Queria em meu nome e em nome do PCP, agradecer a presença de todos nesta recepção-convívio,
nomeadamente a presença de representantes de diversos países africanos e das
comunidades de origem africana em Portugal.
Nós que fomos e somos um País com uma grande emigração, estamos em boas condições
para compreender os problemas das diversas comunidades estrangeiras que aqui
vivem e trabalham.
Os seus problemas são no essencial os problemas que defrontam os portugueses
emigrantes nos países da União Europeia e nos diversos cantos do Mundo: o problema
da documentação e da legalização, do trabalho com direitos e dignamente remunerado,
os problemas da habitação e da integração, do respeito pelas culturas, os problemas
da discriminação, do racismo e da xenofobia.
A grande maioria das comunidades de imigrantes encontram-se na Área Metropolitana
de Lisboa.
É também aqui que o PCP tem mais posições e responsabilidades autárquicas.
De uma forma geral e no quadro das competências das autarquias procuramos dar
resposta aos problemas dos imigrantes, o que não quer dizer que não haja que
melhorar a nossa intervenção e que não haja questões a superar. Mas muitos dos
problemas ultrapassam os meios, as atribuições e competências do Poder Local.
Neste Encontro-convívio queremos também dizer-vos que podem contar connosco
em todas as esferas da vida nacional onde temos influência bem assim como nas
diversas instituições internacionais e europeias onde temos representação, nomeadamente
no Parlamento Europeu, no Conselho da Europa e na União Inter-Parlamentar.
Permitam-me ainda que sublinhe algumas das nossas iniciativas na Assembleia
da República, nomeadamente as alterações introduzidas na nova lei de estrangeiros,
como a consideração da união de facto para efeitos de reagrupamento familiar;
a proibição da manutenção de cidadãos por mais de 48 horas na zona internacional
do aeroporto; a diminuição de 10 para 6 anos do período de residência exigido
para obtenção de autorização de residência permanente; a participação do Conselho
Consultivo para os Assuntos da Imigração nos casos de recusa de renovação de
autorização de residência.
E honramo-nos de ter sido o primeiro partido a apresentar um projecto de lei
contra a discriminação racial, que conduziu à aprovação pela primeira vez em
Portugal de uma lei que proíbe e sanciona todas as práticas discriminatórias
por causa da raça, cor, nacionalidade ou origem étnica. E honramo-nos de ter
sido também o partido que mais iniciativas e projectos de lei apresentou na
Assembleia da República, como foi o caso entre outros, dos direitos das Associações
de Imigrantes, da proposta de um mecanismo permanente para possibilitar a legalização
dos imigrantes em situação irregular, ou da revogação de toda a legislação discriminatória
sobre o trabalho de estrangeiros.
Por múltiplas razões Portugal está profundamente ligado a África. Felizmente
que a Revolução de 25 de Abril ao libertar o país do fascismo também contribuiu
para que os povos irmãos de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e S.Tomé
e Príncipe se libertassem, criando um novo quadro de relacionamento entre Portugal
e África.
É aos africanos que cabe optar pelas suas instituições, os seus princípios e
os seus valores, o seu quadro de organização regional.
Cabe-nos respeitá-lo. Sabemos apreciar o valor da liberdade, da soberania e
da democracia. E dos povos africanos recebemos também um valioso contributo
pela sua libertação do colonialismo. A luta dos povos de Angola, Moçambique,
Guiné-Bissau, Cabo Verde e S. Tomé, foi na verdade uma preciosa ajuda à libertação
do povo português.
Entendemos que os valores da liberdade e da democracia são universais, mas não
há “modelos” para impor, porque só os próprios povos poderão encontrar o seu
próprio caminho, ou se quiserem o seu próprio “modelo”.
