Declaração Política sobre a invasão
e a destruição do Iraque
Intervenção da Deputada Luísa Mesquita
23 de Abril de 2003
Senhor Presidente
Senhoras Deputadas
Senhores Deputados
Caos. Pilhagem. Saque. Vingança. Ódio. Morte. Destruição.
São estes os presentes oferecidos pelas
libertadores ao Povo Iraquiano.
A coligação anglo-americana cumpriu, de facto, os seus verdadeiros
desígnios.
E agora devastada pela lei da selva a génese da Humanidade, a Administração Americana olha já em redor na procura de outros alvos capazes de sustentarem a insaciável voracidade do império.
Hoje já ninguém de bom senso admite vir a público defender a invasão e a destruição do Iraque.
Hoje já ninguém de bom senso admite vir a público defender a coligação anglo-americana e os seus cúmplices.
Afinal as armas de destruição
maciça tardam em aparecer.
Talvez por isso o Comando Central norte-americano no Qatar considere não
conveniente o regresso dos inspectores da ONU ao terreno.
Talvez por isso o Secretário-geral da ONU tenha afirmado que a credibilidade do eventual achado de tais armas, exija a presença dos inspectores para evitar tentações de alguém “plantar” no Iraque o que não foi encontrado.
E porque a coligação já vai nua, há que reinventar falácias e ameaças.
Agora é a Síria que deverá ser alvo de sanções económicas e diplomáticas, é um estado pária no dizer dos “libertadores” que fazem do caos lei e do saque e da pilhagem entretenimento ignóbil.
Afinal o único objectivo da guerra era a destruição, a ocupação, a dominação, a humilhação do povo Iraquiano.
Como disse um arqueólogo iraquiano, pedindo aos americanos para evitarem o saque do Museu Nacional do Iraque, onde o registo histórico nos leva às planícies férteis da Mesopotâmia há mais de 7 mil anos, “Diga ao presidente Bush que isto não é uma libertação, isto é uma humilhação”.
Só a destruição do país, só a sua ruína humana, cultural, política e económica dariam às potências ocupantes o sucesso da sua vertigem colonizadora.
Por isso não protegeram as embaixadas, os escritórios da ONU ou os Ministérios da Educação e da Cultura.
Por isso não defenderam as Universidades, os Hospitais, as Bibliotecas e os Museus.
No entanto, dois ministérios permanecem intactos e intocáveis.
Tanques, veículos blindados e centenas de homens armados impediram a destruição dos Ministérios do Interior e do Petróleo.
Afinal os arquivos petrolíferos e as vastas reservas do tão apreciado produto estão a salvo dos saqueadores.
Poderão, naturalmente, a curto prazo, serem compartilhados com as companhias petrolíferas norte-americanas.
Dois mil soldados defendem os campos petrolíferos de Kirkurk que contêm as maiores reservas do mundo. No entanto não foi possível, sequer, colocar uma centena de soldados e meia dúzia de tanques junto ao Museu e à Biblioteca Nacional de Bagdad ou junto ao Museu de Mossul.
Entretanto, arrombadas as portas, saqueado o país, temos vindo a assistir a cenas caricatas e surrealistas.
Soldados da coligação interpelam iraquianos que transportam frigoríficos, televisores ou móveis e exigem documentos comprovativos de posse da propriedade.
Hoje, não é possível fechar os olhos ao maior crime de pilhagem da História da Humanidade.
O silencio de alguns só pode ser entendido como cúmplice do crime.
Já quando da guerra do Golfo, em 1991, Bagdad acusava as tropas americanas de roubo de inúmeras peças nos sítios arqueológicos mais famosos do Sul do país.
Não estamos portanto perante ilustres ignorantes de uma das maiores riquezas patrimoniais do mundo.
Antes do início da ilegítima invasão do Iraque, a UNESCO havia informado o Pentágono da imperiosa necessidade de defender o património cultural do povo iraquiano.
Mas a Administração Bush preferiu reunir com uma outra coligação criada a propósito em 2001 – o Conselho Americano para a Política Cultural, constituído por negociadores e coleccionadores de arte que negociaram com a Administração americana as regras do jogo:
• Alterar as leis iraquianas relativas à exportação de tesouros patrimoniais que esta coligação considerava muito restritivas;
• Produzir legislação Iraquiana facilitadora da dispersão pelo mercado internacional, particularmente dos Estados Unidos, do valioso e único património da Humanidade existente no Iraque;
• Flexibilizar as leis americanas para permitir facilmente a importação de património estrangeiro, particularmente roubado ao povo iraquiano.
Disse o Presidente do Instituto Arqueológico da América que são desastrosas as estratégias deste grupo de saque patrimonial.
A pilhagem de que foram alvo as cidades de Bagdad, Bassorá, Mossul, Kirkurk e outras, não foi na opinião dos especialistas, um incidente ou um subproduto da guerra.
Foi antes deliberado e encorajado, por razões políticas e económicas.
A devastação que se iniciou em
Bassorá e Bagdad em Abril, estava programada. A destruição
de hospitais, escolas e centros de distribuição de energia eléctrica
não foi por acaso.
