Senhor Presidente da Assembleia da República
Senhores Deputados
Senhores Membros do Governo
Senhores Convidados
O Conselho da Europa é a mais antiga instituição europeia, criada na sequência
do Congresso de Haia do Movimento Europeu, realizado logo a seguir á guerra,
em 1948. Após a 2ª Guerra Mundial, vários movimentos europeus lançaram a ideia
de uma Europa supra-nacional corporizada numa instituição onde os inimigos da
véspera se pudessem encontrar e reconciliar em paz. Marcada pelos dramas e pelos
crimes nazis da 2ª Guerra a ideia de diálogo e paz teria, necessariamente, de
encontrar eco na opinião publica. Instituição-espaço intergovernamental e interparlamentar
nascida sob o signo da protecção dos direitos do Homem, de defesa da liberdade,
da democracia e da paz e de cooperação entre os Estados, onde os países se podem
encontrar para "examinar qualquer questão europeia", o Conselho da Europa também
foi espaço de exclusão quando se deixou transformar em instrumento da guerra
fria e do combate ideológico aos novos modelos socialistas de organização do
Estado nascidos a Leste.
Como é sabido, Portugal só aderiu ao Conselho da Europa, em 1976, após a revolução
de Abril e a recuperação da liberdade.
Conselho da Europa que se alargou dos 10 Estados iniciais que em 5 de Maio de
1949 assinaram o Tratado de Londres para os 41 Estados que hoje o constituem.
Conselho da Europa que procura hoje o seu caminho na multiplicidade de instituições
internacionais que têm vindo a multiplicar-se no espaço europeu. O Conselho
da Europa é basicamente conhecido pela sua obra maior, a Convenção dos Direitos
do Homem e das Liberdades Fundamentais e pelos órgãos que têm tido como função
assegurar o respeito pela Convenção, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
e a Comissão Europeia dos Direitos do Homem. Mas a seu crédito também se devem
contabilizar outros importantes textos como a Carta Social Europeia, a Carta
da Autonomia Local bem como as acções a favor dos refugiados e das minorias,
em defesa dos trabalhadores migrantes, contra o racismo e a intolerância, no
âmbito da cooperação cultural e da defesa do Património ou ainda na produção
legislativa relativa aos novos direitos. Como não é desprezível a importância
dos textos do Conselho da Europa e os relatórios e resoluções da sua Assembleia
como instrumentos de informação, formação e documentação a nível internacional.
Sr. Presidente da Assembleia da República
Srs. Deputados
Srs. Membros do Governo
Srs. Convidados
Contudo, cinquenta anos após a sua criação, transformado em fórum político pan-europeu
após o seu alargamento, o Conselho da Europa corre, hoje, o risco de se descaracterizar
se não souber encontrar o seu próprio espaço no quadro das instituições europeias
existentes e de se descredibilizar por dar frequentemente guarida às decisões
de política internacional baseadas na concepção dos "dois pesos e duas medidas".
As questões centrais que estiveram na base da sua criação, a protecção internacional
dos direitos do homem e a salvaguarda da democracia e da paz, têm vindo a diluir-se
na multiplicidade de áreas que o Conselho tem tido a tentação de ir abordando,
desde as questões de defesa e segurança ás da economia (designadamente, ao nível
da Assembleia Parlamentar, como órgão oficioso da OCDE) , desde as questões
sociais, culturais e ambientais até á construção europeia e à moeda única. A
adesão de muitos dos países do Centro e Leste da Europa a partir de finais dos
anos 80 reorientou uma grande parte dos esforços e da actividades do Conselho
para o enquadramento político e ideológico desses países, o que muitas vezes
se confunde com pouco discretas formas de pressão e, até, de ingerência nas
sua opções políticas e de organização do Estado. Mas o Conselho constitui também,
inegavelmente, um dos dois únicos fóruns europeus onde os Estados do Centro
e Leste da Europa têm assento e visibilidade internacional e, por isso mesmo,
designadamente ao nível parlamentar, ele é utilizado com o objectivo de afirmação
internacional desses países e para o desenvolvimento de formas de cooperação
e diálogo entre o Leste e o Oeste, entre o Norte e o Sul. Simultaneamente ponte
de passagem para muitos países candidatos á adesão á União Europeia o Conselho
da Europa está hoje, transformada, numa pequena "ONU" da Europa mas sem ter,
para tal, legitimidade institucional e reconhecimento internacional nem os meios
financeiros e orgânicos adequados.
Nesta encruzilhada o Conselho da Europa está hoje confrontado com a necessidade
de clarificar o seu papel e as suas funções e os seus membros confrontados com
a necessidade de definirem a relevância que pretendem dar a esta Organização.
Desde logo, o Estado português. O Governo e a Assembleia da República devem
promover, com urgência, uma reflexão sobre o Conselho da Europa e as suas missões
bem como sobre o espaço que a instituição deve ocupar na afirmação exterior
e na política externa portuguesa. No que á Assembleia da República diz respeito,
Sr. Presidente, importa também debater e definir a importância que é atribuída
á delegação parlamentar nacional na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.