Nós, portugueses, cidadãos de um país que vai exercer a Presidência da União
Europeia, entendemos que essa Presidência deve ser exercida para beneficiar
a cooperação entre a Europa e África. Para tal é de aplaudir a realização de
uma Cimeira entre a União Europeia e a OUA, a realizar no Cairo e que tenha
como objectivo fomentar um real desenvolvimento e uma verdadeira cooperação
e a resolução das dívidas externas, nomeadamente dos países mais carenciados.
Para esse efeito é necessário partir-se do pressuposto que cada organização
tem as suas próprias regras, e cada uma das partes deve respeitar esses regras
assumindo todos as consequências práticas, ou seja, ninguém pode ditar comportamentos,
exclusões ou marginalizações.
Portugal tudo deve fazer para que a Cimeira não seja adiada e se realize dentro
desse espírito e que a realizar-se ela não seja a vitória de um partido, de
um país ou de uma organização internacional, mas uma vitória dos povos da União
Europeia e dos povos da OUA, uma vitória da cooperação entre europeus e africanos.
Portugal está interessado no relacionamento com todos os países do Norte de
África, sem exclusões e deve rejeitar manobras que visem dividi-los ou agrupá-los
segundo interesses das velhas potências coloniais. Com os nossos vizinhos próximos
do Mediterrâneo, o PCP defende uma relação sem preconceitos e em pé de igualdade,
na busca dos interesses e vantagens recíprocas.
Aos países de língua oficial portuguesa ligam-nos laços muitos especiais que
creio por todos os outros ser compreendido.
E permitam-me que daqui saúde o povo de Timor Lorosae, Xanana Gusmão e o CNRT
com votos de sucesso na difícil fase de reconstrução e construção deste novo
país.
Também o apoio solidário do PCP e de forças progressistas portuguesas à luta
anti-apartheid e ao ANC, e a enorme colónia portuguesa radicada na África do
Sul, criou entre Portugal e a África do Sul laços especiais que importa desenvolver
no relacionamento com esse grande país.
Com todos os presentes e com todos os povos e países africanos queremos que
Portugal e a União Europeia dêem o seu contributo para um relacionamento internacional
mais justo, equitativo e não se faça de África um enorme reservatório de matérias
primas, de mão-de-obra barata, um Continente perdido.
Vivemos uma época em que se evoca para tudo e para nada a globalização.
A “globalização” tem também as costas largas. Não é raro dizer-se que neste
mundo globalizado, temos que ser competitivos o que nessa linguagem quer dizer
temos que baixar os custos do trabalho, liquidar direitos, não aumentar salários,
desregulamentar e flexibilizar cada vez mais a mão-de-obra... Este é o actual
rumo da globalização que difunde a ideologia e os interesses dos países dominantes:
os dogmas do neoliberalismo e da economia de casino à escala planetária. É a
ideologia da competitividade, das privatizações, da desregulamentação, da liberalização,
da produtividade, da flexibilidade, da mobilidade que mais não visa do que desarmar
os Estados, os trabalhadores e os sindicatos, para permitir à escala planetária
a desmedida acumulação de riqueza e a concentração do “poder político” em meia
dúzia de famílias, à custa da mais desenfreada exploração do trabalho e da pilhagem
de países e continentes inteiros. É a globalização da pobreza, do desemprego,
do trabalho precário e das fantásticas concentrações de riqueza.
Ainda antes de Marx, o Padre Lacordaire escrevia em 1838: «Entre o forte e o
fraco, a liberdade oprime e a lei liberta...».
São na verdade os países mais poderosos e os mais ricos os que mais defendem
a desregulamentação, a liquidação de defesas dos Estado soberanos, o mercado
como supremo regulador e entidade divina, o notário da democracia... Mas como
já foi afirmado «quanto mais deixarmos o mercado governar o futuro das nossas
sociedades, mais o mundo se tornará o terreno de uma guerra económica sem fronteiras,
onde individuos, grupos sociais, cidadãos, países e continentes pouco ou nada
competitivos serão postos de lado e abandonados como é já o caso de África».
