"A guerra de Bush e Barroso!"
Honório Novo no "Jornal de Notícias"
22 de Março de 2003

 

As bombas começaram a cair, os mortos também.

Como já se esperava, as imagens deixam perceber as trajectórias das primeiras mas não nos mostram o sangue dos últimos, nem tão pouco o pavor de todos aqueles que conseguem sobreviver ilesos, ou mais ou menos estropiados.

Infelizmente, a guerra não é um jogo de computador. Não são desenhos e (quase) simulações animadas que mostram carros blindados a avançar, aviões em descolagem, homens em treino, manifestações coloridas mais ou menos armadas de seguidismo militar.

Infelizmente, a guerra não é a imagem quase lúdica que dela nos dão (e querem dar).

Infelizmente, a guerra não é o conjunto de informações filtradas e completamente censuradas que as máquinas de guerra permitem difundir.

Infelizmente, a guerra não é o conjunto de especulações sobre movimentações e tácticas militares de que alguns comentadores encartados (que à hora de almoço estão num canal, ao lanche noutro, à hora de jantar num terceiro e à hora da ceia em simultâneo para todos) nos pretendem convencer.

Infelizmente a guerra não é aquela questão limpa cuja imagem as máquinas belicistas procuram vender, com “alvos cirúrgicos”, bombas selectivas, aviões inteligentes e, quando muito, um ou outro efeito colateral (sem importância e logo esquecidos como meros factos informativos).

A guerra é sobretudo barbárie e selvajaria, morte e sofrimento de milhares e milhares de inocentes. Mais de duzentos e cinquenta mil há doze anos, no Golfo, um número ainda não determinado no Afeganistão, há cerca de um ano.

Esta guerra é sobretudo o exercício mais completo de cinismo e de dominação que, ainda por cima, consegue normalmente escapar no desfilar dos relatos (quase) futebolísticos do drama que nos inunda o quotidiano.

Recorde-se, a propósito, o anúncio de que Bush falou (ou vai falar) ao mundo (…). Foi isto mesmo que se ouviu nos relatos da Cimeira de Guerra que nos Açores (terra portuguesa) lançou um ultimato à ONU e à Paz; foi isso o que se ouviu na noite do ataque, é isso que se ouve sempre que o presidente americano faz uma comunicação oficial Como é que se pode dizer (e escrever) “esta coisa” sem qualquer comentário nem qualquer réstia de autocrítica?

Dois exemplos do supremo cinismo: Bush pede aos “iraquianos para não incendiarem os poços de petróleo pois são recursos que pertencem ao povo”; depois do “início da guerra as bolsas de valores continuam em alta e a subir” (...).

Que mais é preciso para perceber as razões de uma guerra na qual Portugal, pela mão de um Governo irresponsável, se empenhou? É pelo menos necessário que este Governo seja politicamente censurado pelos prejuízos que tem provocado a um País que tanto continua a prezar a Paz e a amizade entre povos. É preciso dar expressão aos milhões que se manifestam contra a barbárie, é preciso fazer ouvir a voz da (maioria) dos portugueses que o Governo teima em esquecer.