Aprova, para ratificação, a Convenção n.º 175, sobre o Trabalho a Tempo Parcial, da Organização Internacional do Trabalho, adoptada em Genebra, em 24 de Junho de 1994
Intervenção de Bernardino Soares
20 de Janeiro de 2006
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Quero dizer algumas breves palavras sobre esta Convenção.
A cláusula mais relevante desta Convenção é aquela em que se salienta que o trabalho a tempo parcial eve ser livremente escolhido e tem de corresponder aos interesses económicos dos trabalhadores. Este trabalho não pode ser uma forma de subemprego, a que se recorre porque não é possível encontrar um trabalho a tempo completo, sendo que esta preocupação é tanto mais importante quanto sabemos que, por exemplo, num inquérito conduzido há alguns anos, se revelava ser muito elevada a taxa dos que só aceitam trabalho a tempo parcial porque não conseguem ter trabalho a tempo completo.
Muitas vezes, portanto, e mesmo nas nossas estatísticas, as taxas de trabalho a tempo parcial escondem uma situação de desemprego, de facto, que existe nesta matéria.
Esta Convenção — e isso também deve ser salientado — proíbe às entidades patronais o recurso a este trabalho para privar os trabalhadores de direitos, nomeadamente de direitos sociais. Entre nós, é isto que tem acontecido em grandes superfícies comerciais, que usam e abusam deste trabalho e tentam sempre eximir-se ao pagamento de subsídios de alimentação ou fugir às obrigações decorrentes dos direitos de protecção da maternidade e da paternidade.
O trabalho a tempo parcial, precisamente porque não é, na maioria dos casos, livremente escolhido, também é muitas vezes utilizado para alimentar a discriminação das mulheres no mundo laboral. Só raras vezes, portanto, este trabalho a tempo parcial, especialmente entre nós, corresponde a uma escolha efectivamente livre por parte dos trabalhadores.
Em Portugal — e mesmo na União Europeia —, as estatísticas revelam que o trabalho a tempo parcial é muito pouco atractivo para os trabalhadores portugueses, com taxas muito baixas de utilização e, mesmo assim, aí, com uma maior incidência entre as mulheres, decorrendo daí a já referida discriminação.
A comparação destas taxas, relativas à privação material de bens e serviços, ao desemprego e aos salários, revela que há entre todas elas uma relação indissociável, da qual se conclui que é nos países de salários mais elevados e com melhores condições de vida que o trabalho a tempo parcial pode ser livremente escolhido pelos trabalhadores. Nos outros países, como é o nosso caso, o trabalho a tempo parcial é normalmente o último recurso para fugir a situações de desemprego. Aliás, na União Europeia, as taxas de acesso ao trabalho a tempo parcial são muito superiores entre as mulheres.
Por fim, importa dizer que, em Portugal, temos uma situação em que os níveis salariais são muito baixos e os níveis de desemprego muito elevados, que Portugal se encontra entre os países com a mais baixa taxa de aumento do custo da mão-de-obra, incluindo mesmo (o que é uma coisa espantosa) os custos decorrentes das indemnizações por despedimentos, disfarçados de rescisões por mútuo acordo, que também contam para este suposto aumento do custo do trabalho, e é também o país onde mais progride a taxa de desemprego, os níveis de pobreza são acentuados e, evidentemente, o trabalho a tempo parcial é, na maioria dos casos, uma necessidade, uma imposição, e não uma livre escolha, é o recurso possível perante o espectro do desemprego.
Assim sendo, todas as medidas no sentido de garantir que o trabalho a tempo parcial seja uma livre escolha e que, sendo escolhido, não corresponde a qualquer limitação injustificada de direitos, são positivas para obviar a que ele seja, como é em tantos casos no nosso país, um instrumento de fornecimento de mão-de-obra barata, com direitos diminuídos.