Ao mundo actual injusto e desumano sobrepomos a luta por uma nova ordem económica
mundial e uma política de cooperação e apoio activo e solidário ao desenvolvimento
dos povos dos países subdesenvolvidos.
A globalização por que lutamos é a globalização da solidariedade, da cooperação,
da defesa do ambiente, do desenvolvimento com dimensão social, da criação de
condições de modo a que – e utilizando uma fórmula conhecida – «cada mulher,
cada homem, cada criança, goze de todas as condições económicas, sociais, políticas
e culturais, que permitam àquele que transporta em si o génio de Rafael ou de
Mozart possa desenvolvê-lo plenamente».
São muitas vezes os principais responsáveis pela “ordem capitalista mundial”
em que impera a lei do mais forte e o neocolonialismo sob as suas mais diversas
formas os que, sem qualquer pudor fomentam a corrupção, guerras e rivalidades
e depois pungidamente lamentam que dezenas de milhões de seres humanos na África,
na Ásia e na América Latina tenham uma vida de miséria, estejam ameaçados pela
fome, pela tragédia da Sida, alimentada pelo círculo vicioso da pobreza e sejam
até vítimas de doenças facilmente curáveis...
São os que alimentam e veiculam a imensa ofensiva ideológica em relação ao fomento
da resignação e à apologética da preservação do sistema. São os adeptos do «fim
da história» que asseguram que a economia neoliberal é a forma inultrapassável
de organização da sociedade. São os que difundem a fé no progresso da ciência
e da tecnologia como remédio para a felicidade dos homens mesmo quando são evidentes
os desastres ecológicos e as actuais regressões sociais. São os que difundem
os “clichés”, os preconceitos e as teses racistas, como causas do subdesenvolvimento:
“a inferioridade dos negros e dos amarelos”; a “incompatibilidade entre o Islão
e a racionalidade”; a maldição demográfica e da fecundidade...; apagando as
responsabilidades do colonialismo e do imperialismo, das pilhagens, da degradação
dos termos de troca, do fardo da dívida externa.
E são também aqueles os que mais se opõem à taxa Tobin sobre as operações financeiras,
a qual, se aplicada e segundo cálculos da ONU, daria para resolver as necessidades
mais básicas das populações mais carenciadas do Globo. E são ainda os que queriam
que avançasse o “Acordo Multilateral de Investimentos” de modo a que as multinacionais
pudessem passar por cima dos Estados e dos Sindicatos, e os que queriam agora
novos avanços neoliberais no Comércio Mundial em Seattle. São os que comandam
o Banco Mundial, o FMI e a OCDE e que ditam as grandes linhas da submissão e
da dependência. E que tem como resultado a obscena concentração de riquezas
num pólo e da pobreza no outro, situação que se verifica mesmo no interior dos
países mais desenvolvidos. À escala mundial, o controlo e o consumo de 80% dos
recursos naturais é detido apenas por 20% da população!
O património dos 15 maiores multimilionários ultrapassa o PIB total do conjunto
da África subsariana!
Como já alguém disse a globalização capitalista custa ao Terceiro mundo uma
Hiroshima por dia...
É também para continuarmos a conjugar os nossos esforços e a nossa intervenção
mesmo que pontual, pelo desenvolvimento, pela cooperação e pela transformação
social, que nos encontramos aqui.
O PCP não faltará com a sua solidariedade aos povos africanos e com o activo
e determinado contributo para que sejam respeitados e valorizados os direitos
das comunidades africanas e dos imigrantes que vivem trabalham em Portugal.
Pela nossa parte tudo faremos também, para que se efective o reforço de cooperação
entre Portugal e os países africanos, e entre a União Europeia e África, na
base do respeito mútuo, da não ingerência e nas vantagens recíprocas.
Este é um encontro de amigos. E porque estamos num convívio de amigos, e numa
quadra especial, permitam-me que vos deseje a todos e muito especialmente aos
nossos convidados estrangeiros umas Boas Festas e um Bom Ano 2000, e aos seus
povos, progresso, justiça social e Paz.