Declaração política contestando a decisão anunciada pelo Governo no sentido do envio, no próximo mês de Agosto, de um contingen-te de 144
Comandos para o Afeganistão
Intervenção de António Filipe
30 de Junho de 2005
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
No Dia das Forças Armadas, celebrado no passado sábado, o Sr. Ministro da Defesa Nacional anunciou que a crise ia chegar às Forças Armadas. E não estou a referir-me apenas à decisão que tomou, meramente simbólica e sem importância, no sentido de aquela cerimónia militar não ter contado com o sobrevoo de aviões da Força Aérea Portuguesa. De fac-to, todos sabemos que a crise também tem afectado as Forças Armadas. Sabem-no todos os militares, que têm razões de descontentamento.
É sabido que a lei aprovada nesta Assembleia relativamente aos complementos de reforma não foi cum-prida. Desde os anteriores governos do PS, passando pelos governos do PSD/CDS-PP e continuando com este Governo, esse complemento de reforma, decidido por uma lei aprovada por unanimidade, nunca foi efectivamente pago àqueles que dele deviam beneficiar.
São também conhecidas diversas situações de bloqueamento da progressão da carreira dos militares.
Entretanto, foram anunciados, já por este Governo, vários ataques ao estatuto da condição militar, designadamente no que respeita aos subsistemas de saúde dos militares.
São conhecidas as frustrações das expectativas criadas aos ex-combatentes ao longo de vários anos.
É conhecida a falta de resposta a múltiplas razões de descontentamento dos militares.
E é conhecido que, com as medidas anunciadas pelo Governo, há novas razões de descontentamento. Aliás, vários militares têm chamado a atenção para isso, denunciando essas situações e tendo até iniciado diversas acções de protesto relacionadas com situações de descontentamento quanto às respectivas car-reiras.
Entretanto — e é esse o motivo principal da minha intervenção —, o Governo assumiu a decisão de, no próximo mês, enviar um contingente de comandos para o Afeganistão.
Trata-se de um batalhão de comandos, com 144 efectivos, que vai para o Afeganistão a partir do início do próximo mês de Agosto.
A primeira pergunta que fazemos é esta: então para isso já não há crise? Gostaríamos de saber, com rigor, quanto é que essa opção vai custar aos contribuintes portugueses, que explicação se dá aos portugueses, que vêem as suas condições de vida agravadas, que vêem aumentar o IVA de 19% para 21%, o que vai, obviamente, encarecer os bens de primeira necessidade e outros bens de consumo. Gosta-ríamos, portanto, de saber se para isto já não há crise.
Mas essa não é a questão fundamental. Obviamente, essa questão não pode deixar de pesar, tendo em conta as prioridades orçamentais e do Estado português, porém a questão fundamental que se coloca é a seguinte, Sr. Presidente e Srs. Deputados: em nome de quê, para defender que princípios e para defender que valores é que os comandos portugueses vão para o Afeganistão?
Não questionamos, não criticamos, por razões de princípio, a participação de Forças Armadas Portu-guesas em missões no exterior. Obviamente, não contestámos, pelo contrário apoiámos, a participação das Forças Armadas Portuguesas em Timor Leste e pensamos ser meritória a participação das Forças Arma-das Portuguesas em missões de cooperação técnico-militar com países da CPLP. Portanto, a questão que, neste caso, se coloca não é essa.
A questão tem que ver com os princípios em que tem vindo a assentar a participação das Forças Arma-das Portuguesas em missões fora do território nacional. Ora, o princípio em que, infelizmente, tem assenta-do é fundamentalmente o seguinte: os Estados Unidos da América querem a participação das Forças Armadas Portuguesas e estas participam. Ora, para nós, esse não deve ser o princípio a presidir ao envol-vimento e à participação das Forças Armadas Portuguesas no exterior.
Mas tem sido esse o princípio. Senão vejamos: neste momento, estão 237 militares portu-gueses na Bósnia. Há 13 anos que Portugal está envolvido, com tropas portuguesas, nesse país, não se sabendo quando é que este protectorado internacional vai terminar. O que se sabe é que quando os Esta-dos Unidos descobriram que tinham outra prioridade, o Iraque, saíram da Bósnia, tendo sido enviado um contingente de militares portugueses substituir alguns dos militares norte-americanos que abandonaram o país.
Neste momento, estão 295 militares portugueses no Kosovo. Até quando? Também não sabemos. O que sabemos é que a situação do Kosovo passa por um impasse total, não havendo qualquer perspectiva de solução à vista.
No Iraque continuam seis militares portugueses, supostamente a formar o futuro exército iraquiano. Como se sabe, a questão do Iraque é uma «ferida aberta», cada vez maior, na própria sociedade norte-americana. Aliás, o Secretário de Estado da Defesa norte-americano já admite que a presença militar ame-ricana no Iraque possa prolongar-se por mais 12 anos.
Ora, a questão que se coloca é a seguinte: até quando continuarão portugueses a participar em missões militares no Iraque?
E agora o Governo assume a decisão tomada pelo anterior executivo de enviar 144 comandos portu-gueses para o Afeganistão. Não será demais referir que vão enfrentar uma situação extraordinariamente perigosa e que tende, de dia para dia, a agravar-se. E perguntamos, mais uma vez: em nome de quê? Em nome de quem? Em nome de que princípios? Em nome da defesa dos direitos humanos não é, seguramen-te!
É que, directamente associada à ocupação do Afeganistão, está, infelizmente, a questão de Guantanamo, que constitui uma das mais bárbaras violações dos direitos humanos dos nossos dias, denunciadas, inclusivamente, na própria Organização das Nações Unidas e, de forma reiterada, pela Amnistia Internacional. E surgem agora denúncias de que os Estados Unidos se recusam a colaborar com as Nações Unidas para investigar o que efectivamente se passa nesse campo de concentração.
A guerra no Afeganistão está também associada a uma notícia recente, divulgada por responsáveis das Nações Unidas, segundo a qual os Estados Unidos usarão navios de guerra para terem prisões ao largo, completamente fora de qualquer controlo humanitário ou fora de qualquer tipo de controlo por parte da comunidade internacional, da justiça ou seja de quem for.
Temos, pois, de perguntar se as Forças Armadas Portuguesas vão para o Afeganistão para darem cobertura a este tipo de fenómenos que envergonham a humanidade, que devem ser denun-ciados, com toda a coragem, por todos os Estados e por todos os cidadãos.
Portanto, perguntamos em nome de quê, em nome de quem e em nome de que princípios os soldados portugueses vão participar num país onde continuam a ser violados os direitos humanos e cujo poder político é completamente dominado pelos narcotraficantes.
O que nós verificamos é que o PS, quando estava na oposição, criticava o alinhamento do Governo PSD/CDS-PP com a administração Bush e que agora, que está no Governo, mantém todas as posições que foram tomadas na base desse total alinhamento.
E não se diga que as posições, por terem sido tomadas por um governo anterior, não podem ser altera-das. O actual governo espanhol demonstrou que assim não é, tendo alterado radicalmente as posições que o Estado espanhol tinha assumido no tempo do governo do Partido Popular, ao ter retirado, como se sabe, todas as tropas espanholas do Iraque.
Ora, o que verificamos é que a atitude do actual Governo português não tem sido essa. Enquanto o Sr. José Luís Zapatero prometeu que iria tirar — e tirou! — a Espanha da «fotografia dos Açores», o Governo português limita-se apenas a mudar nessa «fotografia» a cara do Primeiro-Ministro de Portugal.