaradas e amigos:
É pelos frutos que se conhece a árvore. Alguns socialistas insurgem-se quando afirmamos que no essencial a sua política é uma política de concentração de riqueza. Mas infelizmente é essa a verdade.
Compara-se o salário mínimo, o nível salarial da maioria dos trabalhadores e as reformas de miséria com os vencimentos por exemplo, dos 5 administradores da GALP Energia, que somam 730 mil contos/ano, ou com os lucros do BCP, do BES ou BPI, que no ano passado tiveram em conjunto lucros superiores a 177,5 milhões de contos!
Olhe-se para a distribuição do Rendimento Nacional, para acentuação das desigualdades, para a ostentação de alguns e para as dificuldades de tantos e talvez se compreenda melhor a quem serve a política económica e financeira do Governo PS e quais são as verdadeiras causas do aumento da insegurança e da criminalidade.
O País precisa com urgência de uma nova política, de uma política de esquerda.
É neste sentido que continuaremos a intervir com determinação
e com confiança, procurando impulsionar propostas positivas e a aprovar
medidas que representem avanços mesmo que pontuais, ou limitados e a
combater o que se nos afigura negativo para o povo e para o país. E nestas
Jornadas Parlamentares queremos ainda chamar a atenção para o
bloco central de interesses que move o PS e o PSD e que tem expressão
actual por exemplo, na "moderação salarial" (vejam-se
as declarações de Victor Constâncio e de Tavares Moreira)
ou as negociatas feitas fora da Assembleia da República entre estes dois
partidos quer em relação à lei eleitoral par as autarquias,
quer em relação à revisão constitucional, com o
objectivo de se reintroduzir a prisão perpétua...
A conflitualidade verbal sobre o acessório entre o PS e a oposição
de direita vai acentuar-se para que continue a triunfar a política de
direita e a satisfação dos grandes interesses, para que continue
o rotativismo e a alternância, mas sem efectiva alternativa.
Por isso o nosso combate a tais mistificações.
Por isso, nestas jornadas, neste início do ano reafirmamos também a nossa postura de oposição de esquerda, a nossa posição de Partido de luta e de proposta.