Sessão Comemorativa do 50º Aniversário do Conselho da Europa
Intervenção do deputado Lino de Carvalho
5 de Maio de 1999

 

Senhor Presidente da Assembleia da República
Senhores Deputados
Senhores Membros do Governo
Senhores Convidados

O Conselho da Europa é a mais antiga instituição europeia, criada na sequência do Congresso de Haia do Movimento Europeu, realizado logo a seguir á guerra, em 1948. Após a 2ª Guerra Mundial, vários movimentos europeus lançaram a ideia de uma Europa supra-nacional corporizada numa instituição onde os inimigos da véspera se pudessem encontrar e reconciliar em paz. Marcada pelos dramas e pelos crimes nazis da 2ª Guerra a ideia de diálogo e paz teria, necessariamente, de encontrar eco na opinião publica. Instituição-espaço intergovernamental e interparlamentar nascida sob o signo da protecção dos direitos do Homem, de defesa da liberdade, da democracia e da paz e de cooperação entre os Estados, onde os países se podem encontrar para "examinar qualquer questão europeia", o Conselho da Europa também foi espaço de exclusão quando se deixou transformar em instrumento da guerra fria e do combate ideológico aos novos modelos socialistas de organização do Estado nascidos a Leste.

Como é sabido, Portugal só aderiu ao Conselho da Europa, em 1976, após a revolução de Abril e a recuperação da liberdade.

Conselho da Europa que se alargou dos 10 Estados iniciais que em 5 de Maio de 1949 assinaram o Tratado de Londres para os 41 Estados que hoje o constituem. Conselho da Europa que procura hoje o seu caminho na multiplicidade de instituições internacionais que têm vindo a multiplicar-se no espaço europeu. O Conselho da Europa é basicamente conhecido pela sua obra maior, a Convenção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e pelos órgãos que têm tido como função assegurar o respeito pela Convenção, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a Comissão Europeia dos Direitos do Homem. Mas a seu crédito também se devem contabilizar outros importantes textos como a Carta Social Europeia, a Carta da Autonomia Local bem como as acções a favor dos refugiados e das minorias, em defesa dos trabalhadores migrantes, contra o racismo e a intolerância, no âmbito da cooperação cultural e da defesa do Património ou ainda na produção legislativa relativa aos novos direitos. Como não é desprezível a importância dos textos do Conselho da Europa e os relatórios e resoluções da sua Assembleia como instrumentos de informação, formação e documentação a nível internacional.

Sr. Presidente da Assembleia da República
Srs. Deputados
Srs. Membros do Governo
Srs. Convidados

Contudo, cinquenta anos após a sua criação, transformado em fórum político pan-europeu após o seu alargamento, o Conselho da Europa corre, hoje, o risco de se descaracterizar se não souber encontrar o seu próprio espaço no quadro das instituições europeias existentes e de se descredibilizar por dar frequentemente guarida às decisões de política internacional baseadas na concepção dos "dois pesos e duas medidas".

As questões centrais que estiveram na base da sua criação, a protecção internacional dos direitos do homem e a salvaguarda da democracia e da paz, têm vindo a diluir-se na multiplicidade de áreas que o Conselho tem tido a tentação de ir abordando, desde as questões de defesa e segurança ás da economia (designadamente, ao nível da Assembleia Parlamentar, como órgão oficioso da OCDE) , desde as questões sociais, culturais e ambientais até á construção europeia e à moeda única. A adesão de muitos dos países do Centro e Leste da Europa a partir de finais dos anos 80 reorientou uma grande parte dos esforços e da actividades do Conselho para o enquadramento político e ideológico desses países, o que muitas vezes se confunde com pouco discretas formas de pressão e, até, de ingerência nas sua opções políticas e de organização do Estado. Mas o Conselho constitui também, inegavelmente, um dos dois únicos fóruns europeus onde os Estados do Centro e Leste da Europa têm assento e visibilidade internacional e, por isso mesmo, designadamente ao nível parlamentar, ele é utilizado com o objectivo de afirmação internacional desses países e para o desenvolvimento de formas de cooperação e diálogo entre o Leste e o Oeste, entre o Norte e o Sul. Simultaneamente ponte de passagem para muitos países candidatos á adesão á União Europeia o Conselho da Europa está hoje, transformada, numa pequena "ONU" da Europa mas sem ter, para tal, legitimidade institucional e reconhecimento internacional nem os meios financeiros e orgânicos adequados.