A pilhagem no Museu Nacional de Bagdad, o maior museu arqueológico de
todo o Médio Oriente não foi também um acaso.
Não foram só as peças, os artefactos, os tesouros que desapareceram. Também a inventariação e os catálogos do património foram queimados ou roubados.
Enquanto isto, os soldados da coligação assistiam tranquilamente ao espectáculo a que tinham dado ordem e autorização.
Professores, reitores, arqueólogos, especialistas denunciam atitudes e comportamentos das forças ocupantes que envergonham qualquer ser humano.
A Cruz Vermelha Internacional afirmou, recentemente, que a coligação estava obrigada pelas leis internacionais a garantir a segurança básica da população iraquiana e não a viabilizar as saques aos hospitais, já em total colapso.
Mas também já se sabe que o General americano, responsável pelas operações guerreiras deu ordens para não evitar os saques apesar dos pedidos formulados às tropas no terreno por muitos iraquianos, que pediam a protecção das infra-estruturas fundamentais ao país e ao seu povo.
Em Mossul, enquanto os Hospitais, as Universidades, os Laboratórios, as Clínicas e as Fábricas eram destruídas, largas centenas de militares norte-americanos retiravam-se para fóra da cidade.
Um jornalista britânico afirmava em 14 de Abril que é cada vez mais evidente o que os Estados Unidos querem proteger no Iraque.
Em Bagdad, dizia ainda o jornalista, as tropas assistiam sentadas à concretização do saque.
Entretanto o Pentágono não resistiu
a mostrar a sua verdadeira face.
Numa conferência de imprensa, o Secretário de Estado da Defesa
denunciou o exagero da comunicação social e acrescentou que a
pilhagem era natural e até uma expressão saudável de hostilidade
ao regime.
E dizia ainda “As pessoas livres são livres de fazer erros e cometer crimes”.
Hoje todos sabemos porque já não é possível ignorar que esta devastação e destruição, quer pelos bombardeamentos, quer pelo saque, fazem parte do mesmo processo: A destruição do Iraque para benefício das empresas norte-americanas e outros “fogos” amigos.
Hoje conhecem-se já os contratos, formulados há meses, para produção de novos livros escolares, talvez com a bandeira e o hino americanos, para produção de material médico e até treino de uma nova força policial.
Segundo um jornalista do New York Times o objectivo dos Estados Unidos é introduzir as leis do mercado e governar o que só seria possível após uma invasão criminosa, seguida de uma pilhagem generalizada.
A infâmia cometida contra todo o património do povo iraquiano, a vil cobiça, a inglória fama dos mandantes da coligação é de tal modo ultrajante que hoje as críticas vêm de todos os sectores.
A UNESCO exige que a coligação respeite os princípios da Convenção de Haia, para a protecção dos bens culturais em caso de conflito armada, que ironicamente os Estados Unidos e o reino Unido nunca assinaram.
António Hespanha, professor de direito denunciava “Se a História do Homem faz parte da Humanidade, os responsáveis por esta guerra são, só por isto, réus de crimes contra a Humanidade. Não se sentarão no TPI, porque esta farsa de tribunal nunca julgará nenhum cidadão dos cerca de 60 países (entre os quais os Estados Unidos), que acham que os outros é que devem responder pelas atrocidades que cometem”.
Uma arqueóloga inglesa da Escola Britânica
de Arqueologia no Iraque acusava:
“É incrível como eles foram negligentes. Nem Saddam tratou
o património do Kwait, em 1991, com tanto desprezo”.
O Secretário do Congresso Mundial de Arqueologia acusava que “o roubo de peças arqueológicas, direccionadas aos antiquários e aos museus ocidentais, é uma prática de rapina que os arqueólogos não podem senão condenar”.
Até o Conselheiro cultural de Bush se demitiu afirmando que a pilhagem do Museu de Bagdad “é uma tragédia que era previsível e que poderia ter sido evitada pelos Estados Unidos”.
Por todo o mundo se levantam vozes unânimes contra o objectivo único da coligação:
• O saque ao Património do Povo Iraquiano.
Afinal “choque e terror” eram os verdadeiros objectivos da coligação anglo-americana.
Quem viu as fogueiras de livros e de preciosos manuscritos na Biblioteca Nacional de Bagdad sentiu perto o cheiro das fogueiras inquisitoriais do Santo Ofício ou até as fogueiras ordenadas por Pinochet nas Bibliotecas e Universidades Chilenas.
Dizia um jornalista Britânico que as chamas da Biblioteca se viam a 3 milhas de distância e que as tropas americanas estavam só a 5 minutos do local mas não quiseram aproximar-se. Para quê? Não havia petróleo.
Bagdad foi a capital cultural do mundo árabe por mais de cem anos, com a população mais letrada do Médio Oriente.
No século XI foi queimada e o Rio Tigre correu negro.
A 14 de Abril do século XXI as cinzas dos documentos que dizem da nossa história comum, como humanidade, encheram de negro os céus do Iraque e encheram de dor e tristeza todos aqueles que sabem que só a paz e a justiça social determinam a liberdade dos povos contra todos os invasores e usurpadores do nosso património comum, hoje no Iraque, amanhã em qualquer outro lugar do Mundo.
Disse.