Interpelação ao Governo sobre Política
Externa e os condicionalismos que o levaram a apoiar a guerra contra o Iraque
e a participar na sua ocupação militar.
Intervenção de António Filipe
1 de Abril de 2004
Senhor Presidente,
Senhores Membros do Governo,
Senhores Deputados,
Esta interpelação ao Governo realiza-se no dia das mentiras e é precisamente disso que vamos falar. De uma mentira. Uma enorme mentira, mas que desde há mais de um ano determina o essencial da política externa portuguesa.
O Primeiro Ministro Durão Barroso, fugiu sempre a responder a uma questão elementar: Quais foram afinal as provas concludentes quanto à existência de armas de destruição em massa no Iraque que o levaram a apoiar a guerra contra esse país e a participar na sua ocupação militar.
O Primeiro Ministro disse ter visto essas provas, e quer se tenha tratado de uma visão ou de uma ilusão de óptica, a verdade é que a existência de armas de destruição em massa foi a razão sempre invocada como determinante para a guerra do Iraque.
As intervenções proferidas pelo senhor Primeiro Ministro nesta Assembleia, antes de ser publicamente reconhecida a inexistência dessas armas, não deixa margem para dúvidas.
Em 19 de Novembro de 2002 afirmou aqui o Senhor Primeiro-Ministro que “o Iraque deve demonstrar por actos, e não por uma mera repetição de palavras, que desistiu dos seus propósitos de desenvolver armas de destruição maciça.
Em 1 de Fevereiro de 2003, o Senhor Primeiro-Ministro veio a esta Assembleia proclamar que “Portugal deve ter uma posição intransigente contra um regime como o Iraque que promove armas de destruição maciça”.
Em 27 de Março de 2003, no debate das moções de censura, reiterou que “a posição de Portugal, em nome dos princípios da segurança internacional e da democracia, não podia ser outra que não fosse a de ajudar os seus aliados, na medida das suas possibilidades, na neutralização de uma ditadura que ameaça o mundo ocidental com armas de destruição maciça”.
E em Junho de 2003, passeando de braço dado com Donald Rumsfeld, o Ministro da Defesa Paulo Portas reafirmou a sua convicção de que as armas de destruição em massa acabariam por ser encontradas, e que só não o tinham sido até então pela simples razão do Iraque ser um país do tamanho da França.
Por muito que os defensores da guerra do Iraque digam agora, que o objectivo da guerra era acabar com uma ditadura ou combater o terrorismo, não conseguem apagar da história o que diziam antes. A verdade é que esses argumentos só foram invocados como determinantes, a partir do momento em que foi publicamente reconhecido que as armas de destruição em massa afinal não existiam.
Toda a justificação da guerra do Iraque foi baseada na suposta existência de armas de destruição em massa.
Em Setembro de 2002, o Presidente Bush foi às Nações Unidas garantir que o Iraque se encontrava a produzir armas biológicas.
Entre Dezembro de 2002 e Março de 2003, os inspectores da ONU realizaram mais de 900 acções inspectivas e visitaram mais de 500 locais sem nada encontrar. Entretanto, Donald Rumsfeld afirmava ter conhecimento de que Saddam deslocava as armas de destruição em massa em cada 12 a 24 horas, escondendo-as em bairros residenciais.
Em Janeiro de 2003, no discurso sobre o Estado da União, George W. Bush afirmou que o regime iraquiano havia adquirido grandes quantidades de urânio num país africano, e só em Julho, já depois da guerra, é que o Director da CIA, Goerge Tenet, veio assumir que essa informação era falsa.
Em Fevereiro de 2003, numa longa exposição perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas, Colin Powell apresentou provas ditas irrefutáveis de que o Iraque possuía armas químicas e biológicas e estava determinado a fabricar ainda mais.
E com base nessa mentira, o Governo português apoiou a guerra e participa na ocupação do Iraque com um contingente da GNR.
O senhor Primeiro Ministro nunca explicou aos portugueses, se na questão das armas de destruição em massa mentiu com dolo ou com negligência. Se mentiu porque se deixou enganar ou se mentiu porque essa era a única forma de tentar justificar aquilo que para a grande maioria dos portugueses era e continua a ser injustificável.
Pior: Num momento em que o futuro governo espanhol, interpretando a vontade maioritária dos cidadãos que representa, anuncia a retirada das suas tropas do Iraque, e em que o Presidente da República e o Governo da Polónia indiciam uma posição semelhante, reconhecendo que a sua participação na guerra do Iraque se baseou na convicção da existência das armas de destruição em massa, ninguém compreende que o Governo português se possa manter aparentemente imperturbável.
Se o argumento da fidelidade cega aos aliados, por diversas vezes invocado pelo senhor Ministro nunca foi um argumento aceitável, a verdade é que, nos dias de hoje, cai inteiramente pela base. O Estado Espanhol vai retirar as suas tropas do Iraque e não deixará de ser um país amigo, e um país membro da NATO e da União Europeia.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Sabemos que não havia no Iraque armas de destruição em massa. Sabemos que a guerra do Iraque não só não combateu com eficácia o terrorismo como prejudicou dramaticamente a luta contra o terrorismo, como hoje mesmo afirma André Gonçalves Pereira em artigo publicado no Público. Sabemos que nada melhorou, nem no Iraque nem no Médio Oriente, onde a situação é mais instável que nunca e onde os direitos do povo palestiniano continuam a ser diária e brutalmente espezinhados.
Perante tudo isto, o Governo português só teria uma saída decente: Reconhecer o erro; pedir desculpa aos portugueses; e anunciar a retirada da GNR do Iraque. Ao não o fazer, o Governo só demonstra que até agora não aprendeu nada e que só aprenderá no dia em que os portugueses lhe ensinarem a lição que o povo espanhol obrigou os seus governantes a aprender.
Disse.