Nesta encruzilhada o Conselho da Europa está hoje confrontado com a necessidade de clarificar o seu papel e as suas funções e os seus membros confrontados com a necessidade de definirem a relevância que pretendem dar a esta Organização. Desde logo, o Estado português. O Governo e a Assembleia da República devem promover, com urgência, uma reflexão sobre o Conselho da Europa e as suas missões bem como sobre o espaço que a instituição deve ocupar na afirmação exterior e na política externa portuguesa. No que á Assembleia da República diz respeito, Sr. Presidente, importa também debater e definir a importância que é atribuída á delegação parlamentar nacional na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. E, nesse contexto, valorizar essa representação, divulgar a sua actividade e atribuir-lhe os meios financeiros e humanos adequados. "Melhorar a visibilidade do Conselho da Europa", como é sugerido no relatório do Grupo de Sábios, passa também, e muito, pela divulgação da intervenção do País na Organização e, no caso, pela divulgação da intervenção da delegação parlamentar portuguesa.

Outro terreno, não menos importante para a existência e a credibilização do Conselho da Europa é a da ambiguidade e dos duplos critérios que utiliza na abordagem dos problemas da paz e dos direitos humanos. É sabido que o Conselho da Europa possui, entre os seus membros, um Estado, a Turquia, que não respeita os princípios que enformam a instituição, que tem presos políticos, que mantém a pena de morte e que não cumpre e despreza os sucessivos acordãos condenatórios do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. É sabido que a Turquia desenvolve uma política de genocídio e de não reconhecimento dos direitos do povo curdo e de outras minorias nacionais. Neste preciso momento, um dirigente curdo, preso político, Abdullah Oçalan, corre o risco de ser condenado á morte. É sabido que a Turquia ocupa, ilegalmente uma parte do território de Chipre. Mas os debates sobre o que se passa na Turquia são permanentemente bloqueados e este país continua a manter o seu lugar e a sentar-se imperturbavelmente nas reuniões dos Comités de Ministros, de embaixadores e da Assembleia Parlamentar. Em contrapartida o Conselho da Europa e, em particular a última sessão da Assembleia Parlamentar, reunida na semana passada, juntou a sua voz á voz dos que defendem a guerra dos EUA e da NATO contra a Jugoslávia, juntou a sua voz não á voz da PAZ mas à voz dos "va-t-en guerre", recusando a oportunidade de contribuir para uma solução política e pacífica e de terminar com a gigantesca e intolerável catástrofe humanitária que está a ser vivida por centenas de milhares de refugiados, recusando dar uma oportunidade á paz e, assim, pondo em causa a sua própria razão de ser. Ora, é esta incoerência, é o facto de não colocar "todos os países em pé de igualdade", que obviamente vai corroendo e desacreditando o Conselho da Europa.

Sr. Presidente
Srs. Deputados
Srs. Membros do Governo
Srs. Convidados

O Conselho da Europa deve continuar a ter um papel central na produção legislativa e nas decisões jurisprudenciais relativas à defesa dos direitos humanos e pode ter também um papel privilegiado como lugar de afirmação de uma identidade europeia não menorizada face aos EUA e de construção de uma Europa do diálogo, da paz , da cooperação, do respeito pelos direitos humanos e pelos direitos das minorias, de uma Europa democrática.

A Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa é um espaço tribunício, de diálogo e de debate político entre os representantes dos países e das várias famílias políticas do Ocidente e do Leste da Europa. É, porventura, o único espaço institucional europeu onde tal é possível.

Entretanto, as instituições judiciais do Conselho da Europa e os respectivos acórdãos têm tido um crescente prestígio e têm-se revelado um importante instrumento na defesa de direitos ofendidos.

A instituição pode, pois, constituir uma espaço importante de cooperação entre todos os países democráticos da Europa. E pode ser um importante fórum onde o diálogo para a paz se sobreponha ás vozes da guerra e da corrida aos armamentos. Uma instituição mais liberta das questões imediatas e de pendor económico e mais flexível do que a União Europeia; uma instituição que deve definir melhor o seu espaço de intervenção em relação a outras organizações como, por exemplo, a OSCE. A existência de um conjunto de organizações que, por vezes, se sobrepõem nos seus objectivos, criando um aparente fenómeno de "duplo emprego" deve ser clarificado. Definir o quadro de cooperação e de complementaridade entre as várias instituições europeias é urgente e necessário.

Sr. Presidente
Srs. Deputados
Srs. Membros do Governo
Srs. Convidados

Numa Europa em profunda reorganização, inclusivamente das suas fronteiras internas, onde os fenómenos nacionalistas e separatistas emergem com violência mas numa Europa onde, paradoxalmente, tanto se fala de diálogo, de cooperação, de paz e de respeito pelos direitos dos povos – mas onde nem todos, porventura, têm a mesma interpretação desses conceitos – o Conselho da Europa pode e deve assumir um papel de relevo no cruzamento de povos e de culturas, na defesa e consolidação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, na promoção dos valores da democracia pluralista mas também da democracia económica, social e cultural, na reflexão e elaboração de um pensamento de progresso em relação aos novos direitos deste final de milénio, no respeito pelos direitos das minorias, na valorização de uma cultura de paz e de diálogo.

Para este Conselho da Europa podem contar com o contributo dos comunistas portugueses.