Comentário do PCP a propósito da passagem do 7º aniversário do Referendo do Aborto (1998)
Nota da Comissão do PCP para a Luta e Movimento das Mulheres
27 de Junho de 2005

 

A maioria parlamentar do PS nada alterou: aborto clandestino e julgamentos de mulheres continuam!

Na passagem do 7º aniversário do Referendo, o PCP assinala o facto de, após as eleições legislativas – em que o Partido Socialista obteve uma maioria absoluta de deputados na Assembleia da República – Portugal continuar a manter uma das legislações mais restritivas da União Europeia em matéria de aborto, com consequências nefastas para a saúde reprodutiva das mulheres. Uma legislação que tem sido usada para fomentar processos, investigações e julgamentos contra mulheres, como o que decorre actualmente no Tribunal de Setúbal.

O recurso ao Referendo é uma opção errada!

O PCP reafirma que a insistência na errada opção de fazer depender a alteração da lei do aborto da realização de um referendo, em vez de fazer aprovar uma nova lei na Assembleia da República, torna quem assim pensa e age responsável por novos atrasos e incertezas quanto ao desfecho final deste processo.

O Partido Socialista e o Engenheiro Sócrates, desperdiçando a maioria parlamentar existente, assumem de novo pesadas responsabilidades na dimensão social e política do aborto clandestino, na situação de atraso na protecção da saúde reprodutiva das portuguesas, continuando a ignorar as diversas recomendações internacionais sobre estas matérias.

O adiamento deste problema é o saldo da insistência do PS, com o apoio do Bloco de Esquerda, na proposta de realização de um referendo, aprovada por este dois partido a 20 de Abril, que o Presidente da República recusou convocar por considerar não estarem reunidas as condições necessárias, devolvendo a responsabilidade à Assembleia da República.

Tal facto demonstra que a existência na Assembleia da República de uma folgada maioria de deputados de partidos que estão pela despenalização do aborto, não constitui condição suficiente para eliminar entraves e adiamentos à alteração do actual quadro legal, impostos pela anterior maioria de direita (PSD/CDS-PP).

A “história repete-se”:
É posta em causa a legitimidade da Assembleia da República em mudar a lei do aborto!

Sete anos após a realização de um Referendo, por decisão do PS e do PSD, após aprovação de uma lei na Assembleia da República, o Partido Socialista, com a cumplicidade do BE, nega de novo a capacidade deste órgão de soberania proceder a uma rápida aprovação de uma nova lei de despenalização do aborto em Portugal.

Ao enveredarem pelo recurso ao Referendo, estes dois partidos demitem-se das suas responsabilidades na Assembleia da República e desperdiçam a maior maioria de sempre que deveria dar corpo à despenalização do aborto em Portugal, cedendo mais uma vez aos argumentos da direita e dos sectores mais conservadores. A verdade dos factos é que, na prática, PS e BE convergem no caminho dos entraves, obstáculos e adiamentos, impostos há décadas pelas forças mais obscurantistas.

Para que não haja dúvidas, o PCP não tem medo da realização do referendo sobre o aborto. Continua a assumir com clareza a legitimidade da Assembleia da República para fazer aprovar uma nova lei, consciente de que, por mais cedências que sejam feitas para “calar” a direita (argumento do BE), esta, se tiver força institucional, não aceitará nenhuma mudança, nem por lei, nem por expressão referendária.

O PCP considera que não é uma opção correcta dar prioridade a um novo referendo, que será usado, como evidenciou o de 1998, para fomentar um clima psicológico fracturante na sociedade portuguesa, uma cruzada de culpabilização das sucessivas gerações de mulheres que têm recorrido ao aborto, e para caluniar as razões fundamentais dos que estão pela despenalização do aborto em Portugal: pôr fim à sujeição das mulheres ao aborto clandestino.

Despenalizar o aborto com a aprovação de uma nova lei é o caminho certo, possível e urgente!

O PCP reafirma que a despenalização do aborto com a aprovação de uma nova lei é o caminho certo, possível e urgente. O que impõe ao Partido Socialista (e à sua maioria parlamentar) a correcção das suas responsabilidades históricas na manutenção do aborto clandestino, fazendo aprovar, finalmente, uma lei que despenalize o aborto em Portugal e investindo em políticas que implementem a educação sexual nas escolas e a promoção do conjunto dos direitos sexuais e reprodutivos.