E, nesse contexto, valorizar essa representação, divulgar a sua actividade e
atribuir-lhe os meios financeiros e humanos adequados. "Melhorar a visibilidade
do Conselho da Europa", como é sugerido no relatório do Grupo de Sábios, passa
também, e muito, pela divulgação da intervenção do País na Organização e, no
caso, pela divulgação da intervenção da delegação parlamentar portuguesa.
Outro terreno, não menos importante para a existência e a credibilização do
Conselho da Europa é a da ambiguidade e dos duplos critérios que utiliza na
abordagem dos problemas da paz e dos direitos humanos. É sabido que o Conselho
da Europa possui, entre os seus membros, um Estado, a Turquia, que não respeita
os princípios que enformam a instituição, que tem presos políticos, que mantém
a pena de morte e que não cumpre e despreza os sucessivos acordãos condenatórios
do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. É sabido que a Turquia desenvolve
uma política de genocídio e de não reconhecimento dos direitos do povo curdo
e de outras minorias nacionais. Neste preciso momento, um dirigente curdo, preso
político, Abdullah Oçalan, corre o risco de ser condenado á morte. É sabido
que a Turquia ocupa, ilegalmente uma parte do território de Chipre. Mas os debates
sobre o que se passa na Turquia são permanentemente bloqueados e este país continua
a manter o seu lugar e a sentar-se imperturbavelmente nas reuniões dos Comités
de Ministros, de embaixadores e da Assembleia Parlamentar. Em contrapartida
o Conselho da Europa e, em particular a última sessão da Assembleia Parlamentar,
reunida na semana passada, juntou a sua voz á voz dos que defendem a guerra
dos EUA e da NATO contra a Jugoslávia, juntou a sua voz não á voz da PAZ mas
à voz dos "va-t-en guerre", recusando a oportunidade de contribuir para uma
solução política e pacífica e de terminar com a gigantesca e intolerável catástrofe
humanitária que está a ser vivida por centenas de milhares de refugiados, recusando
dar uma oportunidade á paz e, assim, pondo em causa a sua própria razão de ser.
Ora, é esta incoerência, é o facto de não colocar "todos os países em pé de
igualdade", que obviamente vai corroendo e desacreditando o Conselho da Europa.
Sr. Presidente
Srs. Deputados
Srs. Membros do Governo
Srs. Convidados
O Conselho da Europa deve continuar a ter um papel central na produção legislativa
e nas decisões jurisprudenciais relativas à defesa dos direitos humanos e pode
ter também um papel privilegiado como lugar de afirmação de uma identidade europeia
não menorizada face aos EUA e de construção de uma Europa do diálogo, da paz
, da cooperação, do respeito pelos direitos humanos e pelos direitos das minorias,
de uma Europa democrática.
A Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa é um espaço tribunício, de diálogo
e de debate político entre os representantes dos países e das várias famílias
políticas do Ocidente e do Leste da Europa. É, porventura, o único espaço institucional
europeu onde tal é possível.
Entretanto, as instituições judiciais do Conselho da Europa e os respectivos
acórdãos têm tido um crescente prestígio e têm-se revelado um importante instrumento
na defesa de direitos ofendidos.
A instituição pode, pois, constituir uma espaço importante de cooperação entre
todos os países democráticos da Europa. E pode ser um importante fórum onde
o diálogo para a paz se sobreponha ás vozes da guerra e da corrida aos armamentos.
Uma instituição mais liberta das questões imediatas e de pendor económico e
mais flexível do que a União Europeia; uma instituição que deve definir melhor
o seu espaço de intervenção em relação a outras organizações como, por exemplo,
a OSCE. A existência de um conjunto de organizações que, por vezes, se sobrepõem
nos seus objectivos, criando um aparente fenómeno de "duplo emprego" deve ser
clarificado. Definir o quadro de cooperação e de complementaridade entre as
várias instituições europeias é urgente e necessário.
Sr. Presidente
Srs. Deputados
Srs. Membros do Governo
Srs. Convidados
Numa Europa em profunda reorganização, inclusivamente das suas fronteiras internas,
onde os fenómenos nacionalistas e separatistas emergem com violência mas numa
Europa onde, paradoxalmente, tanto se fala de diálogo, de cooperação, de paz
e de respeito pelos direitos dos povos – mas onde nem todos, porventura, têm
a mesma interpretação desses conceitos – o Conselho da Europa pode e deve assumir
um papel de relevo no cruzamento de povos e de culturas, na defesa e consolidação
dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, na promoção dos valores da
democracia pluralista mas também da democracia económica, social e cultural,
na reflexão e elaboração de um pensamento de progresso em relação aos novos
direitos deste final de milénio, no respeito pelos direitos das minorias, na
valorização de uma cultura de paz e de diálogo.
Para este Conselho da Europa podem contar com o contributo dos comunistas portugueses.